Em busca da regularização de favelas, moradores de diferentes comunidades de Campo Grande lotaram a Câmara Municipal, durante Audiência Pública, na manhã desta sexta-feira, dia 14. O debate foi proposto pelo vereador Landmark. Também foram anunciados R$ 47 milhões em recursos do PAC – Periferia Viva – Urbanização de Favelas, por meio de projeto habilitado pelo Governo Estadual, além de recursos da bancada federal. Mudanças legais para acelerar a regularização das áreas também foram discutidas.
A Audiência iniciou com depoimento de moradores de diferentes favelas, que relataram suas dificuldades e o drama de viver diante de incertezas e da falta de estrutura básica. Apelos de socorro, de visibilidade e de moradia digna marcam as falas das lideranças comunitárias. O pedido “Regularização Já” foi defendido, repetido e deu o tom principal ao debate. Com os últimos temporais, a situação de precariedade dos barracos agravou-se.
Letícia Polidorio, presidente da Associação de Mulheres das Favelas de Mato Grosso do Sul, destacou que a Audiência é importante para dar essa visibilidade às demandas das comunidades. “É sempre um desafio morar nessas comunidades, nessas favelas. Elas necessitam de escolas, de postos de saúde, que eles não têm acesso, e também de uma moradia digna. Quando a gente fala de moradia digna, a gente não está falando só de casa. A gente está falando de uma regularização de todos os serviços públicos para essas pessoas”, afirmou. Ela acrescentou que a Audiência é emblemática e muito importante para as comunidades. “A mobilização foi feita muito bem preparada para receber esse pessoal aqui hoje com dignidade na Casa do Povo”.
Parte da produção de hortaliças da Comunidade Agro Campão Orgânico foi distribuída aos moradores de comunidades presentes na Audiência. Emilia aparecida diniz, líder da comunidade, agradeceu a abertura da Câmara para os moradores das favelas, destacando que esse é o “grito de desespero” dos moradores. “Ali era um depósito de lixo, onde achavam que não se produziria nada. Do lixo, conseguimos produzir e muitas famílias tiram seu sustento, vendem galinhas, ovos, hortaliças. Muitas mães solo dependem da terra para trabalhar e cuidar dos filhos. Ela produz na terra e está em casa cuidando do filho. Nossa maior luta é manter essas mães. Temos idosos, cadeirantes, acamados e crianças autistas. Nossa luta é pela regularização da Agrovila”, disse.
Renata Amarilha Gimezes, líder da Cidade dos Anjos, relatou o desespero em ter crianças doentes, sem remédios, além de outros dramas na comunidade. “Quando chove, é árvore que cai, barraco que alaga e não é uma simples lona que vai tapar o sofrimento dos nossos moradores. Olhem por nós! Estou pedindo hoje socorro por essas famílias que moram na Cidade dos Anjos”, disse a representante de aproximadamente 150 famílias. “Moramos em cima de lixão, onde sofremos com medo todos os dias. Temos família que mora ali e saí para trabalhar com incerteza se vai encontrar seu barraco no lugar quando voltar”, desabafou.
Da Comunidade Nova Esperança José Teruel, Daniele da Silva, também desabafou sobre as dificuldades. Ela representou na Câmara 55 famílias, com idosos, crianças e pessoas com deficiência. “Quero lembrar algo que é simples: o direito de moradia digna e segura, que protege as nossas famílias. Quando chega vento forte, chuva, tudo fica difícil e ameaçado”, disse Daniele, que lembrou o drama enfrentado nesta semana quando 15 barracos foram destelhados. “Muitas mães saíram correndo com os filhos sem ter para onde ir”.
Da Comunidade Esperança do Noroeste, Claudineia da Costa, também falou do drama das chuvas. “Agradeço a oportunidade dessa Audiência para mostrar nossa situação. Estamos aqui para gritar que queremos moradia para viver com nossos filhos”.
Da Favela da Homex, Alexandra de Lima, lembrou que a comunidade, considerada a maior do Estado, está em fase de regularização, mas ainda há uma série de desafios. “Só temos o título provisório, não temos moradia digna”, disse, lembrando que muitas casas estão em situação precária. “Papel não segura telhado, nem vento”, disse, lembrando a necessidade de poder acessar créditos de habitação, por exemplo.
Debate
Hoje Campo Grande conta com 62 favelas. “Nesta Audiência, nós estamos dando visibilidade para as comunidades, para as favelas que existem aqui em Campo Grande, tirando eles da invisibilidade e chamando a responsabilidade do Poder Público Municipal, do Poder Público Estadual e também da União”, afirmou o vereador Landmark. A estimativa é que cerca de 20 mil famílias vivem hoje em áreas irregulares em Campo Grande. “Em 2011 nós deixamos de ter favelas aqui em Campo Grande. E hoje nós encontramos uma Campo Grande com mais de 62 comunidades ou favelas”, afirmou. Ele defende uma força-tarefa para a questão da habitação, além de criticar a ausência de recursos para habitação previstos no Orçamento Municipal.
