Dados do IBGE revelam que oportunidade nasce da necessidade e opções cada vez piores para o trabalhador
No Brasil, empreender vai para além do sonho, incorpora na verdade, um caráter de sobrevivência. A afirmativa parte dos números de um levantamento feito pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e divulgado na quarta-feira (21), onde foi possível traçar um delineado sobre o perfil do empreendedor brasileiro a partir da apuração dos números de MEIs (Microempreendedor individual), onde identifica-se que mais da metade dos empreendedores tinham empregos formais e, após 2022, optaram por trocar o regime de trabalho. Na Capital sul-mato-grossense, empreender é parte de um sonho, mas, ao analisar mais tecnicamente, o empreendedorismo revela na verdade, um mercado precário e inseguro no regime CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
O mercado de trabalho enfrenta uma crescente escassez de opções para os trabalhadores, refletindo mudanças profundas impulsionadas por avanços tecnológicos, crises econômicas e transformações estruturais. A automação e a digitalização, por exemplo, têm substituído muitos empregos tradicionais, resultando na eliminação de postos de trabalho em setores que antes ofereciam estabilidade. Além disso, a crescente popularidade da economia de trabalhos temporários e por demanda tem alterado a natureza do emprego, criando uma realidade onde muitos trabalhadores se encontram em posições precárias e menos seguras. Desigualdades regionais também contribuem para a limitação das opções de trabalho. Em regiões mais remotas e menos desenvolvidas, a falta de infraestrutura e oportunidades pode restringir severamente as possibilidades de emprego.
Conforme a apuração do IBGE, de 14,6 milhões de MEIs, 2,6 milhões aderiram à modalidade jurídica em 2022. Desses, o IBGE obteve informações apenas de experiências profissionais prévias de 2,1 milhões. Com isso, os dados permitiram identificar que 1,7 milhão de MEIs tinham sido desligados das empresas, seja involuntariamente, por vontade própria ou término de contrato de trabalho temporário. Ao analisar mais especificamente, foi possível constatar que os trabalhadores que foram desligados por vontade do empregador ou justa causa, isto é, demitidos, chegou ao quantitativo de 1 milhão de pessoas. Esse contingente representa 60,7% do total de desligados que viraram MEI em 2022.
São identificados como MEIs as pessoas que trabalham como pequeno empresário ou pequena empresária de forma individual, possuem faturamento anual de até R$ 81 mil e, no máximo, um único estabelecimento. Dos MEIs nascidos em 2019, 80% sobrevivem após três anos. A taxa de sobrevivência dos MEIs filiados em 2019 foi de 80%, ou seja, 1,8 milhão de microempreendedores que sobreviveram até o ano de 2022, segundo a pesquisa do IBGE. As menores chances de sobrevivência são dos empreendedores mais jovens. Conforme os dados divulgados, 75,6% das pessoas com até 29 anos, que possuem um microempreendimento, conseguem se manter após 3 anos. Já as taxas de sobrevivência registradas entre microempreendedores homens e mulheres foram próximas, sendo 80,5% e 79,3%, respectivamente.
Para o mestre em economia, Lucas Mikael, a disparidade tem sido acentuada, porque hoje muitos empregadores evitam arcar com direitos trabalhistas devido à pressão para reduzir custos e aumentar a competitividade. “Os encargos associados a benefícios e direitos, como salários, férias, e encargos sociais, representam uma parte significativa das despesas operacionais. Em um mercado altamente competitivo, onde as margens de lucro são estreitas, minimizar essas despesas pode ajudar as empresas a manter preços mais baixos e melhorar sua posição no mercado. Além disso, a complexidade administrativa e burocrática envolvida na gestão desses direitos pode ser desafiadora, especialmente para pequenas e médias empresas, levando-as a buscar alternativas mais flexíveis, como a contratação temporária ou terceirização”, esclarece sobre a precarização do trabalhador.
A flexibilidade também é um fator determinante para os novos empreendedores. Tanto na gestão, quanto na contratação. Segundo Mikael, contratos temporários e trabalhadores freelancers oferecem uma maneira de ajustar rapidamente a equipe às flutuações de demanda, sem os compromissos permanentes associados a funcionários formais. “Adicionalmente, a competição com o setor informal, onde os direitos trabalhistas muitas vezes são menos rigorosamente aplicados, pode pressionar os empregadores formais a adotar práticas semelhantes para reduzir custos e manter a competitividade. Essas práticas, no entanto, podem ter implicações negativas para a moral dos funcionários e a sustentabilidade a longo prazo da empresa”, avalia.
Empreender na prática
O proprietário do Makako Burguer, estabelecimento localizado na rua Rio de Janeiro, parte norte da Capital, Luís Leandro Maciel Lopes, 37, argumentou à reportagem do jornal O Estado, que ser empreendedor na atualidade, é enfrentar uma série de desafios. Embora empreender tenha sido o sonho de Lopes desde os 14 anos, ele argumenta que sua trajetória se construiu no CLT. “Eu fui trabalhar em um trailer de lanche na Afonso Pena, foi assim que iniciei no ramo. Depois eu trabalhei no Carlinhos Lanches, fiquei mais ou menos uns 10 anos lá e foi lá que aprendi a fazer lanche. Em 2018 resolvi abrir a minha empresa, fui juntando dinheiro e comprando equipamento para montar, aí eu consegui inaugurar em fevereiro de 2019. Eu comecei como MEI, era suado, só eu e minha esposa e um menino que eu conhecia. Aí depois passei para o Simples Nacional, porque foi surgindo a necessidade de ter mais funcionários”, explicou Lopes.
Mas, mesmo sendo um sonho, o proprietário do Makako Burguer esclarece que não é simples, não é apenas sair do CLT e abrir o MEI. Afinal, estar disposto a empreender é também enfrentar desafios diariamente, que vão desde a necessidade de mão de obra, até inovação e credibilidade do negócio.
“Comércios iguais ao meu tem de monte, você tem que inventar alguma coisa nova, fazer um serviço diferente e cativar um pouco mais, porque tem muito produto bom na rua. Mas, graças a Deus a gente não passa dificuldade com vendas, sempre tem uma meta e a gente sempre tenta alcançar essa meta, mas não é fácil viu. É muito injusto, é imposto que não acaba mais, às vezes você acha produtos de fora mais baratos do que aqui, mas quando você compra fica retido lá na Receita Federal, ou o imposto vem com a substituição tributária depois, o imposto no Brasil é muito alto, e tudo tem imposto, não é fácil”, desabafa.
Por Julisandy Ferreira
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