“Quando precisou de tratamento foi negligenciado”, professores se revoltam após omissão contra Tiago

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Professores da REME (Rede Municipal de Ensino) realizaram protesto no fim da tarde de ontem (23) após a morte do professor de artes Tiago Bianchi Silva Araújo, 42 anos, que teria cometido suicídio por ter processo de readaptação negado pelo IMPCG (Instituto Municipal de Previdência de Campo Grande).

Comovidos com a situação e indignados com o descaso da prefeitura com os educadores, a categoria se reuniu em frente a sede do Instituto de Previdência, na Travessa Rosa Pires, esquina com a Avenida Ernesto Geisel. Munidos de cartazes com dizeres como “A junta médica matou mais um servidor” e “Não sacrifique sua saúde mental”, os professores se manifestaram após falha na perícia médica do IMPCG, que negou o pedido de afastamento do professor de artes. Lutando contra a depressão, Tiago havia ido ao Instituto na segunda-feira (20) pela manhã, com laudos psiquiátricos que confirmavam a incapacidade laboral de retornar às atividades em sala de aula. Já não era a primeira vez que o professor passava por perícia médica e tinha o pedido de readaptação negado. Ele foi encontrado morto, em casa, na noite de segunda-feira.

A readaptação de um profissional ocorre quando o profissional é afastado de suas  funções por motivos físicos, psicológicos ou emocionais, que impedem de cumprir as atividades. O IMPCG é responsável por atestar as condições ou não de retorno ao trabalho dos servidores municipais. No caso da educação, profissionais readaptados continuam nas escolas, porém fora da sala de aula, geralmente exercendo cargos administrativos ou pedagógicos. 

Descaso

Para a irmã de Tiago e também professora, Maria Bianchi, além da dor de perder o irmão, o que fica é a revolta e a sensação de impunidade. 

“Não foi apenas um psiquiatra, ele está desde setembro do ano passado fazendo tratamento. Ele tinha um acompanhamento, nós como família estávamos acompanhando, tinha o psiquiatra dele e ele estava sendo cuidado, todos estavam vendo que ele precisava se afastar da sala de aula. Que o pânico dele, o que causava, era a sala de aula, então ele precisava ser tratado, tanto por remédios, quanto pelo afastamento da sala de aula”.

Ela afirma que o desejo de Tiago era a readaptação, pois não queria ficar sem trabalhar. Porém, na perícia realizada na última segunda-feira, o professor foi avisado que perderia 15 dias do salário, o que deixou o funcionário desesperado. 

“Foram 12 anos trabalhando, em concurso público e quando ele precisou de tratamento foi negligenciado. A junta médica não lia os laudos, ele precisava pedir, diziam que ele estava apto para o trabalho, foi muita humilhação”, diz Maria.

“Estamos com advogado e queremos justiça […]. A gente não está querendo nada impossível, queremos o mínimo, o direito de ser tratado e medicado”.

A professora ainda expõe que a pressão para se trabalhar em sala de aula é muito grande, além de todo o processo burocrático que os educadores precisam lidar diariamente, com uma sala lotada e falta de recursos.

“Quando se está saudável, por mais difícil que seja você aguenta, mas meu irmão não estava saudável, ele tinha depressão. Ele foi em um profissional recomendado e o psiquiatra disse que ele não tinha capacidade, que ele precisava ser afastado. Inclusive em um dos laudos constava que ele estava em perigo, que ele poderia colocar a vida em risco devido a situação que estava. É muito injusto”.

 A ACP (Sindicato campo-grandense dos profissionais da educação pública) esteve presente no ato e publicou em suas redes sociais a convocação para a manifestação e uma nota de pesar.

Na publicação, diversos outros profissionais da educação questionaram a prefeitura e o IMPCG. “Tem como não adoecer da forma como somos cobrados constantemente? Sem estrutura, sem apoio?”, diz um comentário. Já outro destaca a desvalorização dos profissionais de educação. “Nossa categoria está doente e o sistema está ignorando isso. Ele podia ter sido ouvido, mas a perícia decidiu dizer não. É um absurdo o tratamento que dão às nossas angústias e dores. A desvalorização também passa por aí: ignorar os sintomas de depressão e ansiedade crescente entre os profissionais de educação”. 

Lembranças

Professor, artista visual e músico, Tiago era conhecido pelo jeito sensível do qual trabalhava e pelas sinfonias que tocava no piano. Um de seus maiores sonhos era um piano de cauda, que conseguiu adquirir a dois anos e que enfeitava a sala de casa. Com sua música, o artista levava sinfonia para os vizinhos; foi inclusive a falta da música que alertou o condomínio onde morava. 

Professora e colega de trabalho de Tiago, Daniele Cristine relata que foi o educador que a introduziu ao mundo dos esportes ao ar livre. 

“Era um professor singular, perfeccionista, se entregava. Sou corredora de trilha, fiz a minha primeira trilha com ele e entrei nessa vida com a ajuda dele. Um amante da música, dedicado e sua dor não foi ouvida pelos profissionais que deveriam ouvir”.

Ela conta que as humilhações durante perícias médicas são constantes. “Ele não é o primeiro a ser tratado dessa forma, eu já passei pela perícia, de sair daqui e ficar 40 minutos chorando dentro do carro e ter que tomar dois calmantes pois não tinha condições de sair daqui, devido a forma desumana que a gente é tratado aqui dentro. A gente espera que ele seja o último. A doença dele pode não ter sido culpa do perito, mas a consequência foi”.

