‘O pantaneiro sempre foi considerado um vilão de algo que não fez’, diz ex-secretário estadual de Meio Ambiente

Foto: Cayo Cruz
Foto: Cayo Cruz

Especialista em meio ambiente explica que ficaram mantidos os índices
de, no máximo, 50% nas áreas de Cerrado e de 60% de campo

A necessidade da criação de uma nova legislação para o Pantanal nasceu da crítica que o Ministério do Meio Ambiente fez em relação à taxa de supressão, estabelecida no decreto estadual n° 14.273, de outubro de 2015, que previa o desmatamento de até 50% em áreas de Cerrado e de 60% nas áreas de campo. Agora, a nova Lei do Pantanal, já em discussão na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, estabelece novas medidas de conservação do bioma, entre elas, a que está prevista no artigo 15, que diz, no parágrafo segundo, que quando a propriedade foi afetada por 60% ou mais da área do imóvel por Cerrado, campo e das vedações trazidas no artigo 12, entre elas áreas de veredas, landis, salina, capões e cordilheiras, poderá ser feito o uso alternativo do solo, em até 40% da área do imóvel.

Segundo o especialista em meio ambiente, Ricardo Eboli, nesses 40%, o produtor rural vai ter que escolher se ele vai entrar na área de Cerrado ou na área de campo. “Muito embora as pessoas acham que pode como antes, 50% no Cerrado e 60% no campo, mas não é. Por exemplo, eu tenho uma área de mil hectares e que supostamente eu tenho 700 hectares de Cerrado e 300 de campo, então, antes dessa lei, independentemente da área do imóvel suprimir 50% do Cerrado, ou seja, 350 hectares e 60% no campo, que nesse exemplo seria 210 hectares. Agora, o que está escrito na lei é que só poderá suprimir 40% da área total do imóvel, que neste caso seria 400 hectares”, explica.

Por outro lado, conforme o ex-secretário, a lei traz pontos positivos e inovadores, como o Fundo Estadual de Desenvolvimento Sustentável do Bioma Pantanal, mesmo não sendo um benefício que vai acontecer a curto prazo. “Identifica e reconhece, de alguma forma, o pantaneiro como sendo um preservacionista e que vai ser recompensado. O pantaneiro sempre foi considerado um vilão de algo que não fez, aliás, o que eles fizeram foi a conservação. Então, esse é um mecanismo inovador do projeto de lei, que permite as compensações de reserva legal no Pantanal e isso também é uma forma de agregar valor econômico às fazendas do bioma”, garante.

O Estado: Quais as principais vedações da Lei que impactarão diretamente na pecuária do Pantanal?

Ricardo Eboli: Primeiro, precisamos considerar que essa pecuária secular vem dando bons exemplos de preservação da natureza, mesmo tendo altos índices de produção de gado magro do país e uma grande região produtora de bezerros, portanto, com essa lei, a gente vê que avanços, de um lado, por remunerar o produtor rural pela conservação desse bioma, que atualmente é 84% conservado, mas, por outro lado, ela traz algumas restrições. Por exemplo, como temos diversos tipos de ambientes no Pantanal, podemos dizer que, em mais de 90% de todo o Pantanal, as fazendas poderão, a partir dessa lei, ter, no máximo, 40% de área desmatada para a formação de pasto.

Anteriormente, pelo decreto 14.273/2015, poderia ter 50% da parte de Cerrado preservado, e os outros 50%, logicamente, introduzido a pastagem e nas áreas de campo poderia-se substituir até 60% do pasto, que nada mais é do que a troca do capim nativo, que pega fogo, por capim humidicola. Então, nessa lei, só poderá abrir 40% da área toda da propriedade rural e nesses 40% o produtor rural vai ter que escolher, se ele vai desmatar o Cerrado e/ou a área de campo.

