‘O Congresso tem que legislar e o Judiciário tem que se preservar’, diz ex-senador Waldemir Moka

Waldemir Moka
Foto: Marcos Maluf

Para o ex-senador Waldemir Moka (MDB), o STF (Supremo Tribunal Federal) ao se envolver em temas como aborto e o porte de drogas, acaba querendo decidir sobre assuntos que não tem competência e passa uma ideia errada de suas atribuições para a sociedade. “Essa questão do aborto, por exemplo, é uma pauta que a sociedade tem que decidir, a sociedade é representada pelo Congresso. O Supremo não tem que dizer se é a favor ou contra. O debate sobre porte de droga, a quantidade permitida também não pode caber ao Supremo. Como houve esse posicionamento dos ministros do STF, acabou ocorrendo uma reação por parte dos deputados e senadores”, analisa. 

Moka possui mais de 30 anos de vida pública. Já foi vereador, deputado estadual e federal por MS. O último mandato, exerceu de senador, entre 2010 a 2018. A experiência em Brasília traz episódios do passado para explicar o atual momento referente à cassação de Deltan Dallagnol (agora no Novo) e o risco de Sergio Moro (União), dois nomes ligados à Lava Jato, operação que levou à prisão o presidente Lula (PT). “Isso já aconteceu no passado. Na época em que estava no início do meu mandato como deputado federal tinha o senador de Goiás (Demóstenes Torres), que era procurador de Justiça de carreira e que dava de dedo em todo mundo. Era, o exemplo, de político isento até que apareceu a história de que ele estava envolvido com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Surgiram gravações e ele não durou uma semana. Outro caso é o do senador Delcídio do Amaral. Tinha muita dúvida em relação às denúncias, mas, de repente, vai o líder o PT e, na tribuna, diz que o partido não tinha nada com o Delcídio. Isso prova que o julgamento político é complicado. Não é fácil cassar um colega.”, define. 

Moka disse que hoje o Centrão não tem um político que “encarne o pensamento de centro”. O presidente regional do MDB considera que os senadores eleitos em 2018 tiveram seus mandatos prejudicados pela pandemia e pelo processo de polarização que tem marcado a política nacional. Por fim, Moka acredita que poderá trabalhar por uma estruturação do MDB, conversando com as lideranças que construíram o partido e abrindo espaço para que novas surjam. 

O Estado: Como ex-senador, vê a interferência do STF sobre as atribuições e decisões do Congresso? 

Waldemir Moka: O embate entre o governo Bolsonaro e o Supremo acirrou um pouco essa discussão e, em algumas ocasiões, o presidente do STF foi decisivo, evidentemente com o apoio do Congresso. O Supremo acabou assumindo um protagonismo que logo em seguida acaba passando para a sociedade uma ideia de que os ministros do Supremo estão querendo decidir coisas para as quais eles não têm competência. Essa questão do aborto, por exemplo, é uma pauta social, a sociedade é representada pelo Congresso. O Supremo não tem que dizer se é a favor ou se é contra, quem tem que decidir isso é a população. O debate sobre porte de droga, a quantidade permitida também não pode caber ao Supremo. Como houve esse posicionamento dos ministros do STF, acabou ocorrendo uma reação por parte dos deputados e senadores. Eu acho que também deve haver limite, pois pode acabar acirrando uma disputa que não interessa à sociedade. O Congresso tem que legislar e o Judiciário tem que se preservar, até para que, na hora em que tiver que decidir alguma coisa, decida com total isenção. 

O Estado: Já tivemos um deputado eleito cassado, Deltan Dallagnol, pela Justiça Eleitoral. E mais parlamentares estão ameaçados de perder o mandato por processos durante a campanha eleitoral ou denúncias nas Comissões de Ética. Em uma comparação do Congresso que fez parte com o de hoje, o parlamentar de antigamente tinha mais liberdade e garantia de segurança com o decoro parlamentar? 

Waldemir Moka: Mudou muito pouca coisa. O que está diferente é por conta desse acirramento de discussão. O Deltan foi pego vazando informação. Ele foi um dos protagonistas da Lava Jato, que contribuiu para o país num determinado momento, mas acabou se perdendo. Na época, a gente ouvia, por parte de muitos juristas, que aquele trabalho seria questionado no futuro. Tudo acabou sendo atropelado, pois muitas denúncias não chegaram a ser confirmadas. Tudo aconteceu muito rapidamente e, diga-se de passagem, com o apoio da sociedade. 

Tanto o Dallagnol quanto o Sergio Moro como juiz tinham obrigação de se preservar disso. Como ele foi o algoz da classe política, ele, no primeiro momento, teve a resposta. Mas eu ressalvo que isso já aconteceu no passado. Na época em que estava no início do meu mandato como deputado federal, tinha o senador de Goiás (Demóstenes Torres) que era procurador de Justiça de carreira e que dava de dedo em todo mundo. Era, o exemplo, de político isento, até que apareceu a história de que ele estava envolvido com o ‘bicheiro’ Carlinhos Cachoeira. Surgiram gravações e ele não durou uma semana. Outro caso é do senador Delcídio do Amaral. Tinha muita dúvida em relação às denúncias, mas de repente, vai o líder do PT e, na tribuna, diz que o partido não tinha nada com o Delcídio. Isso prova que o julgamento político é complicado. Não é fácil cassar um colega. 

