Todos devem estar atentos a sinais de mudanças no comportamento ou humor,
que podem ser indícios de situações de violência
Um caso bárbaro, ocorrido na década de 1970, motivou a criação do 18 de maio como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, uma data importante, criada em 2000, para a mobilização social em torno de um tema sensível e urgente. Naquela fatídica data, em 1973, uma menina de 8 anos foi sequestrada, violentada e morta por jovens de classe média em Vitória, no Espírito Santo, crime que permanece impune.
Em 2022, uma nova lei federal ampliou a simbologia da data, instituindo o “Maio Laranja”, que, durante todo o mês, realizará ações efetivas de conscientização e combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes.
Os dados mais recentes no país são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado no ano passado, baseado em informações fornecidas por órgãos de segurança pública de todo o território nacional, segundo o qual foram registrados, em média, 130 casos por dia deste crime, durante o ano de 2021.
A mestre em Psicologia Social e especialista em Psicologia Jurídica, Izabela Saraiva, destaca que cada cidadão precisa refletir sobre sua responsabilidade na luta contra as violências e os abusos, em especial quando as vítimas são crianças e adolescentes.
Professora do curso de Psicologia da Estácio e psicóloga do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), Izabela explica que, na maioria dos casos, as violências sexuais acontecem dentro do ambiente familiar ou doméstico da população infantojuvenil. Ou seja, muitas vezes, a violência e o abuso estão atrelados às relações afetivas e pessoais dessas crianças e adolescentes, nos espaços que deveriam ser locais de segurança e cuidado.
“É dever de todos nós a proteção e a promoção de saúde de crianças e adolescentes. Todos devem estar atentos aos sinais de mudanças no comportamento ou humor, que podem ser indícios de situações de violência. Ao mesmo tempo, cotidianamente, devemos combater discursos que produzam a sexualização da infância e da adolescência, nos responsabilizando para não dispersar ou reproduzir falas e ações que coloquem esse público como objeto de intervenção, pois crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e devem ter as necessidades de cada fase do desenvolvimento respeitada, integralmente”, adverte a profissional.
Após a identificação da violência, é essencial a denúncia e a busca pelo acolhimento da criança e do adolescente vítima. A professora da Estácio observa que, do ponto de vista psicológico, o acolhimento profissional é relevante, uma vez que possibilita a reflexão da vítima, a fim de evitar traumas ou minimizar danos consequentes da violência sofrida.
“Abusos ou explorações sexuais podem gerar um sujeito permeado pelo medo, pela vergonha, pela ansiedade ou que apresentará, mais tarde, quadros de depressão ou dificuldades em suas relações sociais, sendo impossível mapearmos os desdobramentos da violência se não houver algum tipo de ajuda psicológica para essas vítimas. O combate à violência, ao abuso e à exploração sexual depende de todos nós, bem como o respeito e o acolhimento às nossas crianças e adolescentes”, aponta Izabela.
Estupro Virtual
Regiane Gonçalves alerta para um crime recém-inserido no ordenamento jurídico brasileiro, o estupro virtual. A prática consiste em um agente constranger, por meio de uma coação moral, a vítima a praticar um ato libidinoso, como envio de fotos e vídeos de conteúdo íntimo, isso porque, desde de 2019, o Código Penal passou por alterações e o art. 213 ampliou o conceito de estupro, que passou a ser definido como: “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.
“Portanto, pode-se entender ‘ato libidinoso’ como todo ato destinado a satisfazer a lascívia e o apetite sexual de alguém. A pena prevista para esses casos é de seis a dez anos, podendo passar de oito a 15 anos, quando a vítima for menor de idade, uma vez que há a prática de estupro de vulnerável, ou de oito a 12 anos de prisão, quando se tratar de adolescente com idade entre 14 e 18 anos”, finaliza.
Abuso e exploração sexual on-line
No último ano, a organização não governamental Safernet recebeu 111.929 denúncias de abuso e exploração sexual na internet, infrações presentes em 22.812 páginas (URLs) distintas do Brasil, hospedadas em 4.536 domínios, que se juntam a outras violações sofridas pelos internautas brasileiros, como ciberbullying, ciberstalking, problemas com dados pessoais e saúde mental/bem-estar.
Para a docente do curso de Direito da Estácio, Regiane Gonçalves, o Estado, entidades e escolas têm papel indispensável no combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes no ambiente virtual, mas os pais são agentes ativos e devem orientá-los sobre responsabilidades e perigos do mundo on-line antes do primeiro contato com smartphones e outras telas.
“O diálogo parental é o primeiro passo. Faça uma abordagem ampla, inclusive sobre jogos que exigem pagamento, instrua seu filho a procurá-lo sempre que for contatado por algum desconhecido, deixe claro que a internet é um espaço público, que exige os mesmos cuidados de quando se está em uma rua ou na praça da sua cidade”, orienta.
A advogada recomenda os pais a avaliarem a maturidade do filho para lidar com todos os acessos e exposição que as telas propiciam. “Em seguida, é necessário limitar seu uso para que outras atividades, como estudos e exercícios físicos, não sejam suprimidas pelos eletrônicos. Não menos importante, monitore os acessos, sites e conteúdos consumidos”, descreve.
Mesmo cercados de cuidados e atenção dos pais, crianças e adolescentes estão sujeitos a sofrer abusos nas relações virtuais, por isso, atenção aos indícios, como explica Regiane Gonçalves. “O comportamento é o primeiro sinal de que o filho está passando por alguma situação de perigo, na internet. Medos repentinos, ansiedade, agressividade e culpa, seguidos de marcas de autoflagelação, queimaduras, perda ou ganho de peso de forma repentina”, informa.
A primeira e mais importante medida é denunciar o fato às autoridades competentes, em um dos canais oficiais, como o Conselho Tutelar ou o Disque 100.
“O Disque 100 é um número do governo federal que recebe denúncias de forma rápida e anônima e atende 24 horas por dia. É possível, ainda, utilizar o 190 e a delegacia de crimes cibernéticos para noticiar o ilícito, bem como ali receber toda a rede de amparo que é oferecida às vítimas de abuso”, esclarece a docente da Estácio.
Por Bruna Marques – Jornal O Estado do MS.
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