“O fator primordial de proteção ao suicídio é a família”

Foto: Cayo Cruz
Foto: Cayo Cruz

Setembro Amarelo é o mês voltado para prevenção contra o suicídio e especialista alerta aos sinais

Depressão é a doença mais associada ao suicídio, mas outros transtornos mentais também podem levar a pessoa a cometer essa atitude extrema. Segundo o capelão Edilson dos Reis, 90% das pessoas que cometem suicídio têm um transtorno mental, mas 90% dos casos poderiam ser evitados, já que o problema psicológico pode ser diagnosticado e tratado. O mês de setembro é marcado pelo amarelo, em alusão à prevenção contra o suicídio.

Reis afirma que Mato Grosso do Sul sempre esteve entre os primeiros estados com maiores taxas de suicídio por 100 mil habitantes. Mas no último ano os números apresentaram redução. Em 2020, primeiro ano da pandemia, 243 pessoas se mataram em MS, 23 a menos que no mesmo período do ano passado, em que foram 266. Já, conforme a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde Pública), no ano de 2019 foram atendidos e notificados 1.634 casos de tentativas de suicídio, nas unidades de saúde de Campo Grande.

“As pessoas começaram a entender que precisam cuidar da saúde. A COVID-19 trouxe uma coisa muito interessante que é a percepção de que 80% das coisas materiais que temos nós não precisamos, e o maior bem é a saúde. As pessoas começaram a dar atenção à saúde”, disse.

Para tratar a saúde mental, ele lembra que as pessoas podem procurar as unidades de saúde que estão habilitadas para dar o primeiro acolhimento já na triagem especializada. Com anos de experiência e, após ter ajudado muitas pessoas a desistirem de tirar a própria vida, Reis alerta que, caso uma pessoa se depare com alguém que está com ideação suicida, nunca deve se aproximar. O ideal é acionar ajuda. “Converse com essa pessoa, mas sem repetir, sem ficar gritando e entre em contato imediatamente com o Corpo de Bombeiros, por meio do telefone 193, ou a Polícia Militar, no 190. Eles têm habilidade, técnica e manejo para lidar com essa situação”, concluiu.

O Estado: Por que é difícil falar sobre o suicídio?

Capelão Reis: Não é que seja difícil, é como saber falar. Existem muitos mitos e tabus sobre o tema do suicídio, porque em um trajeto da civilização houve sempre uma condenação envolvendo pessoas que cometem suicídio e, diante desse tabu imposto, as pessoas têm aversão ao tema. Só que, desde os primórdios, o suicídio acompanha a humanidade. Em épocas passadas foi como um mérito de honra, hoje a gente vê como se fosse um fracasso total do sujeito que comete suicídio e, diante desse tema e desse tabu imposto pela sociedade, pelas religiões, as pessoas que estão passando por sofrimento são impedidas de falar de suas dores e seus sofrimentos. Elas sofrem sozinhas, porque esse tabu imposto pelo tema impede de falarem abertamente do que sentem, principalmente quando envolve a questão de saúde mental, que está muito atrelada ao suicídio.

O Estado: A pandemia, de algum modo, agravou o crescimento de casos no país?

Capelão Reis: Isso são dados que a gente vai ter de estudar e mensurar futuramente, mas houve uma queda do ano de 2019 para 2020 de suicídios e tentativas de suicídio no Estado e em Campo Grande. Se fizermos uma somatória em nível nacional, vamos entender que houve uma pequena queda no sentido de que as pessoas começaram a cuidar mais da saúde e procurar ajuda especializada, porque uma grande parte das pessoas que comete suicídio age pelo impulso, e quando age, sem medir as consequências do seu ato. Por anos Mato Grosso do Sul esteve ali entre o 1º, 2º ou 3º estado com maior taxa de suicídios por cem mil habitantes. Com essa redução nós podemos entender que pode ter tido uma queda, mas nós temos de analisar também se nos outros estados da Federação houve essa queda ou não, mas isso tudo é mensurado futuramente.
As pessoas começaram a entender que eu preciso cuidar da minha saúde. A COVID-19 trouxe uma coisa muito interessante, que é a percepção de que 80% das coisas materiais que eu tenho eu não preciso, e o meu maior bem é a minha saúde. As pessoas começaram a dar atenção à saúde, porque, de dez pessoas que cometiam suicídio, oito passaram por um médico um mês ou dois meses antes do tratamento. O outro fator primordial é que as pessoas não aderem ao tratamento medicamentoso indicado pelo psiquiatra e também as pessoas que fazem esse tipo de tratamento interrompem o tratamento indicado por um psicólogo. Alguns especialistas dizem que, após a pandemia, nós teremos uma grande procura de pessoas com a saúde mental abalada. Nós vamos ter grandes consequências futuramente segundo os grandes especialistas no mundo, isso não só no Brasil, mas no mundo inteiro.

