Artigo: O universo e a ciência de si

Foto: Arquivo
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São nos momentos mais descompromissados e libertos dos afazeres do nosso dia a dia que surgem os pensamentos mais profundos. De repente, sem que você se dê conta, tais pensamentos ocupam sua mente. De novo, ressurgem as velhas dúvidas: de onde vim? Para onde vou? Com que propósito? Faço alguma diferença ou algum sentido para o universo? Bem-vindo aos seus dilemas filosóficos existenciais.

Embora essas sejam suas questões, não se iluda: todos nós, ora mais, ora menos, nos deparamos com as mesmas dúvidas. Esse é um dos sintomas da racionalidade. Sim, somos seres racionais, por mais que, às vezes, isso nos pareça improvável…

Certa ocasião, ouvi de um astrofísico, num antigo programa de TV, alguns argumentos típicos de teorias científicas e que, para minha surpresa, se ligavam às respostas para essas questões. Ele dizia algo mais ou menos assim: até onde sabemos, tudo o que há no universo pode ser resumido em matéria e vazio. O vazio é o espaço em que pedaços de matéria se movem. A matéria é formada de partes pequenas e muito simples que se movem no espaço, podem se combinar e, com o tempo, criar elementos de complexidade cada vez maior. Assim, seja uma pedra, uma estrela ou uma capivara, tudo é feito da mesma matéria, em diferentes níveis de combinações e complexidades.

Existe, entretanto, um tipo de combinação da matéria que, ao longo de tantas combinações possíveis, conseguiu algo que parece ser raro: ela criou cópias de si mesma e passou essa informação a todas as cópias que vieram depois. Algumas cópias saíram imperfeitas e muitos erros ocorreram. Mas, longe de representarem problemas, tais erros acabaram por definir muitas formas diferentes de matéria que continuam copiando – ou tentando copiar – a si mesmas. Claro, estou me referindo à vida.

Esse tipo de matéria parece ser rara no universo e, até o presente momento, só provamos que ela existe aqui, justamente nesse ponto azul que flutua num vazio situado na periferia de algo muito, muito grande, que chamamos de Via Láctea. De um modo geral, a vida é senciente, ou seja, ela percebe o ambiente que a cerca por meio dos sentidos. Porém, se a vida é rara entre os tipos de matéria no universo, é ainda mais rara a vida que adquiriu ciência de sua existência, e da existência do universo que a cerca e a constitui. Dentre as inúmeras formas de vida senciente que existem nesse ponto azul, somente uma é consciente a esse ponto: o ser humano.

Logo, se somos matéria universal, eu e você somos o universo que, de algum modo, adquiriu consciência de si mesmo. Em última instância, nós somos o universo que conseguiu reconhecer a si mesmo, e permanece tentando entender qual é a sua origem e a sua finalidade. Se somos um meio pelo qual o próprio universo se reconhece, ou seja, se representamos uma consciência do universo, isso não lhe parece suficiente para que a existência de cada ser humano seja primordial ao próprio universo?

Não sei quanto a você, mas tais argumentos me inquietam. A vida humana é governada por interesses mesquinhos que, na maioria das vezes, desconsideram o real valor da humanidade, no seu sentido mais belo e essencial.

Ah! Sim, este é um texto filosófico, embora seja apenas um exemplo bem rústico e sucinto. Quanto à filosofia, esta sim é condição essencial para que o universo alcance a plenitude do autoconhecimento.

Por Onofre Crossi Filho, mestre em filosofia pela USJT. Doutorando do Programa de Pós-Graduação
em Ensino de Ciências, no Instituto de Física da UFMS. 

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