Há uma semana a cena underground da Capital perdeu um dos seus maiores expoentes e eu perdi um grande amigo. Vagner Farias Gonçalves, o popular “Vaguinho”, partiu precocemente aos 47 anos após ficar quase um mês internado por complicações causadas pelo coronavírus. Músico, agitador cultural e produtor de eventos, ultimamente Vaguinho trabalhava como professor no Senai e havia sido aprovado no Curso de Engenharia de Alimentos na UFMS.
Quando conheci o Vagner ele morava perto da minha casa e em virtude das afinidades musicais nos tornamos bons amigos. Na década de 1990, Vaguinho criou o “Na Lata Zine”. Aliás, nos anos 90, os fanzines eram bem populares por aqui (o termo “fanzine” se tornou genérico para toda produção independente, seja de música, ficção científica e quadrinhos; produzidos de forma artesanal, fizeram parte da geração mimeógrafo). Vaguinho custeava o fanzine dele, onde fazia resenhas de shows e de demo tapes (fitas que as bandas gravavam para divulgar seus trabalhos de maneira independente), e aqui em Campo Grande circulava pelos bares de rock e também nas lojas especializadas no estilo, como foi o caso da Rock Show, onde Vaguinho trabalhou por muitos anos.
Com o tempo, o material ganhou apoio de colaboradores, e um deles é João Bosco, o lendário baterista do Alta Tensão e do Bando do Velho Jack. Uma verdadeira enciclopédia do rock, que contava as histórias do rolê todo e que eram publicadas por Vaguinho, e eram distribuídas gratuitamente. O “Na Lata Zine” era escrito em folha de sulfite e quem diagramava o material era o Cebola (das bandas Joaquim Seabra Orchestra, Impossíveis e Astronauta Elvis). Aí eram feitas cópias. A tiragem era de 100, 200 fanzines. Tudo era divulgado na loja e em bares. Circulava por si só, pois caiu no gosto da galera. O movimento cresceu tanto que rolaram mais eventos. Em 2001 foi feita uma mostra no antigo Stones Blues Bar.
A publicação desses fanzines durou até 2005, pois a internet já havia caído no gosto das pessoas, e o custo do fanzine impresso se tornava inviável para, por exemplo, aumentar a tiragem. O trabalho de Vaguinho acabou tornando-se referência para outras pessoas, como foi o caso do CGZINE, do Enrique Gonçalves, vocalista da banda DxDxO, voltado ao hardcore e a sons mais extremos, assim como o Marco Aurélio dos Santos, o “Kão”, multi-instrumentista criador da banda punk HIV Bons tempos.
Durante os mais de 20 anos que passei tocando contrabaixo com os Bêbados Habilidosos, Vaguinho foi de suma importância para a banda. Sem ele não teríamos lançado os dois primeiros álbuns “Envelhecido 12 anos” e “Embriagados ao Vivo”. O guitarrista Fabio Brum, que tocou no Bêbados Habilidosos até o lançamento do segundo álbum, lembrou bem dessa parceria com Vaguinho em um depoimento emocionante no Facebook. “No fim dos 90, Vaguinho chega pra mim e fala: ‘Vamos lançar um CD dos Bêbados Habilidosos’.
Respondi: ‘Claro, mas com que grana?’ Ele, simples: ‘Você chama as bandas pra tocar com vocês, eu divulgo, ninguém ganha nada e a grana vai toda pra gravar’. Topamos e graças a esse cara temos os dois primeiros registros da banda. Não existiriam sem ele. Grande cara. Grande agitador cultural. Obrigado, irmão. Que encontre paz do outro lado. E obrigado, também, pelos shows que você armava pra eu poder voltar e visitar Campo Grande por anos.”
Vaguinho foi de tudo nos Bêbados Habilidosos. De contato para shows até roadie (técnico de apoio), sem contar que ainda fazia as camisetas da banda e vendia durante os shows nos bares. Isso também ajudou a custear despesas. Ele foi mais uma das milhares de pessoas vítimas do coronavírus. Internado por aproximadamente três semanas não resistiu e, no dia 20 de maio, deixou a esposa Ana Karine Ursulino Soares, pai, mãe, irmãos e tantos amigos feitos ao longo de uma vida dedicada ao underground de Campo Grande. É, meu amigo… A gente segue aqui, sentindo muito a sua falta.
(Texto: Marcelo Rezende)