Da preservação das nascentes às casas dos antigos moradores do Mandela, segurança hídrica está garantida
A terra vermelha ainda está solta, que contrasta com o início de setembro seco e acinzentado pela poluição, mas a mudança de vida dos novos moradores do Residencial Iguatemi transforma esse contexto em plano de fundo para um futuro mais seguro. Essas famílias resistiram por anos em barracos de lona e madeira, na Favela do Mandela, mas agora habitam casas de alvenaria, construídas na região do Bairro Vida Nova em Campo Grande, onde o simples ato de abrir a torneira emociona.
Naquela área invadida, eles não tinham noção de que eram cidadãos da Capital referência em abastecimento de água, que no entorno deles haviam dois mananciais e abaixo da terra três aquíferos. Pensar nessa abundância chegava ser utopia, já que nem tomar banho no baldes era garantido. Quem compartilha as dificuldades daquele período é a psicóloga Lauana Tainá da Silva, de 27 anos, que lava louças e o marido ajeita um varal para as roupas lavadas.
“Como as ligações eram irregulares, não tínhamos certeza quando a água vinha. Às vezes planejava lavar roupa, mas não tinha como, porque algum dos canos quebrou e toda a comunidade ficava sem água. Muitos não podiam nem ter chuveiro no barraco, tomavam banho com baldes”, detalha Lauana.
Quando ela abriu as portas da sua casa para reportagem, faziam apenas duas semanas que estava na casa nova. Dos tempos às margens da Rua Jorge Budib, apenas a gata de cores mescladas e alguns móveis acompanharam a família para uma realidade que sonharam por quase uma década.
“O tempo está bem seco, está difícil respirar, mas agora podemos consumir uma água segura e as crianças podem usar o chuveiro tranquilas. Das pequenas coisas, saber que vou abrir a torneira e ter água, para a gente aqui, é algo muito diferente”, completa.
Ainda arrumando os móveis, com o preparo do almoço no fogo e a bisneta no colo, Marilza Leão, de 61 anos, conseguiu trazer para nova habitação a sua muda de papoula laranja e branca. Manter tudo no lugar e limpo era sua prioridade nos tempos de favela, mesmo com o abastecimento sendo feito apenas por um cano.
“Não é porque vivíamos no barraco que não podia ser limpo, com plantas bonitas. Agora conseguimos ver a limpeza, a criança pode ficar limpinha, consigo fazer minhas coisas e o principal, ter um banho de chuveiro quente”, celebra.
Segurança hídrica garantida
Essas famílias, finalmente, podem viver a realidade e privilégio que todo campo-grandense pode se orgulhar: ter a garantia de abastecimento de água em meio a escassez hídrica e crise climática. Isso é possível graças ao sistema moderno e eficaz implantado pela concessionária Águas Guariroba, que consegue captar água dos mananciais Guariroba, Lageado, além dos poços perfurados nos aquíferos Serra Geral, Kaiowá e Guarani.
O alerta para escassez na região hidrográfica do Paraguai veio da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico), mas o gerente de meio ambiente e qualidade da água da concessionária, Fernando Garayo, explica que estudos e investimentos estão sendo feitos para garantir o não racionamento.
“Para algumas cidades é verificado a existência de racionamento em determinados períodos do ano, mas há alguns anos isso não acontece em Campo Grande. Nosso sistema usa a tecnologia de uma maneira que consegue levar a água de um ponto a outro da cidade, para que supra possíveis problemas e as reservas sejam acionadas a qualquer momento”, detalha.
Quando acompanhamos a situação climática do planeta, existe o medo de que um dia fiquemos sem águas, mas Fernando garante que os estudos e planejamentos são feitos todos os anos e, inclusive um quinquênio, que aponta as perspectivas do futuro.
“Nosso planejamento é praticamente anual, então, assim, a concessionária consegue acumular muitos dados de consumo da população, de hábitos da população. Da curva de consumo a gente faz o exercício de prever qual que vai ser o volume, com folga do ano seguinte. É importante lembrar que não o cidadão comum, uma habitação popular, não causa impactos negativos, pelo contrário, estão em nosso planejamento”, termina.
Atualmente, do que consumimos, 13% vem do Córrego Lageado e 47% dos 157 poços profundos, sendo que 14 deles estão no Guarani. Também, foram iniciadas as obras de perfuração de poços resultaram em acréscimo de 1,7 milhão de litros/hora de água produzida e melhorias na produção e distribuição da água potável. A Capital conta com 107 reservatórios de água, distribuídos nas sete regiões do município. O sistema ajuda a monitorar em quais bairros o consumo está mais elevado, quais são os horários de maior consumo, além da tendência de aumento, conforme o histórico de consumo da população.
União para conservação
Entre todas as captações de recursos hídricos, responsáveis pelo abastecimento de Campo Grande, uma possui o cuidado de várias mãos. Responsável pelo fornecimento de 40% do que é distribuído, a Bacia do Guariroba fica a 35 km do Centro. Ela é um dos mananciais desde 1985 e foi integralmente declarada APA (Área de Proteção Ambiental), uma das categorias de unidade de conservação assegurada pelo SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação).
Várias instituições públicas e privadas são parceiros no trabalho de conservação das 83 nascentes, que estão distribuídas em mais de 36 mil hectares e estão sob responsabilidade de 79 propriedades rurais, sendo que esse produtores estão associados à ARCP (Associação de Recuperação, Conservação e Preservação da Bacia do Guariroba).
Desde 2018, o Programa Manancial Verde, da Semadur (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano), é uma das estratégias para fortalecer a recuperação da APA. O Programa prevê compensações financeiras para os produtores rurais que adotam práticas conservacionistas e melhoram a cobertura florestal, ajudando assim a aumentar a infiltração de água, reduzir a erosão e a sedimentação, além de promover a biodiversidade.
“Nós acompanhamos, cobramos a recuperação das áreas degradadas no entorno das nascentes, das veredas, que protegem já há muito tempo as nascentes do Guariroba. A gente, inclusive, tem um programa que paga por serviços ambientais. Então os proprietários daquelas fazendas que tem ali na APA, que cumprirem as medidas adequadas de conservação, recebem um pagamento para manter esse recurso híbrido”, apresenta Gisseli Giraldelli, bióloga e superintendente de Meio Ambiente da Semadur.
Mas para os 79 residentes da APA, ajudar a manter as nascentes cristalinas e protegidas é uma questão de princípios, porque eles conseguem enxergar que o cuidado diário com a água é essencial para a vida das pessoas que vivem na cidade e para o futuro em meio às mudanças climáticas.
Segundo o presidente da ARCP,Claudinei Pecois, já foram mais de 170 mil árvores plantadas, veredas recuperadas e até trabalhos educativos são realizados para valorização das nascentes.
“Valorizamos aquela região, entendemos que aquele local é primordial para manter a cidade de Campo Grande. Todas propriedades são livres de agrotóxicos, possuem plano de manejo para preservação da pureza das nossas águas. Nosso propósito é esse, manter a qualidade da água tão boa que não precise de tratamento, pode ser bebida diretamente da torneira por qualquer campo-grandense”.
Por Kamila Alcântara
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