O Estado: O senhor foi senador até 2018. Na época, já se previa que aconteceria essa polarização entre direita e esquerda? 

Waldemir Moka: Eu não posso dizer que havia essa convicção na classe política. Senadores ligados à direita apostavam que o Bolsonaro seria, pela primeira vez em muitos anos, um nome forte para representar o pensamento de uma parcela da sociedade. Mas eu acho que, acima de tudo, naquela época, surgiu um pensamento na sociedade de que era importante eleger qualquer partido, menos o PT. Tem um eleitor de centro que não está muito ligado à política, ele não discute, mas fica olhando para onde tudo está indo. Na época, o Bolsonaro acabou capitalizando esse voto e isso aconteceu novamente em 2022, quando esse mesmo eleitor disse qualquer um menos o Bolsonaro. Alguém já me disse que o rio, quando tem uma cheia, transborda para a direita, na outra cheia pode transbordar para a esquerda, mas a tendência dele é seguir pelo leito dele, que fica no centro. 

O Estado: O “centrão” é o que mais perdeu neste processo de polarização. Houve um envelhecimento das lideranças? 

Waldemir Moka: Hoje, não temos mais ninguém que encarne o pensamento de centro. Não temos um político que seja a cara do centro. O Lula foi muito esperto quando convidou o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, para ser seu vice. Esse, sim, tinha a cara de político de centro. Como o Serra e outros não conseguiram se firmar e o próprio Michel Temer, que foi queimado no meio do seu mandato, então, o centro ficou sem nome e como o Alckmin estava de vice do Lula esse voto acabou migrando para o PT. 

O Estado: O senhor tem acompanhado os trabalhos dos atuais senadores de MS? Quais avaliações que faz? 

Waldemir Moka: Durante esse mandato os senadores enfrentaram dois problemas sérios. O primeiro foi a pandemia, que afastou os políticos dos municípios e o segundo foi a polarização entre esquerda e direita, o que reduziu o campo de atuação, pois um rejeita o outro e isso não deixa margem para que o político apresente o que está realmente fazendo pela população. O Nelsinho Trad é muito habilidoso, se articulou bem e tem trabalhado. O mesmo acontece com a Soraya Thronicke, mas eu acredito que poderão ter dificuldades, uma vez que podem ter adversários fortes na disputa pelas duas vagas, que são o ex-governador Reinaldo Azambuja, o deputado federal Vander Loubet até mesmo o ex-governador André Puccinelli, se resolver sair candidato.

O Estado: O senhor tem planos de voltar a concorrer a algum cargo? 

Waldemir Moka: Neste momento, não. Eu quero reestruturar o MDB. As lideranças do MDB tiveram seu ciclo. Eu, por exemplo, fui vereador, deputado estadual, deputado federal e senador. Acho que está de bom tamanho. Não gosto de falar em renovação, pois isso acaba deixando de lado aquelas pessoas que lutaram pelo partido. Estou procurando ouvir quem sempre esteve conosco e trazer novas lideranças, para juntos construirmos o partido. Eu assumi o MDB outras duas vezes, uma vez em 1985 e depois quando o Ramez era senador e virou ministro. Eu vou cuidar da eleição município por município, pois se quisermos ter uma boa eleição para o governo temos que começar elegendo prefeito e vereadores.

O Estado: Tem deputados e outras lideranças que defendem que o MDB, neste momento, tem que caminhar ao lado do PSDB. O senhor concorda com essa posição? 

Waldemir Moka: Concordo plenamente. O PSDB sempre esteve ao nosso lado, durante anos ao lado do MDB e agora, que está no poder, nada mais justo que os dois partidos mantenham-se como aliados prioritários. Essa aproximação já existe em nível nacional e eu acredito que, futuramente, MDB, PSDB e o Cidadania acabem formando uma federação de centro.

O Estado: Essa aproximação já deverá se refletir na eleição de 2026? 

Waldemir Moka: O MDB já tem o compromisso de apoiar a recondução do Eduardo Riedel. Eu tomei esse compromisso, após ouvir o partido. Eu, o André, o Reinaldo e o Sergio de Paula estamos conversando muito sobre isso e já em 2024 teremos um reflexo dessa aproximação em muitos municípios. O acordo se dá, inclusive, em Campo Grande, onde atualmente o André se comporta como pré-candidato, mas nada impede que isso possa mudar, até o momento das convenções.

O Estado: E para 2026, que previsão o senhor faz para o cenário da disputa presidencial? 

Waldemir Moka: O Lula realimenta o bolsonarismo, fazendo declarações e repete o que o Bolsonaro fez durante o seu governo. Eu não acredito em extrema-direita ou extrema-esquerda no Brasil, o que existe é um pensamento progressista e um conservador. Hoje, acho que o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos), é que tem esse perfil mais de centro, ao governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), falta um pouco mais de firmeza. Tarcísio é mais claro em suas posições, mas não sei se ele vai aceitar concorrer à Presidência já em 2026. O que ouvi é que há uma pressão no sentido de que ele concorra. 

Por – Laureano Secundo

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