O Centro-Oeste não se resume apenas a soja e gado; sua indústria audiovisual também é diversificada e promissora. Um exemplo notável é o curta-metragem de terror “Ninguém Lhe Estenderá a Mão”, de Deivison Pedrê. Este trabalho conquistou o prêmio de Melhor Filme Sul -Mato-Grossense na 2ª edição do Bonito CineSur, um dos maiores festivais de cinema da América Latina.
O curta-metragem de terror/suspense apresenta a trama de Vitor, que se vê imerso em um ambiente sombrio e perturbador, onde mutilações inexplicáveis e bilhetes enigmáticos o desafiam. Embora o roteiro não trate diretamente de questões racialistas, a experiência individual dos criadores foi crucial para o aprimoramento dos detalhes criativos e técnicos, resultando em uma obra que reflete uma profunda imersão nas emoções e atmosferas desejadas.
Roteiro
O roteirista Paulo Taveira mergulhou no universo do horror ao adaptar a obra do escritor brasileiro Vitor Abdala, cuja genialidade, embora ainda pouco conhecida, impressiona. Ao receber a história de Abdala, Taveira se dedicou a criar um roteiro fiel ao espírito e à mensagem da narrativa original.
“Adaptar um texto literário para o cinema é um desafio considerável. Ferramentas e técnicas que funcionam na literatura nem sempre se traduzem bem para a tela”, explicou Taveira. “O principal objetivo do Roteiro 01 foi superar essa barreira. Algumas nuances necessárias para o cinema não estavam presentes na obra original, então precisei integrar minha experiência e conhecimentos prévios para adaptar a narrativa”, explicou Paulo para a reportagem.
O curta explorava temas como recursos e limites humanos e estava previsto para ser filmado no Mato Grosso do Sul. A narrativa original, no entanto, não se encaixava perfeitamente na região. Porém, a equipe conseguiu desenvolver aspectos que Abdala não trouxe a obra literária, para as telas, como a geografia local, os comportamentos e o ambiente dos personagens nos anos 2000.
Essa mudança exigiu uma nova série de questionamentos e ajustes, mas a equipe considerou que a decisão foi acertada para a estética do filme. Assim, a narrativa se aproximou mais do roteiro final, refletindo uma decisão estratégica que enriqueceu a produção.
“Durante a composição do filme, desenvolvemos nossa própria linguagem para retratar uma estética pouco usada no nosso mercado. Era algo que víamos lá fora, mas sendo executado no terceiro mundo. O resultado não era o mesmo que víamos lá fora, então, ao invés de usar nomes estrangeiros, usávamos nomes que faziam sentido aqui. Foi uma experiência surreal”, revelou Paulo.
A história aborda o isolamento social, um tema que, segundo Taveira, muitos sul-mato-grossenses enfrentam em algum momento de suas vidas. “A trama explora as consequências do isolamento e discute suas causas, simulando a atmosfera angustiante que Vitor cria em sua literatura”, explicou Taveira. A adaptação cinematográfica buscou refletir essas experiências e emoções, aproveitando o contexto atual para intensificar o impacto da narrativa.
“Para nós, é essencial produzir um cinema que seja verdadeiramente autoral, mesmo que isso signifique ‘desrespeitar’ certas regras impostas pela indústria local. Campo Grande, por exemplo, é uma cidade onde o tereré é a bebida mais consumida e o sobá o prato mais famoso. Queremos destacar essa diversidade única, uma tradição que remonta a mais de 4 mil anos de habitação humana na região”, afirmou o roteirista.
Produção
A produção do curta-metragem ofereceu a oportunidade de explorar uma estética visual mais ousada e distorcida, permitindo uma experimentação técnica significativa. Em geral, os curtas-metragens funcionam como um laboratório para testar equipes, técnicas e linguagens inovadoras.
O filme foi capturado com uma câmera moderna equipada com um sensor 6K, o que, embora ofereça alta resolução, trouxe uma nitidez e limpeza que não se alinhavam com a estética desejada. Para mitigar esse efeito, foram utilizadas lentes mecânicas dos anos 80, originalmente projetadas para câmeras fotográficas de filme.
Além disso, duas das lentes angulares foram modificadas manualmente, com alterações na ordem das peças internas, para introduzir uma distorção radial na imagem. Essas abordagens experimentais foram fundamentais para alcançar o visual distintivo do curta.
Para o Jornal O Estado, Deivison Pedrê, diretor do curta-metragem, explicou que o enredo original foi bastante modificado, como; os personagens, situações e locais sendo todos desenvolvidos por ele.
“Foi o roteiro do Paulo que me convenceu a entrar no projeto. Minha contribuição foi mais voltada para sugestões e ajustes, trabalhando em conjunto com ele para encontrar soluções criativas. O maior desafio foi desenvolver uma abordagem de suspense/terror que evitasse os clichês. Um dos maiores sucessos da equipe foi a atuação de Xavier Rodrigues, que se destacou pela profundidade e intensidade” explicou Deivison.
Durante a execução, alguns “erros” técnicos, como cores não complementares e quebras de eixo, foram incorporados intencionalmente. A direção de cena, uma função com a qual o Deivison já havia flertado em produções de clipes e publicidade, marcou seu primeiro trabalho em ficção. Apesar disso, ele já possuía experiência com decupagem de roteiro e análise de referências.
“A estrutura adotada para o roteiro deliberadamente se afastou das convenções comerciais tradicionais que têm prevalecido por décadas. O projeto foi desenvolvido visando surpreender um novo público, que busca experiências inovadoras e se desinteressa pelo óbvio”, destacou o diretor.
O filme presta uma homenagem ao cinema autenticamente independente, visando inspirar novos criadores a trilhar um caminho semelhante. A produção construiu um universo narrativo rico em interpretações, o que tem gerado uma gama de reações do público, algumas das quais foram inesperadas.
“A meta para 2025–2026 é participar dos principais festivais internacionais. Estamos nos esforçando para entender como equilibrar esses aspectos. Temos algumas ideias e roteiros em desenvolvimento, mas esses detalhes ainda são um segredo de estado por enquanto”, finalizou Paulo.
Serviço
O curta-metragem “Ninguém Lhe Estenderá a Mão” será exibido em Campo Grande no dia 1º de setembro, na Capivas Cervejaria, localizada na Rua Pedro Celestino, 1079. A apresentação faz parte da sessão de abertura interativa da nova edição do Cineclube da A Boca Filmes, que também incluirá a exibição de quatro outros filmes regionais.
Agenda de Exibição
– 01/09/2024 – A Boca Filmes – Campo Grande – MS, Brasil
– 07/09/2024 – CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) – Brasília – DF, Brasil
– 28/08/2024 – Give Me Voice – Miami, Flórida, EUA
Por Amanda Ferreira
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