Humanidades e o Leão amansado: uma memória

Foto: Arquivo pessoal
Foto: Arquivo pessoal

A velocidade e o volume das luzes, agressivos aos olhos das crianças; o aumento das agressões a mulheres por homens embriagados, a fuga de cães para debaixo das camas por conta dos petardos de festa anunciam a notícia. Um novo ano está às portas. Para o banquete de religiões e numerologias, 2025 será um ano ímpar. Entrementes, em uma das instituições de ensino superior do MS, em luto pela perda do seu criador e líder, o professor Roberto Figueiredo, o grupo de teatro “Senta que o Leão é Manso” completa um ciclo de quarenta e dois anos de atividade e de luta pela cultura. Com isso tomamos consciência de mais um desafio posto no âmbito das humanidades.

O início do grupo aconteceu no ambiente público e respeitoso de diversas instituições, como a Escola Municipal Bernardo Franco Baís e, posteriormente, o Colégio Dom Bosco e a FUCMT, que veio a tornar-se a UCDB. Foi igual a tantos outros grupos de teatro. Perto da Santa Casa, no centro da capital, em espaço cedido por um padre salesiano que seria posteriormente o Bispo de Corumbá (D. Martinez). Eram feitas atividades extensionistas, exercícios de atuação em horários considerados mortos pela maioria das pessoas, como as tardes de sábado ou as manhãs de domingo. Os iniciadores foram os professores Roberto Figueiredo, Maria Cristina Aquino e Lígia Velasques. Nas reuniões eram encenados pequenos textos, que aos poucos foram evoluindo, na medida em que as oficinas e as teorias ganhavam corpo, e o grupo ganhava robustez. Que foi aumentando, com a participação em festivais de teatro e associações amadoras da arte dos palcos. Com os tempos e o amadurecimento foram encenadas com sucesso muitas peças representativas da cultura clássica e contemporânea, sempre provocadoras e cada vez mais bem sucedidas entre os grupos estudantis e populares.

A experiência deste grupo de teatro, que desejamos que siga forte apesar de sua perda, pode nos fazer refletir e celebrar a memória da presença das instituições de ensino no mundo da vida e do trabalho de estudantes e de trabalhadoras e trabalhadores que se envolvem com a representação da vida e de suas experiências na construção do que chamamos de cultura.

Ela nos faz refletir ainda, e celebrar, a importância de pertencer, na medida em que nós fomos nos engajando como estudantes, nas Universidades e Institutos de ensino. O testemunho do grupo Senta que o Leão é manso, ao lado de outros inúmeros grupos de teatro e de outras atividades pensadas com e para estudantes, mostra que não é apenas o interesse financeiro e especulativo que reúne e congrega a juventude. Também a busca de amizade, da leitura e do aprendizado do teatro, da literatura e de artes ligadas à representação e performance, a crítica e o aprendizado da política, possuem um papel fundamental.

Por último, a comemoração de 42 anos de um grupo de teatro amador sugere que a vida é breve, que seus membros dependem basicamente de as instituições e os grupos se apreciarem e procurarem constantemente, para azeitar as relações sociais e cultivar perspectivas críticas do que seja possível entender, viver e celebrar da realidade. A última sugestão de que a vida é breve encerra esta nota, lamentando a morte cruel do Prof. Roberto, e celebrando a memória de toda a presença das humanidades no esforço de fazer respirar o tecido social e cultural do MS. Em suas palavras, o melhor do grupo sempre foi, é e será o grupo. Que continue a existir o teatro, neste e noutros grupos MS afora.

Josemar de Campos Maciel é Doutor em Psicologia (PUC-Campinas) e professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Local da UCDB. E-mail: [email protected]

Este artigo é resultado da parceria entre o Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul e o FEFICH – Fórum Estadual de Filosofia e Ciências Humanas de MS.

 

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