O Estado: A depressão é o primeiro sinal?

Capelão Reis: Primeiro nós temos de entender que a OMS (Organização Mundial da Saúde) estabelece que 90% das pessoas que cometem suicídio têm um transtorno mental, mas a própria Organização Mundial da Saúde estabelece que 90% dos casos de suicídio podem ser evitados, porque, se tem um transtorno mental, ele pode ser diagnosticado e tratado. Quem vai diagnosticar? Psicólogo e um psiquiatra são os únicos profissionais habilitados para fazer esse diagnóstico e iniciar esse tratamento. O que ocorre é que as pessoas não aderem a esse tratamento, algumas pessoas também têm dificuldade de acesso a esse tratamento e, quando têm o acesso a esse tratamento, não aderem. Quando se fala em depressão, nós estamos falando de uma doença que são quase 47 tipos de depressão, porque existem as depressões que vêm das comorbidades de outras patologias.
Nós temos de entender o manejo, o diagnóstico dessa depressão, tem de entender se ela é leve, severa, moderada ou crônica, ou uma depressão maior. A depressão é uma doença progressiva a médio, longo prazo, e temos de entender se essa depressão é patológica ou circunstancial. Depressão é uma doença de alteração bioquímica, então pode ser diagnosticada e tratada.

O Estado: A sala de aula seria local para falar sobre o assunto?

Capelão Reis: Com certeza, deve ser um local para falar sobre o assunto. Em Campo Grande, conseguimos fazer junto à Semed (Secretaria Municipal de Educação), três anos atrás, um projeto em que nós capacitamos professores de Português, Matemática, Educação Física, diretores e coordenadores das escolas, habilitamos essas pessoas a como identificar [problemas psicológicos]. A própria secretaria criou um corpo de psicólogos e assistentes sociais para fazer capacitação e oficinas. Agora, a Prefeitura de Campo Grande criou um Centro de Valorização da Vida, com esse viés. É a primeira e única capital brasileira que tem isso dentro de uma Secretaria de Educação e isso tem trazido inúmeros benefícios para crianças e adolescentes que estão passando por processo de dor, sofrimento e angústia, bullying, automutilação e abuso sexual dentro da casa. Ela [a criança] pode falar nas oficinas e nessas dinâmicas, que são realizadas por esses profissionais da secretaria, da sua dor. Ela fala, mas não é abandonada, ela é tratada e isso é fundamental.
A escola é um espaço necessário para que a pessoa possa falar dessa dor, mas acima de tudo esse profissional precisa ter uma habilitação mínima para ser o que a gente chama de primeiro interventor, para fazer o acolhimento dessa criança ou desse adolescente, ou até mesmo desse universitário que está passando por esse processo.

O Estado: Existe possibilidade de ser fator genético?

Capelão Reis: Para nós termos essa afirmação tem de passar por um psicodiagnóstico e exames laboratoriais. Quando se fala isso, entramos em um campo muito minado, porque podemos rotular uma pessoa de uma doença que, às vezes, é preexistente ou totalmente inexistente. Nós temos de entender que toda doença precisa ser diagnosticada, passar por processo clínico, iniciar o tratamento indicado por um profissional habilitado. Isso é fundamental, o que nós não podemos é rotular o sujeito em sofrimento com a patologia dele, isso é muito grave e impede de as pessoas buscarem ajuda. Quando a gente vai rotular, é uma doença preexistente ou circunstancial, ou uma doença genética? Não, é uma pessoa que está se tratando!

O Estado: É muito difícil compreender por que um determinado indivíduo decide cometer suicídio?

Capelão Reis: Para a família e para os amigos próximos, sim, é muito difícil. Eles vão passar por um processo muito doloroso diante da perda de alguém que cometeu suicídio. Acima de tudo, nós temos de entender que o sujeito que idealizou cometer o suicídio, ele pensou, passou pelo processo de desejar e entrou nesse viés de concretizar esse ato; é uma pessoa que precisa de ajuda, é uma pessoa que está passando por um grande processo de sofrimento com que ela não conseguiu lidar. O que cabe à família? Cabe ouvir as pessoas.
O fator primordial de proteção ao suicídio é a família, que tem uma função de acolher essas pessoas e, principalmente, incentivar ao tratamento que seja indicado. Nós nunca podemos julgar as pessoas. Quando se fala em suicídio, nós estamos falando de uma coisa muito dolorida, que envolve culpa, medo, angústia, solidão e abandono. Os sobreviventes, que são familiares e amigos, entram em um processo muito grande de culpabilidade. Tem um impacto muito grande porque, quando uma pessoa comete suicídio, em média ela atinge diretamente de 6 a 12 pessoas, mas, se esse é um adolescente, atinge toda a sua sala de aula ou universitária, o seu grupo social. É um impacto muito grande. Nós temos de estar atentos a acolher as pessoas em sofrimento.