“O professor de artes muda a forma de ver o mundo e ele tinha essa capacidade de trazer luz onde nem sempre a gente tinha, que é a periferia da cidade, que são as comunidades que não tem tanto acesso a cultura, ele conseguia trazer isso para as crianças”.

Declaração

A Seges (Secretaria Municipal de Gestão) emitiu nota de esclarecimento após as manifestações de ontem. A secretaria alega que a perícia é feita com “competência absoluta do Médico Pericial”, com base no Decreto n. 14.918, de 30 de setembro de 2021.

Ainda segundo a nota, seria direito do servidor que está passando pela perícia a “ampla defesa e o contraditório com fundamento nas normas supramencionadas, como exemplo disso tem-se o instituto da Reconsideração, este que dispõe ao periciado o direito de solicitar uma reavaliação em razão de uma negativa/entendimento contrário ao seu requerimento”. Confira a nota completa ao fim da reportagem. 

Segundo a ACP, o tratamento com os profissionais da educação é precário desde a revogação da readaptação de todos os servidores, em 2018. “Desde 2018, quando a prefeitura de Campo Grande publicou o Decreto n. 13.570, revogando a readaptação de todos os servidores e servidoras da educação, ferindo as legislações vigentes, a ACP ingressou com ação judicial, na qual teve sentença favorável ao sindicato. A ACP ainda buscou a via do diálogo com a prefeitura, por meio da Secretaria de Gestão e a coordenação da junta médica. No entanto, a prefeitura continua a conferir tratamento inadequado aos profissionais da educação, com atitudes que ferem as diretrizes de humanização e as normas técnicas no atendimento à saúde, como negativas, pela junta médica, de readaptação e licenças médicas sem fundamentação e em desacordo com o assistente técnico”, disse em publicação.

O sindicato ainda afirma que a situação é crítica. “A situação é crítica. Muitos educadores e educadoras se encontram em sofrimento psicológico grave, o que leva à incapacidade para o trabalho e à destruição de suas relações pessoais. A inércia da prefeitura municipal de Campo Grande em tomar providências tem levado à perda de vidas de educadores e educadoras. A ACP denuncia a falta de atenção à saúde por parte do Poder Executivo Municipal e cobra políticas públicas que protejam a vida de nossos professores e professoras.”, finaliza.

Daniele Cristine comenta que espera uma reavaliação da perícia médica, principalmente em casos em que o servidor tem o laudo comprovando alguma restrição para o trabalho. 

“Eu espero que essa política da prefeitura, de avaliação da perícia médica seja feita com respaldo, porque se eu tenho um médico que me acompanha a dez, 15 anos e ele fala que estou doente e não tenho condições, como um médico em 10 minutos diz para mim que o primeiro médico está errado? Que não faz sentido? É gravíssimo. A Semed diz que tem um grupo de valorização à vida, cade? Onde eles estão? Fazer palestra, soltar balão, fazer coisinha bonitinha é legal, mas onde eles estão dentro da escola, incentivando e trabalhando junto com a perícia para a gente ser escutado quando está doente?”, finaliza.

Confira a nota da Seges na íntegra:

A Secretaria Municipal de Gestão esclarece que a Análise Médica Pericial é realizada com base no Decreto n. 14.918, de 30 de setembro de 2021, e para readaptação tem como base o Decreto n. 13.570, de 23 de julho de 2018, ambos fundamentados na Lei Complementar n. 190/2011, os quais avaliam a capacidade laborativa, incapacidade laborativa, incapacidade permanente, incapacidade parcial, incapacidade temporária, e quando for considerado insuscetível de reabilitação da capacidade laborativa para exercício de atribuições do cargo ocupado, em decorrência de alteração do seu estado de saúde física e/ou mental, atestado por laudo Médico Pericial.

O periciado sempre é avaliado para todas essas situações com base na autonomia do ato Médico Pericial, o qual é uma ação de competência absoluta do profissional, que envolve a decisão de julgar o direito de concessão de um benefício pecuniário solicitado pelo requerente, avaliando sua capacidade laboral fundamentada no direito do requerente e nas provas e indícios apresentados para tal.

Também é importante mencionar que, ao periciado é garantido o direito de ampla defesa e o contraditório com fundamento nas normas supramencionadas, como exemplo disso tem-se o instituto da Reconsideração, este que dispõe ao periciado o direito de solicitar uma reavaliação em razão de uma negativa/entendimento contrário ao seu requerimento.

Do mesmo modo, tem-se que os procedimentos realizados pela Perícia Administrativa são executados sem distinção de categorias, ou seja, garantindo a todas as categorias de servidores municipais um direito equânime, sendo as peculiaridades de cada categoria/função analisadas na execução do Ato Médico Pericial, pois tal profissional é extremamente capacitado para tal distinção e ponderação dos fatores laborais existentes.

Conforme a Lei n. 212.030/09 e o Código de Ética Médica, o Médico deve exercer suas funções com liberdade profissional, não podendo sofrer quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência de seu trabalho, sendo a mesma assegurada ao exercício da atividade de perícia oficial de natureza criminal e autonomia técnica, científica e funcional.

Serviço

O Gav (Grupo de Amor Vida) realiza serviço de apoio emocional a pessoas em sofrimento por meio do telefone 0800 750 5554. O serviço é gratuito e funciona todos os dias da semana, sábados, domingos e feriados, das 7h às 23h. 

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