Falta de fármacos também foi apontada pela secretaria
estadual de Saúde como ‘herança maldita da pandemia’
A Sesau (Secretaria Municipal de Saúde Pública) teve 65 licitações para compra de medicamentos e insumos que deram desertas por conta da pandemia da COVID-19, ou seja, nenhuma empresa se mostrou interessada em realizar a venda dos medicamentos. Segundo a pasta, alguns desses certames foram abertos no ano passado, mas os trâmites passaram para este ano. “Em tese seriam adquiridos para 2022”, dizia trecho da nota.
Na lista dos processos fracassados estão os seguintes medicamentos e insumos: broncodilatadores, anti-inflamatórios, fármaco para esquizofrenia, vitaminas, insulina e até preservativos. De acordo com o titular da pasta, José Mauro Filho, dois motivos têm influenciado no fracasso dos certames: falta de matérias-primas que são importadas e o preço dos medicamentos.
“Quando você começa um processo de licitação, começa pelo preço base daquele medicamento, mas quando chega a fase de entrega, de três a quatro meses depois, é outro valor completamente diferente do valor licitado. Como na construção civil, uma obra que começou lá em 2014 teve o recurso de R$ 1,6 milhão, hoje, essa obra você vai gastar no mínimo R$ 4 milhões”, explicou.
Outro ponto levantado pelo secretário em relação à falta de medicamentos é de que em muitos casos a produção nacional não tem um volume suficiente para atender a demanda. De acordo com a Abiquifi (Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos), o Brasil produz atualmente apenas 5% dos ingredientes necessários para a produção de medicamentos, incluindo as vacinas contra a COVID-19.
“Nós não temos uma produção que supra a demanda interna para que estados e municípios consigam comprar. Com isso, o governo federal tem de fazer a importação desse produto, como foi feito na pandemia em relação às máscaras e luvas, que faltaram no mercado interno e tivemos de importar”, esclareceu.
José Mauro reiterou ainda que não faltam somente medicamentos de alto custo, mas também medicamentos básicos, como dipirona injetável, amoxicilina com clavulanato [um dos fármacos que estão na lista domunicípio das licitações que fracassaram] e azitromicina. “São medicamentos que aumentaram muito o consumo e o mercado interno não supre.”
Segundo o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, 23 conselhos estaduais relataram no fim de fevereiro dificuldade de compra de medicamentos injetáveis, entre eles a dipirona. Inclusive o laboratório Teuto, que detém mais de 50% do comércio de dipirona injetável no Brasil, comunicou em fevereiro que suspendeu a fabricação do medicamento por tempo indeterminado.
O secretário municipal alertou ainda para a importância dos decretos da pandemia para solução desse problema da falta de medicamentos. Isso porque, com os decretos, os municípios podem realizar compras emergenciais, ou seja, sem a necessidade de realizar o processo licitatório. Vale relembrar que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, assinou no fim do mês passado a portaria que estabeleceu o fim da Espin (Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional) instaurada em fevereiro de 2020 pela COVID-19. A portaria foi publicada no dia 22 de abril, masentrará em vigor após 30 dias, ou seja, no dia 22 de maio.
“É um decreto que eu utilizo pra poder fazer esse tipo de manobra dessa situação. Então tudo isso eu tenho de montar um quebra-cabeça diariamente pra resolver, mas esse é o meu trabalho. Mas o fim da Espin pode atrapalhar”, finalizou.
Entretanto, esse problema da falta de medicamentos não é algo exclusivo de Campo Grande. A pasta informou que é algo mundial. Inclusive, conforme o Cosems-MS (Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Mato Grosso do Sul), 94% dos municípios de Mato Grosso do Sul estão com falta de medicamentos essenciais.
Licitações do Governo do Estado também deram desertas, segundo o secretário estadual de Saúde, Flávio Britto. “Essa é uma das heranças malditas da pandemia da COVID-19; muitas licitações fracassaram por falta de insumo para produção desses medicamentos em todo o mundo”, disse.
O jornal O Estado vem questionando a SES (Secretaria de Estado de Saúde) desde o dia 3 de maio sobre o quantitativo de licitações que fracassaram, mas não obteve respostas.
Conselho Regional de Farmácia alerta para
riscos de consumo e compra exagerados
Para o jornal O Estado, Flávio Shinzato, presidente do CRF-MS (Conselho Regional de Farmácia de Mato Grosso do Sul), cita fatores como a falta de matéria-prima generalizada em vários segmentos, a guerra na Ucrânia e o aumento nos preços dos medicamentos.
“A guerra na Europa também vem influenciando isso porque são países que são grandes produtores de matéria-prima farmacêutica, comprometendo o envio para o nosso país. Além desses agravantes, tudo tem um custo elevado, que aumentou bastante na produção, que vai estar refletindo no usuário. Também há o efeito cascata, em que o usuário é acometido por consumo de medicamento de maneiracorriqueira por meio da receita, e este não acha”, pondera.
Com isso, Flávio Shinzato pontua que o momento é importante para evitar o consumo e a compra excessivos de medicamentos.
“O que se pede agora é toda parcimônia no consumo exagerado de medicamentos. Quando achar, comprar estritamente o necessário. Assim, precisamos de conscientização no uso correto desses medicamentos. O conselho está bem atento a essa questão desse fato, sazonal, dessa falta generalizada. Temos comunicado aos profissionais farmacêuticos para que fiquem atentos a forma de sua assistência farmacêutica. Orientar bem o cliente quanto à substituição do medicamento”, finalizou.
Texto: Rafaela Alves – Jornal O Estado
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