Já pensou na possibilidade de você precisar de uma doação de medula óssea, encontrar um doador compatível, coisa que acontece entre 1 em 100.000 e de quebra ganhar um irmão para toda vida? Foi o que aconteceu com o sul-mato-grossense conhecido como Professor Carlão, de 59 anos, que recebeu a medula do paranaense de Rio Azul ,Luiz Eduardo Pereira, o Dudu, de 29 anos.
Mas muito além de apenas manter contato pelas redes sociais após a doação, Carlão e Dudu alcançaram um novo nível. Os protagonistas dessa história criaram a iniciativa chamada “Desafio Sangue Bom”, onde a dupla realiza uma espécie de maratona, seja correndo ou pedalando, entre locais que foram marcantes nas suas caminhadas, tendo como objetivo, conscientizar sobre a importância da doação de sangue e medula óssea.
E por incrível que pareça, nesta quarta-feira (31), pra ser mais exata, hoje, está acontecendo mais uma edição da iniciativa. Intitulada como “Desafio 200 Sangue Bom”, os irmãos irão percorrer 200 km pedalando entre as cidades de Rio Azul, Paraná, onde o Dudu mora, até a capital do Estado, Curitiba. O desafio começa no dia 31 de agosto, hoje, e termina dia 01 de setembro, quando a dupla irá participar da Abertura dos Jogos Brasileiros dos Transplantados na Praça Oswaldo Cruz, no centro de Curitiba.
Após chegarem no evento, ambos irão marcar presença nos Jogos Brasileiros dos Transplantados (JBTX), organizado pela Associação Brasileira dos Transplantados (ABTX) em parceria com a Prefeitura de Curitiba, onde a dupla vai competir na corrida de 5km. Além disso, Carlão vai representar Campo Grande e Mato Grosso do Sul nas modalidades de atletismo e ciclismo.
E obviamente que nós do O Estado Online, fizemos alguma perguntas para o Carlão, antes dele partir para essa nova jornada.
Os doador e o receptor tiveram suas vidas conectadas em novembro de 2016, quando o professor, que havia sido diagnosticado com uma doença sanguínea, passou pelo transplante de medula, doada por Luiz Eduardo, e desde então, os irmãos de sangue, como eles costumam se chamar, criaram um vínculo especial. Eles se conheceram pessoalmente em novembro de 2019, na 1ª Edição dos Jogos Brasileiros dos Transplantados, realizada em Curitiba, Paraná.
“Na primeira edição eu tive a oportunidade de conhecer pessoalmente, ao vivo, o meu doador. Porque ele nasceu em Curitiba e reside numa cidade próxima, a duzentos quilômetros de Curitiba, chamada Rio Azul. Aí nós programamos pra nos conhecermos ao vivo na cerimônia de abertura. Fizemos até uma surpresa pra ele, eu fiquei escondido na hora que ele chegou com a família e na hora da apresentação eu entrei por trás da cerimônia, foi muito lindo. E desde então, assim como se fala hoje em dia, deu match”, brinca Carlão.
Mas qual foi a caminhada até a doação ser feita?
Antes desse encontro, teve um processo para o Luiz Eduardo conseguir realizar a doação, que o Professor contou para gente.
Quando indagado sobre o passo inicial que uma pessoa tem que tomar para virar doador, Carlão explica que “o primeiro procedimento que você faz é o cadastro. O cadastro pode ser feito por pessoas que tem entre 18 e 35 anos. Então esse é o período que você vai permanecer dentro desse cadastro controlado pelo REDOME (Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea). Quem controla é o Instituto Nacional do Câncer, o INCA, no Rio de Janeiro. Esse registro começou a ser feito e complementado a partir de 2002, é recente. Temos lá hoje em torno de 4.500.000, 4.700.000 doadores cadastrados, somos o 5° registro do mundo de doadores, mas ele ainda é muito pequeno”.
Carlão ainda acrescenta que quanto maior os números de doadores, maior a possibilidade de um doador compatível ser encontrado. “É proporcional, quanto maior o número de doadores, maior a possibilidade de se encontrar um doador compatível. Nessas condições, nesse número, a possibilidade de se encontrar um doador compatível é 1 em 100.000 no Brasil. E como nosso registro é vinculado ao registro mundial, a possibilidade de se encontrar no mundo é 1 em 1.000.000. Então, literalmente eu nasci de novo”, afirma.
Mas em relação a compatibilidade exigida para realizar a doação entre as duas pessoas, o maratonista revela que atualmente já não é mais necessária a compatibilidade ser de 100%. “O transplante está evoluindo até o momento em que, por exemplo, antes a compatibilidade tinha que ser 100%. Hoje não precisa mais, [a compatibilidade] pode chegar a 70/80%, que tem casos que dá certo. Chama-se transplante haploidêntico”.
Carlão também explica que é possível realizar o cadastro através do Hemosul, indo até o local com ” um documento oficial com foto, como se fosse para doar sangue. Você estica o braço e vai ser retirada uma amostrinha como se fosse pra um exame de sangue, uns 5mL. Dessa amostra é feito um exame, que fica circulando e pronto, o cadastro é feito. Caso você tenha a felicidade de ser chamado pra doar, existem duas formas, tem a punção óssea e tem a aférese”.