“Aqui é a Casa do Povo. Nós temos proposto desde o começo do ano que os debates importantes para a população de Campo Grande têm que acontecer na Casa do Povo, na sede do debate, que é a Câmara Municipal”, afirmou o vereador Epaminondas Neto, o Papy, presidente da Casa de Leis, que secretariou a Audiência. Ele afirmou que Campo Grande entra em uma direção muito ruim na falta de assistência às pessoas em relação à política pública habitacional. “A verdadeira política pública nasce do debate com as pessoas, de escutar as pessoas”, salientou.
“Hoje aqui fazemos uma provocação para que o Município olhe para essa pauta que é real. A regularização das favelas é uma forma de você trazer cidadania. Já que está feito, já que está lá, já está organizado, tem consolidado um bairro, você precisa agora estruturá-lo. Então, já falhou lá atrás, não tem como remover. Você precisa regularizar, essa é a proposta hoje aqui, é o debate, encontrar um caminho para a solução desses movimentos”, afirmou o presidente Papy. Ele propôs a criação de soluções legais para regularização dessas áreas, conectando políticas públicas, de forma transversal, ressaltando ainda a urgência dessas medidas. A ideia é ter um rito acelerado na destinação das áreas para políticas sociais. “Nossa parte enquanto Câmara é criar esse instrumento legal”, disse.
O deputado federal Vander Loubet anunciou a seleção do Governo do Estado no Projeto do PAC Periferia Viva – Urbanização de Favelas, com recursos de R$ 47,8 milhões direcionados ao Loteamento Novo Samambaia (entre os bairros Centro-Oeste, Los Angeles e Macaúba); melhorias em 463 unidades habitacionais (reforma, ampliação ou construção), drenagem e pavimentação asfáltica; ampliação de escola municipal; construção de Unidade Básica de Saúde da Família e de uma creche no Bairro Ramez Tebet.
“É uma ação concreta, esses R$ 47 milhões que já foram habilitados pelo Estado. A partir daí, nós temos que começar, sem achar culpados, a juntar esforços entre o Município, o Estado e o Governo Federal para a gente retomar de novo esse programa e também o Minha Casa, Minha Vida”, disse o deputado federal Vander Loubet. Ele falou ainda que a Bancada Federal de Mato Grosso do Sul vai destinar R$ 150 milhões para a habitação no Estado e parte dessa verba pode ser direcionada a Campo Grande.
A deputada estadual Gleice Jane citou a parceria da Assembleia Legislativa na construção dessa Audiência. “Eu fiz visitas às comunidades, identifiquei a situação principalmente das mulheres e das crianças, que chamaram muita atenção. As crianças estão em situação de moradia em lugares onde tinha lixo e há crianças adoecidas, como a gente pôde perceber visivelmente”, relatou. Ela defende ainda a regularização dessas comunidades para que elas possam ter acesso a outras políticas públicas também. Sem essa regularização, as comunidades não conseguem acesso à água encanada, energia, além de alguns serviços, como educação e saúde.
Na Audiência, as vozes dos moradores das favelas de Campo Grande alcançaram representantes do Governo Federal, tanto da Secretaria-Geral da Presidência da República, do Ministério das Cidades e da Secretaria Nacional das Periferias, que também se pronunciaram durante o evento. Samuel Cardoso, do Ministério das Cidades, ressaltou a retomada de políticas sociais e de habitação no Governo Lula. “O Governo resgatou o protagonismo, com foco nas políticas sociais”, afirmou. Eles salientaram ainda que acompanharam todas as demandas dos movimentos, buscando encaminhamentos, além de mencionarem o Projeto CEP para Todos, do Governo Federal.
A vereadora Luiza Ribeiro citou que o mais importante na Audiência foi “a palavra de quem está nas favelas, com moradias precárias e urgência evidenciada nas falas”. Ela citou a importância de disponibilizar energia elétrica e água para os moradores, mesmo com a situação ainda não regularizada. “CEP, energia e água é o mínimo que podemos fazer. E claro, a regularização dessas moradias precisa ser apressada”. Ela acrescentou que a “favela tem que ser prestigiada como local de moradia digna”.
A Prefeitura lançou na última semana o programa Sonho Seguro, com foco na regularização fundiária, conforme informou o diretor-presidente da Agência Municipal de Habitação e Assuntos Fundiários, Claúdio Marques Costa Júnior. “São mais de 10 mil famílias que serão regularizadas por esse programa, trazendo-as para dentro da cidade de fato, trazendo equipamentos, trazendo água e energia. Essa é uma costura que está sendo feita há alguns anos”, afirmou. O Programa foi lançado semana passada, com 150 títulos.
O vereador Wilson Lands destacou que essa Audiência foi a mais importante realizada na Câmara. “A periferia está cansada de receber aterros sanitários ou presídios”, afirmou. Ele citou que as políticas públicas precisam alcançar as pessoas que mais precisam.
Representantes de organizações e movimentos sociais, da Defensoria Pública, da OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil de Mato Grosso do Sul), da Cruz Vermelha, da Defesa Civil Municipal também estiveram presentes do debate.