Pelo critério de hoje, desta lei, em até 40% no máximo da sua área, muitas propriedades do Pantanal, na região da Nhecolândia e do rio Negro, não conseguirão atingir 30% de formação de pastagem, porque na lei há uma outra vedação onde os capões e cordilheiras deverão ser mantidos em 80% da vegetação arbórea. Essas fazendas dos pantanais da Nhecolândia e do rio Negro possuem praticamente a totalidade de suas áreas formadas por salinas, vazantes e por capões e cordilheiras.

Muito embora as pessoas acham que poderão, como antes, desmatar 50% de todo o Cerrado existente e 60% de todo o campo existente, mas não será assim. Por exemplo: se eu tenho uma área hipotética de mil hectares em que, supostamente, eu tenho 700 hectares de Cerrado e 300 de campo, então, antes dessa lei, independentemente da área do imóvel, eu poderia suprimir 50% do Cerrado, ou seja, 350 hectares e 60% no campo que, nesse exemplo, seria de 210 hectares. Agora, o que está escrito na lei é que poderá ser suprimido 40% da área total do imóvel, que neste caso seria 400 hectares, portanto, para respeitar os limites de 50% do Cerrado e 60% do campo, previsto no mesmo artigo 15 da lei, seria necessário fazer a opção de escolher se esses 400 hectares estariam na parte disponível do Cerrado e/ou do campo.

O Estado: Do que se trata no caso das outras produções econômicas, como a agricultura?

Ricardo Eboli: Outra vedação que trata a lei é o plantio de grãos, tais como soja, milho, cana-de-açúcar, eucalipto, plantio florestal exótico, com exceção dos que já se encontram lá, consolidados, e que é uma área muito pequena do Pantanal, principalmente na região de Miranda. Porém, pelo texto, é permitido o cultivo de grãos sem fins comerciais, se forem usados dentro da própria propriedade para a suplementação dos animais. Então veja: a lei proíbe o cultivo comercial, mas pode plantar se for suplementar a alimentação do gado na própria propriedade, ou seja, alguns dos grãos vedados pela lei poderão continuar a ser cultivados.

O Estado: A criação do Fundo Estadual de Desenvolvimento Sustentável do Bioma Pantanal é algo positivo e inovador?

Ricardo Eboli: Avaliamos que o projeto cria mecanismos financeiros para a região, para a conservação, por meio do Fundo do Pantanal, cria a questão dos pagamentos de serviços ambientais para o Pantanal, mas isso eu não vejo, a curto prazo, como um benefício que vai acontecer logo, mas acho inovador no projeto, porque identifica e reconhece, de alguma forma, o pantaneiro como sendo um preservacionista e que vai ser recompensado. O pantaneiro sempre foi considerado um vilão de algo que não fez, aliás, o que eles fizeram foi a conservação.

Então, esse é um mecanismo inovador do projeto de lei, que permite as compensações de reserva legal no Pantanal e isso também é uma forma de agregar valor econômico às fazendas do bioma, então, a gente vê um início de deslocamento da matriz econômica ao restringir o desmatamento em até 40%, para um estímulo a ganhos financeiros por conservar essa vegetação nativa, que não poderá ser desmatada. Então, o produtor pantaneiro, a partir dessa lei, vai se perguntar: consigo produzir com o que é possível formar de pasto no Pantanal, a depender do tamanho da minha propriedade por esta lei? Tem uma conta financeira a ser feita por eles, a outra conta será o quanto agora posso ganhar em atividades de preservação ambiental que sejam remuneratórias, tais como créditos de carbono. O que é um grande avanço de um lado, mas a gente vê, ainda em alguns aspectos, a legislação mais restritiva a que vinha sendo estabelecida, no Pantanal. Por outro lado, dada a complexidade da compreensão desta lei, os deputados deverão apresentar mais emendas no decorrer dos próximos anos. É importante destacar que as restrições ao Pantanal não cessarão a partir dessa lei, os pantaneiros não têm garantia de que não virá uma lei federal no futuro.

