Apesar de as escolas públicas municipais exigirem a cópia da caderneta de vacinação de crianças e adolescentes no ato da matrícula escolar, não existe uma fiscalização efetiva dos casos de alunos não vacinados, conforme preconiza o calendário nacional de vacinação e o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Cabe ressaltar que o jornal O Estado divulgou, na edição de ontem (6), que o ano de 2021 registrou o pior desempenho de vacinação dos últimos seis em Mato Grosso do Sul, com a cobertura vacinal em 59,5%. Sendo que a OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda que o percentual esteja acima de 90%.
Conforme consta na plataforma DataSus do Ministério da Saúde, no ano passado a taxa de imunização das principais vacinais, como a BCG (bacilo de Calmette Guérin), ficou em 59,9%, febre amarela em 65,5%, poliomielite em 72,5% e as demais vacinas todas não passaram de 76%.
Como a apresentação da caderneta de vacinação faz parte dos documentos obrigatórios para a matrícula de crianças e adolescentes, o jornal O Estado questionou as secretarias de Educação municipal e estadual. No entanto, nenhuma soube informar como é feito o controle dos alunos não vacinados, nem quantificar quantos casos precisaram ser notificados aos órgãos fiscalizadores como Conselho Tutelar, Ministério Público ou até mesmo às secretarias de Saúde.
A Semed (Secretaria Municipal de Educação) informou que a secretária da pasta, Alelis Izabel de Oliveira, estava em viagem e por isso responderam em nota, que diz:
“É obrigatória a apresentação da carteira de vacinação dos alunos, de até 18 anos, da Rede Municipal de Ensino no ato da matrícula. A carteira deve estar atualizada. No mesmo, deve constar os atestados de todas as vacinas consideradas obrigatórias de acordo com os calendários de vacinação da criança e do adolescente. Caso não a tenha em mãos, o responsável legal do aluno pode realizar a matrícula, mas em prazo determinado deve apresentar a mesma atualizada na coordenação da unidade escolar”.
No entanto, não se sabe o que ocorre caso o documento não seja apresentado ou esteja com as vacinas incompletas.
O mesmo ocorre na Rede Estadual de Ensino. A secretária estadual de Educação, Maria Cecília Amendola, explicou que “primeiro a gente avisa a família para providenciar. A família não providenciando a gente avisa o órgão responsável que a Secretaria de Saúde. Não temos esses dados porque esse é um documento do aluno e da escola. A escola que tem essa responsabilidade”, afirmou, ressaltando ainda que, caso o documento não seja apresentado após o prazo, o caso é comunicado ao MPMS.
Por sua vez, a SES-MS (Secretaria de Estado de Saúde) destaca que é de responsabilidade da SED e das secretarias municipais o acompanhamento e a fiscalização das cadernetas de vacinação dos estudantes. “Com a chegada da pandemia, a queda na vacinação se intensificou sendo impulsionada por movimentos antivacinas e pela disseminação de notícias falsas relacionadas à imunização. A SES-MS ressalta que é preciso conscientização por parte da população e o engajamento de todas as instituições públicas, como educação e dos órgãos de fiscalização, como Ministério Público Estadual e Federal, no sentido de acompanhar o monitoramento da cobertura vacinal nos municípios”, ponderaram.
Em nota, a Sesau ressaltou que busca manter as unidades de saúde abertas para reforçar o acesso da população às vacinas.
“A campanha de vacinação contra o sarampo, que está vigente no momento, foi definida pelo Ministério da Saúde, tendo em vista a circulação do vírus no país, sendo que ele já era considerado extinto anteriormente. Tendo este cenário em vista, em que de 10% a 15% das crianças deixam de ser vacinadas no decorrer do ano, a Sesau busca ampliar a oferta das doses, mantendo unidades de saúde abertas durante os fins de semana e feriados exclusivamente para vacinação. Neste momento há três campanhas de vacinação direcionadas ao público infantil acontecendo, contudo, as doses do calendário de rotina seguem sendo aplicadas em todas as unidades de saúde que possuem plantão nestes dias”, informaram.
E reforçaram que “a redução na vacinação do calendário de rotina pode resultar na reinserção de doenças perigosas, como é o caso da poliomielite, sarampo e outras, no cenário local”.
O Conselho Tutelar de Campo Grande garante que, após o recebimento da denúncia de não vacinação de crianças e adolescentes, os responsáveis são notificados para que coloquem o calendário vacinal do menor em dia.
“Após recebimento da denúncia de falta de vacina, o CT notifica a família para atendimento e aconselhamentos quanto à importância da vacina conforme preconiza o art 14 do ECA, parágrafo 1°, e nota técnica 02/2022 emitida pelo CNPG, dando um prazo a família pra que seja regularizada a situação e apresentação do comprovante vacinal ao CT. Caso a exigência não seja atendida o fato é noticiado ao MP para as medidas cabíveis”, afirmaram.
Já o Ministério Público de Mato Grosso do Sul abriu em outubro do ano passado um procedimento administrativo de acompanhamento de políticas públicas para acompanhar a continuidade das medidas para ampliação da cobertura vacinal de crianças e adolescentes, previstas no PNI (Programa Nacional de Imunização) em Campo Grande.
A Sesau foi chamada para responder aos questionamentos do ministério, que solicitou que a secretaria: “(a) apresente Relatório do desempenho da Cobertura Vacinal Infantil executado no Município de Campo Grande em 2021; b) informe e comprove se foi elaborado Plano Estratégico para divulgação e mobilização social do ano 2022, para execução da vacinação prevista no Calendário Vacinal de crianças e adolescentes; c) informe comprove sobre providências a serem adotadas a fim de sanar os “pontos frágeis” identificados pelo Coren, que aponta a necessidade de melhorias nas salas de vacinação (…)”, diz trecho do despacho do procedimento no dia 24 de fevereiro deste ano.
Os autos do procedimento foram concluídos e encaminhados no dia 29 de abril deste ano à dra. Daniella Costa da Silva, da 32ª Promotoria de Justiça de Campo Grande. O jornal O Estado tentou contato, porém a assessoria de imprensa do MPMS adiantou que a promotora só irá se pronunciar após a conclusão do processo.
O jornal O Estado questionou a médica pediatra e professora do Curso de Medicina da Uniderp Michelle Alves, que reforçou que a não vacinação pode ocasionar a volta de doenças erradicadas.
“Manter o calendário vacinal em dia, tanto de crianças e adolescentes, é de extrema importância tanto no âmbito individual quanto no âmbito de saúde coletiva. Nós temos doenças preveníveis com as vacinas, doenças com gravidade de poder chegar a morte ou a sequelas, como a meningite que pode ocasionar perda auditiva, amputação de membros etc. Então é importantíssimo para que nós não tenhamos novos surtos, aumento de internações e de mortes. A criança em especial, ela não tem o sistema imunológico desenvolvido, então ela tem de começar com as vacinas ainda bebê para ir ganhando imunidade”, alertou.
Sobre o papel dos órgãos fiscalizadores do Direito, a médica diz que “é importante que tenham controle sobre a porcentagem vacinada para realizar as campanhas direcionadas e fazer a busca ativa para incentivar os que não estão sendo vacinados” considerou.
Por Suelen Morales – Jornal O Estado de MS.
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