Ferrovia é vista como estratégica para logística, economia e meio ambiente em MS
A reativação e modernização da Malha Oeste, ferrovia que corta Mato Grosso do Sul e liga Três Lagoas a Corumbá e Ponta Porã, voltou ao centro da pauta. Nesta sexta-feira (15), ocorreu audiência pública na Câmara Municipal de Campo Grande que reuniu lideranças políticas, representantes do governo federal, do Ministério dos Transportes, parlamentares estaduais e federais para discutir caminhos para a revitalização dos quase 2 mil quilômetros de trilhos hoje subutilizados.
O encontro foi considerado um desdobramento de discussões anteriores realizadas na Assembleia Legislativa e faz parte de uma mobilização nacional para pressionar a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e o governo federal a adotarem medidas concretas para reativar o modal.
O debate ganhou força após decisão recente do TCU (Tribunal de Contas da União), que rejeitou a repactuação da concessão da Malha Oeste com a Rumo Logística. A medida encerra um impasse de anos e abre espaço para novos modelos de operação, como uma nova licitação, concessão ou até mesmo consórcios privados formados por empresas interessadas.
O deputado federal Vander Loubet (PT-MS) destacou que a ferrovia é viável tanto economicamente quanto tecnicamente. “O mundo todo já superou a discussão sobre bitola larga ou estreita. Temos ferrovias no Brasil e na Europa com bitola estreita funcionando perfeitamente. Podemos trafegar a 60 ou 80 km/h e chegar ao Porto de Santos sem gargalos. A carga existe, o que falta é decisão política para recuperar o trecho”, afirmou.

Ministro João Carlos Parkinson diz que retomada vai impulsionar integração – Foto: Nilson Figueiredo
De acordo com o ministro de carreira diplomática do Ministério das Relações Exteriores do Brasil e coordenador nacional dos Corredores Rodoviários e Ferroviários Bioceânicos, João Carlos Parkinson de Castro, atualmente, boa parte do minério extraído em Corumbá e de outras cargas pesadas é transportada por caminhões. “Estima-se que cerca de 600 veículos cruzam diariamente as rodovias do Estado carregando minério, um volume que, além de aumentar o custo logístico, agrava o desgaste da malha viária, eleva a emissão de poluentes e amplia o risco de acidentes”.
O ministro afastou a possibilidade de a integração ferroviária Brasil–Bolívia ser deixada de lado, defendendo que ela é de interesse estratégico para o país. Ele lembrou que, entre 2006 e 2024, houve queda de 93% na movimentação de cargas na Malha Oeste, passando de 1,4 bilhão para apenas 101 milhões. “Antes, tínhamos uma grande variedade de produtos transportados, de minério de ferro a soja, grãos, combustíveis e outros, e hoje se limita apenas ao minério de ferro. Nesse período, houve depreciação sensível dos ativos e redução de 30% na velocidade média operacional. Ainda assim, é possível, com baixo investimento, conectar Campo Grande à Bolívia, Argentina e Chile, chegando a Antofagasta. Menos de 1% do comércio exterior brasileiro cruza fronteiras por trilhos, enquanto o rodoviário responde por cerca de 5% e o marítimo por mais de 80%”, afirmou.
Para o vereador Papy (PSDB), a retomada da ferrovia é uma das soluções mais completas para o escoamento da produção. “Ela garante celeridade, reduz custos e traz ganhos ambientais. É um investimento robusto, que envolve outros países e estados, mas se encontrarmos o caminho do financiamento privado, é a melhor solução que temos hoje”, disse.
O modelo poderá incluir investimentos cruzados com outros modais, como a extensão da Ferrovia de Integração Oeste-Leste ou a conexão ferroviária com a Bolívia para acesso ao Porto de Ilo, no Peru, rota mais curta e barata para o Pacífico.
Para o presidente da Câmara, o momento é de unir forças. “É preciso protagonismo político para que esse projeto saia do papel. A Malha Oeste pode transformar o Mato Grosso do Sul nos próximos 20 anos como nunca antes na nossa história”, afirmou.
Economia de tempo de exportação
Ele também ressaltou que, assim como aviões, caminhões e barcaças cruzam fronteiras, não há motivo para manter o transporte ferroviário internacional paralisado, prejudicando o Brasil e seus parceiros. Nesse contexto, comparou três alternativas para o escoamento de minério de ferro da mina de Urucum. Segundo ele, o transporte rodoviário, em um percurso de 1.824 km com 13 pedágios, apresenta custo elevado e tempo maior que a hidrovia.
Já o trajeto hidroviário, de 2.500 km até Nova Palmeira, tem custo de 35 a 40 dólares por tonelada, mas depende do câmbio e demanda mais tempo. Na ferrovia, com 2.213 km, o custo cairia para R$19 por tonelada e o tempo de viagem seria 70% menor que o da hidrovia. Portanto, a movimentação de carga pela ferrovia seria 59% mais barata do que a rodovia e 27% mais barata do que a hidrovia, configurando-se como a opção mais competitiva em custo e tempo.
Investimento na ferrovia
Para colocar o plano em ação, o coordenador nacional dos Corredores Rodoviários e Ferroviários Bioceânicos reforçou que não falta interesse privado para investir na Malha Oeste, desde que haja segurança jurídica e estabilidade regulatória. A concessão atual da Malha Oeste vence em 2026 e, segundo o Parkinson, o que virá a partir daí está em estudo pelo governo federal.
“O que determina o apetite do setor privado é a rentabilidade. E essa rentabilidade está mais do que evidente. Há carga interessada, há bitola compatível com países vizinhos e há possibilidade de integração com Bolívia, Paraguai e Argentina. Com regras claras, o capital, nacional e estrangeiro, vem”, declarou.
Segundo ele, estudos indicam que a reabilitação da ferrovia poderia custar entre R$ 3 bilhões e R$4 bilhões. “O governo federal não tem orçamento para bancar sozinho, mas há alternativas com bancos de fomento e investidores privados. É uma obra de alto retorno e de importância estratégica”, afirmou.
Integração regional e mercados internacionais
A Malha Oeste é vista como peça central na construção de uma nova logística nacional e regional. A reativação poderia integrar a Rota Bioceânica e a Hidrovia do Paraguai, cujo trecho brasileiro deve ser concedido em breve. A ideia é criar um sistema multimodal que permita o escoamento de cargas tanto para o Atlântico quanto para o Pacífico, facilitando o acesso a mercados asiáticos.

Ex-ministro José Dirceu lembrou que ferrovia é também um ativo histórico estratégico – Foto: Nilson Figueiredo
O ex-ministro José Dirceu lembrou que a ferrovia é também um ativo histórico e estratégico. “A antiga Noroeste do Brasil foi fundamental para o desenvolvimento do antigo Mato Grosso e do interior de São Paulo. Hoje, o mundo disputa mercados na Ásia, onde está 80% da população e metade da economia global. A integração física e logística com países vizinhos é vital para o futuro do Brasil”, destacou.
Por Inez Nazira
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