O Estado: A Lei do Pantanal traz muito ainda do decreto de 2015?

Ricardo Eboli: Muitas coisas que estão escritas no decreto 14.273 de 2015 foram, literalmente, transcritas nesta lei, porque foram avanços lá atrás e que se entendeu que deveriam ser mantidos e outras inovações, mas podemos dizer que é mais restritiva que o decreto que estava vigente, principalmente para a atividade produtiva, porém inovadora, no estímulo financeiro à preservação. A lei começa a reconhecer e a pagar a dívida que tem com os pantaneiros, que até hoje preservam 84% do bioma.

O Estado: Como avalia as questões dos limites geográficos do mapa utilizado na Lei do Pantanal?

Ricardo Eboli: O Estado de Mato Grosso do Sul tem uma Lei de Zoneamento Ecológico e Econômico, que é de 2009 e estabeleceu os limites também do Pantanal com os respectivos potenciais para produção e conservação, então o mapa do ZEE (Zoneamento Ecológico e Econômico ) é o utilizado hoje, por todos os órgãos do Governo do Estado, como base para apontar onde é ou não uma área pertencente ao bioma e isso tem um impacto muito importante, porque na lei está proposto o mapa do IBGE para definir os limites geográfico do Pantanal. Com isso, algumas propriedades rurais, que vêm há anos seguindo o que o Estado fez, que é a Lei do ZEE, uma lei extremamente debatida, com esse novo mapa não se sabe se algumas propriedades passarão a integrar a área do Pantanal ou deixarão de ser Pantanal e por isso poderão passar a ter as restrições previstas nessa lei. Por exemplo, a atividade de confinamento é uma que está vedada nessa nova lei. Será que esse mapa do IBGE não vai atingir propriedades que praticam o confinamento e terão que deixar de fazê-lo? Então, isso pode trazer muitos transtornos.

O Estado: Quais as consequências, com a utilização do mapa do IBGE?

Ricardo Eboli: Antes de fazer um regramento de uso de uma área, precisa-se conhecer essa área, para que o regramento não seja injusto, prejudicial a toda uma socioeconomia e proteção ambiental. O Estado de Mato Grosso do Sul possui a Lei do Zoneamento Ecológico Econômico, que estabeleceu todos os mapas das regiões do Estado, as áreas com os potenciais do que pode ser empreendido e o que tem que ter de conservação e lá definiu-se o que era a área do Pantanal e esse mapa vem sendo usado desde 2009, portanto, há 14 anos que ele serve como instrumento de planejamento da exploração econômica e sustentável no Estado e por consequência, no Pantanal. Os órgãos públicos têm, na sua base cartográfica, o mapa do ZEE e agora, com o estabelecimento de uma mapa do IBGE, haverá conflitos, porque nunca dois mapas são iguais, então toda uma região peripantaneira pode ter seus limites alterados e as propriedades rurais, empreendimentos econômicos que antes eram possíveis de serem executados, podem deixar de ser permitidos, porque está na área de uso restrito do Pantanal. Isso é um problema de ajuste por parte do governo e é problema para a economia das regiões peripantaneiras, porque causa uma insegurança muito grande na vida dessas pessoas. Sem falar que, caso as propriedades rurais que passem a integrar área de uso restrito do Pantanal ou deixem de pertencer, os proprietários terão que se cadastrar novamente no Cadastro Ambiental Rural.

O Estado: Acredita que a pecuária deveria estar inserida como uma atividade de interesse social?

Ricardo Eboli: A pecuária é a base da economia do Pantanal, ela causa impactos sociais importantes na vida das cidades pantaneiras. Muito embora ela não seja uma atividade que emprega muito, mas gera empregos indiretos, principalmente nas cidades pantaneiras, pela compra de insumos. Devido a isso, o dinheiro gira na cidade. No entanto, ela não consta na lei como uma atividade de interesse social e, na minha opinião, deveria, sim, estar inserida neste contexto.

Por – Rafaela Alves.

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