E é nessa parte que começa a surgir o grande mito da doação da medula óssea, segundo Carlão, na qual “as pessoas associam medula óssea com medula espinhal. Medula espinhal é o sistema nervoso, está na nossa coluna vertebral. Medula óssea todo osso tem, é o que você chama popularmente de tutano”, explica o atleta.
Para a retirada da medula óssea através da punção, o tutano é geralmente extraído da bacia. Então, o doador é deitado na maca, recebendo todo o apoio necessário para o procedimento, além de uma pequena dose de anestesia e uma agulhada para retirar a quantidade necessária de material da bacia, sem precisar fazer algum tipo de corte, tanto que no final do procedimento, a pessoa ficando apenas com uma sensação que tomou alguma vacina. Carlão também explica que após ser realizada a coleta por punção, o doador já está liberado para doar novamente em 14 dias.
Já na forma de aférese, o procedimento é menos invasivo, mas demora um pouco mais, já que “você vai por uns três, quatro dias tomar uma injeção no braço e aí no quarto e quinto dia, você volta e senta como se fosse doar sangue. Estende o braço e é feita uma punção venosa, o sangue sai do seu braço e passa em uma máquina, que é a máquina de aférese”.
O atleta esclarece que o processo é feito dessa forma pois “as injeções que você toma dias antes, faz com que as células tronco que estão aqui dentro [osso], migrem pro sangue enquanto você está ali fazendo a doação do sangue”.
Mas, para o receptor da doação, o processo ainda continua sendo invasivo, já que para receber a nova medula, é preciso “destruir” toda a antiga medula. Essa preparação é feita com sessões de quimioterapia e radioterapia.
Desafio Sangue Bom
O Desafio 200 Sangue Bom é uma ação do Instituto Sangue Bom, entidade fundada pelo Prof. Carlão, que de acordo com ele, já realizou 1.700 ações solidárias em seus quase seis anos de história. Apenas em 2022 já foram mais de 300.
“Com o instituto que eu faço, esse ano eu já realizei 314 ações até esse ano. O instituto não tem sede física, nem funcionários ou conta bancária, não aceito doações em dinheiro, todas as ações que nós fazemos são com parceiros, que nós levantamos a bandeira e acompanhamos juntos e quando fazemos as campanhas de doações dirigimos ao Hemosul, que é o nosso órgão público responsável pela coleta”.
Porém, Carlão revela que o ponto que o deixa bastante preocupado é sobre a voluntariedade, que diminui mais a cada dia, mesmo realizando parcerias que mobilizam colaboradores. Ele também acrescenta que o grande desafio é transformar as iniciativas realizadas virtualmente em realidade. “O grande desafio da gente é transformar o virtual em real. A gente fala ‘doe sangue’, a pessoa curte e compartilha, mas o que salva a vida não é a curtida nem o compartilhamento, mas sim estender o braço”.
Ao fim da entrevista, o atleta revela que a grande ferramenta que ajuda nessa batalha que ele trava, além da solidariedade e empatia é o esporte. Ele também comenta de forma bem animada que está pronto para esse novo desafio.
“A nossa grande luta é o que nos move e o esporte é a grande ferramenta pra isso. Percorrer duzentos quilômetros, vai ser fantástico. Estamos nos preparando pra isso. Estou trazendo ele [Luiz Eduardo] pro esporte, ele já perdeu em torno de 16 quilos. E como aquilo que nos move é muito maior, 200km para nós não é nada. Vamos fazer com alegria, celebrando a vida”, finaliza Carlão.
Mais desafios dos Irmãos de Sangue
A primeira iniciativa esportiva dos Irmãos de Sangue aconteceu em 2021, quando Carlão realizou o Desafio 800 Sangue Bom: um Duatlo (corrida e pedalada) de Campo Grande/ MS até o Hospital Amaral Carvalho em Jaú/SP (onde ele foi diagnosticado com a doença sanguínea e realizou o transplante). Neste desafio, os últimos 5km foram percorridos pelos irmãos de Sangue e pela namorada do professor Carlão, a Tatiana. Ainda em 2021, Carlão e Dudu participaram da 96° edição da corrida de São Silvestre (15 km). Em 2002, no dia 10 de Julho, a dupla fez a primeira meia maratona (21 km) juntos, na Maratona de Campo Grande.
Você pode acompanhar o Professor Carlão e as suas iniciativas em prol da doação de medula óssea e sangue pelo Instagram @professorcarlaoms.
Serviço
Se a iniciativa deu certo e chamou a sua atenção para a doação de medula e sangue, é possível se inteirar mais sobre assunto pelo Hemosul, que está localizado na Avenida Fernando Correa da Costa, n° 1304 no Centro de Campo Grande ou pelos telefones (67) 3312-1516, (67) 3312-1529 e (67) 99298-6316. Mais informações podem ser obtidas no site www.hemosul.ms.gov.br.
Também é possível acessar mais dados e explicações sobre a doação de medula óssea pelo site do REDOME (Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea).
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