O Estado: Quais são os caminhos para tratar a saúde mental na rede pública de saúde de MS?

Capelão Reis: Nós temos uma grande facilidade, porque nós somos uma população muito pequena no Estado. Aqui em Campo Grande existem vários mecanismos, várias ações de prevenção contra o suicídio e a prevenção começa com o acolhimento necessário. Nós que estamos à frente, trabalhando, capacitando profissionais tanto na Capital como no interior, vemos uma certa preocupação dos gestores em saúde pública. O que ocorre é que cada pessoa tem a sua subjetividade e principalmente o seu sofrimento. O que nós temos de entender é que a saúde mental não é tratada com uma ação coletiva. Quando se fala em saúde mental nós devemos ter um acolhimento individual e um tratamento individual, e isso demanda muita técnica, muito conhecimento e principalmente habilidade e manejo desse profissional. A saúde aqui em Mato Grosso do Sul eu posso afirmar, e não tenho medo de errar, que é uma das melhores do Brasil, porque tem vários fatores positivos, os gestores, os profissionais estão querendo acolher, mas o que ocorre é que muitas vezes não tem onde internar essa pessoa. Nos últimos 12 ou 13 anos nós fechamos mais de 120 mil leitos de hospitais psiquiátricos.
Em Campo Grande, pelo SUS, nós temos só o Hospital Nosso Lar, e antes nós tínhamos o setor de psiquiatria da Santa Casa, que foi fechado. A grande demanda é esta, a pessoa precisa às vezes ficar dois ou três dias e as UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) e unidades básicas têm feito isso com grande esforço, mas a gente precisaria ter mais espaço para uma internação de dois, três dias. Os gestores públicos têm ciência e estão lutando para isso, mas é uma grande dificuldade. Porém a pessoa que entra na rede pública é acolhida, sim; eu tenho visto e acompanhado isso diariamente.

O Estado: A religião pode ser um caminho para tratamento?

Capelão Reis: A própria Organização Mundial da Saúde, em seus manuais de prevenção de saúde, estabelece que vida religiosa espiritual é um fator protetivo do suicídio. A religião não é um processo de cura, mas é um processo de acolhimento que dá a esse sujeito em sofrimento o sentido de pertencimento. Isso é fundamental à pessoa que está no processo de dor, sofrimento, angústia e, até mesmo, depressão, porque, dentro do grupo religioso, seja qual for, os estudos da Organização Mundial da Saúde estabelecem o sentido do pertencimento, do acolhimento. A religião tem um papel fundamental da prevenção contra o suicídio porque dá sentido de pertencimento à pessoa, porque muitas vezes ela não tem esse sentido de pertencer dentro da casa, dentro da família.

O Estado: Hoje, a quem procurar por ajuda?

Capelão Reis: Quem tem plano de saúde ou condições procure um psiquiatra e psicólogo privados. Quem não tem procure as Unidades Básicas de Saúde, que estão habilitadas para dar o primeiro acolhimento já na triagem especializada e já fazem as demandas. Ou seja, quem está passando por sofrimento tem de buscar um tratamento especializado para ter um diagnóstico especializado, para iniciar um tratamento por algum profissional especializado, para que tenha qualidade de vida. Acima de tudo, você jamais pode ficar sozinho com a sua dor, seu sofrimento e a sua angústia, isolado, você precisa falar com alguém.
Caso você se depare com alguém que está com ideação suicida, tentando suicídio, a nossa recomendação, como especialista em negociação, é nunca se aproximar dessa pessoa, você não sabe se essa pessoa está com uma arma, com uma arma branca, uma bomba, uma granada. Ela está desestabilizada emocionalmente, ela pode te machucar, mesmo sendo seu pai, sua mãe, seu irmão, seu esposo, sua namorada, seu colega, seu vizinho, não importa quem seja. Jamais, nunca se aproxime dessa pessoa, fique em uma distância de segurança, converse com essa pessoa, mas sem repetir, sem ficar gritando e entre em contato imediatamente com o Corpo de Bombeiros, por meio do telefone 193, ou a Polícia Militar, no 190. Eles têm habilidade, técnica e manejo para lidar com essa situação, mas recomendo jamais, nunca, se aproximar de uma pessoa que está com ideação suicida ou tentativa de suicídio, não se aproxime porque ela pode machucar você e a ela.

Mariana Ostemberg

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