Para socióloga, é papel de todos o cuidado para identificação dos sinais de violência

Foto: Kamila Alcântara
Foto: Kamila Alcântara

[Texto: Kamila Alcântara, Jornal O Estado de MS]

No caso da Joelma, vizinhas já deveriam ter identificado sua fragilidade, mas essa função não pode ser apenas feminina

Quanto mais corrida está nossa rotina, mais complicado fica o tempo de qualidade com quem gostamos, mas esse distanciamento só favorece um indivíduo: o agressor de mulheres. Joelma da Silva André, de 33 anos, dias antes de ser assassinada pelo companheiro, em um momento de café com as vizinhas, já havia dito que não queria mais prosseguir com a relação e essa foi a motivação do crime.

Enquanto seu corpo, vítima de nove facadas, era periciado e levado pela funerária, as mesmas amigas choravam e pediam justiça. Uma mulher conhece outra que está sendo vítima de violência, não apenas física, mas até quando essa identificação ficará restrita a cota feminina da sociedade? Para a socióloga Manuela Nicodemos Bailosa, que é subsecretária estadual de Políticas Públicas para Mulheres, chegou a hora de todos tomarem para si o cuidado ao
próximo.

Antes de entrar na seara das denúncias e responsabilidade de ambos os gêneros, Manuela reforça que a violência doméstica acontece independente das condições socioeconômicas ou nível de instrução da vítima. É algo muito profundo e que pode atingir todas.

“A questão é que tem uma dimensão mais estrutural de sociedade. Qualquer mulher está suscetível a achar natural viver em uma situação de opressão e submissão. As mulheres têm compreensão de que não querem o relacionamento ruim, como a Joelma dizia para as amigas. Mas há relatos de que ela teria retirado a medida protetiva por pedido dele. As relações socioculturais que as mulheres estão inseridas ainda é o central, de que para elas se sentirem amadas, desejadas, precisam estar inseridas no contexto de opressão”, explica Manuela.

Para a especialista, existe o agravante do Mato Grosso do Sul ainda ser muito patriarcal e, quanto mais vulnerável a mulher, mais exposta ela está às dificuldades de se livrar do ciclo de violências.

“Temos que romper a ideia de que nós somos propriedades. ‘Por que continuar vivendo apanhando? Porque o mecanismo social diz que é isso que te resta! Não conseguiu emprego, casa, estudo, então o que te sobra é aguentar esse relacionamento’. Não é nem que ela dependa economicamente, às vezes ela tem renda, mas não é só disso que se trata, é muito profundo e acessa as mulheres de um jeito muito perverso”, detalha a socióloga.

Além de todo o trabalho desenvolvido pelos órgãos públicos, Manuela acredita que a situação começará a ser diferente quando entendermos que o cuidado não é apenas um papel feminino, mas social de todo cidadão.

“O cuidado não pode ser tratado como valor natural que as mulheres devem reproduzir. É algo de toda sociedade, inclusive do Estado. A rede de atenção precisa estar na comunidade, tem que visitar a comunidade, não ser apenas pelos canais de denúncia”.

Segundo a Polícia Civil, Leonardo da Silva Lima, de 38 anos, e Joelma estavam juntos há 4 anos e juntos tiveram dois filhos, um de 1 ano de idade e outro de 2 anos. A vítima, no entanto, tinha mais três filhos de outro relacionamento, com idades de 8, 13 e 16 anos, que também viram a mãe ser morta dentro de casa.

Sua vizinha de cerca Eliane de Lima, de 40 anos, foi quem a encontrou ferida e ainda com vida. Junto com as outras moradoras do conjunto de barracos, às margens do trilho do trem do Indubrasil, ela veio a óbito na manhã de quarta-feira (21).

Conforme o autor, eles sempre tiveram um relacionamento conturbado, chegando a se separar umas 10 vezes. No ano passado ela chegou a pedir medidas protetivas contra ele, mas acabou solicitando a retirada para que pudessem reatar o relacionamento.

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