Se imaginar em uma área de risco nos faz refletir sobre o trabalho das forças policiais no Brasil
A primeira vez que entrei em uma redação de jornal, era julho de 2013 e eu precisava trazer atualizações das ocorrências policiais da madrugada em Campo Grande. Começava ali, no auge dos meus 18 anos, a minha caminhada no jornalismo diário, onde as questões policiais caminham lado a lado com pautas sociais, no Estado que é a porta de entrada para o tráfico de drogas.
Com crenças limitantes, nunca entendi como o Exército Brasileiro poderia ser tão importante na questão da segurança pública do País. Quando pensamos no “braço forte e mão amiga”, o cenário de guerra territorial é muito distante. Porém, como a maioria dos brasileiros, entendi a relevância internacional que os militares têm e os trabalhos desenvolvidos para manutenção da nossa soberania, principalmente perante a ONU (Organização das Nações Unidas).
A convite do CMO (Comando Militar do Oeste), embarquei para o Rio de Janeiro, na companhia das jornalistas da Rádio Hora Evelyn Mendonça e Beatriz Rieger, além do repórter fotográfico Henrique Arakaki, do Midiamax. Para conhecer melhor toda a estrutura de especializações oferecidas pelo CCOPAB (Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil), também conhecido como Centro Sérgio Vieira de Mello, que anualmente convida profissionais de comunicação para o Estágio de Preparação de Jornalistas e Assessores de Imprensa para atuar em Áreas de Conflito.
O estágio tem como objetivo a capacitação de jornalistas e assessores de imprensa a exercerem coberturas jornalísticas em áreas de conflito, com ênfase nos procedimentos de segurança pessoal e relacionamento com as forças militares e demais organizações atuantes nas áreas de operações. Com duração de uma semana, totalmente imersivo, são ministradas instruções relacionadas à comunicação e negociação, primeiros socorros, combate a incêndio, análise e mitigação de riscos, procedimentos em campos minados ou áreas suspeitas e, até, defesa química, biológica, radiológica e nuclear.
Essa é a parte técnica! Mas o mais importante é saber que todos esses especialistas, que dominam diferentes línguas, esse é apenas um braço de um acordo relacionado à participação do Brasil em Operações de Manutenção de Paz, que remonta a datas anteriores à criação da ONU. Mesmo não fazendo parte da Liga das Nações desde 1926, nosso país teve papel fundamental, na década de 30, na mediação no “Conflito de Letícia”, entre Colômbia e Peru.
O primeiro envio de tropas a um país estrangeiro teve início em 1956, com a participação na Força de Emergência das Nações Unidas, criada para evitar conflitos entre egípcios e israelenses e pôr fim à Crise de Suez.
Ao longo de sua história em missões, com o respaldo de organismos internacionais, o Brasil assumiu tarefas de coordenação e comando militar de importantes operações, como no Haiti e no Líbano, o que trouxe prestígio à política externa do País, aumentando a projeção brasileira no cenário mundial.
Segundo o Ministério da Defesa, enquanto a primeira trouxe a relevo nossa participação fundamental para a consecução da estabilidade política daquele país (Haiti), a segunda se destacou por possuir o Brasil, naquele momento, a liderança da única força naval atuando pela ONU no mundo. Ao todo, o Brasil já participou de 50 missões para as Nações Unidas, entre as de manutenção de paz e as políticas especiais, tendo contribuído com aproximadamente 60 mil militares e policiais militares para a paz mundial.
E é o CCOPAB, lá no Rio de Janeiro, que prepara todos os militares e civis, do mundo inteiro, para essas missões de paz, como explica o coronel Adenir, comandante do Centro. “Visamos formar militares, policiais e civis para ocupar posições em missões de paz e desminagem humanitária, onde nossos cursos são vocacionados pela Organização das Nações Unidas”, destaca o coronel.
Com aulas de especialistas da Força Aérea, infantaria, negociação e até policiais da PMRJ (Polícia Militar do Rio de Janeiro), nós começamos a entender mais profundamente como os cenários de violência se formam, principalmente nos conflitos de grande emprego armamentício. A escalada da violência pode começar por viés ideológico, partidário, fundamentalista e até por lucros – caso das facções criminosas que agem nas áreas urbanas.
“A atividade de integração é muito importante para a gente, para que os profissionais da comunicação e da informação entendam um pouco mais sobre o exército, sobre as nossas missões, e a partir daí, com esse conhecimento, eles possam produzir materiais com maior embasamento e com maior nível de informações possíveis”, defende o capitão André Lucas, que coordenou as atividades em 2024.
Entre os ensinamentos, foi possível entender que certos termos não podem ser usados no dia-a-dia jornalístico, como “guerra do tráfico” e que guerras instauradas possuem regras, muitas vezes descumpridas pelos líderes. Quem explicou todos esses conceitos foi o coronel Carlos Cinelli, especialista em Direito Militar e Direito Internacional Humanitário do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (Genebra), que também é professor universitário, tem livro publicado e 15 condecorações.
“Quando nós estamos falando de trabalho na faixa de fronteira, é importante caracterizar que o trabalho na faixa de fronteira também é uma situação de não guerra, ou seja, não existem ali parâmetros que justifiquem aspectos como censura ou como cassação de liberdade de imprensa, impedimento de jornalistas de fazerem o seu trabalho, salvo em algumas exceções quando há risco para a integridade física do jornalista. Os policiais e os militares das Forças Armadas são agentes do Estado e precisam prestar conta da sociedade das suas ações”, destaca.
Das mais de 30 pessoas que conheci nessa semana de estudos, a que mais me marcou foi o jornalista Fábio Pescarini, de 57 anos. Ele trabalha há sete anos no Grupo Folha, da Folha de S. Paulo, onde tem no seu currículo o “furo” da vinda da fábrica da Apple para o Brasil e a cobertura do furto de 21 armas do Exército de Barueri (SP). “É um aprendizado muito rico e tem uma diversidade de profissionais aqui dentro, uma variedade de sotaques, é uma delícia ouvir isso, histórias, gente indo atrás de fazer isso aqui uma grande reportagem, acho isso um barato de fazer”, compartilha o jornalista, que está em redação de jornal desde 1987.
No Mato Grosso do Sul, além das atuais operações no Pantanal, o Exército na Operação Ágata Fronteira Oeste II, uma parceria com a Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública). Em apenas seis meses de trabalho, o prejuízo financeiro aos criminosos ultrapassa a marca de R$ 375 milhões. Foram apreendidos veículos, vários carregamentos de entorpecentes, armamentos e contrabandos.
Jornalista de formação, ex-professora universitária de Comunicação e hoje assessora da Sejusp, a policial civil Joelma Belchior avalia a participação dos jornalistas em cursos como o de CCOPAB como essencial para o exercício da profissão.
“Toda essa vivência me deu uma bagagem muito grande para atuar na assessoria de imprensa da segurança pública e entender profundamente como tudo funciona. Até por isso eu sou defensora da polícia, porque só quem está na ponta da lança sabe o quão desafiador é esse trabalho. Mas também sou defensora do jornalista que também vive um cenário semelhante ao do policial, bem como do jornalismo ético, livre e pautado na verdade e graças a Deus temos jornalistas muito bons em Campo Grande e Mato Grosso do Sul, pessoas realmente admiráveis, muitos meus amigos, como são vocês do jornal O Estado”, termina.
Por Kamila Alcântara
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