Multa e contratação formal podem acabar com a Uber no Brasil?

Fotos: Marcos Maluf
Fotos: Marcos Maluf

Nesta semana, a Uber voltou a ser pauta em todo o Brasil. Isso porque uma definição do TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região) estabeleceu que a empresa precisa pagar indenização no valor de R$ 1 bilhão e regularizar a contratação, fazendo com que os motoristas sejam registrados formalmente, em carteira, pelo aplicativo. Em Campo Grande, a decisão gerou impacto entre os profissionais do aplicativo, que acreditam que a decisão vai beneficiá-los, mas que, com a mudança no regime, deve haver também mais regras, o que pode diminuir o número de motoristas. O medo é que o aplicativo, que surgiu em 2010, nos Estados Unidos, deixe de operar no Brasil.

Com a atividade cada vez mais intensa dos motoristas, a Justiça entendeu que a Uber tem se omitido das obrigações de empregador, ao não contratar formalmente os motoristas. Como aponta o juiz da 4ª Vara do Trabalho de São Paulo, Maurício Pereira Simões, a empresa tem “atos planejados para não cumprir a legislação do trabalho”, pontua. A sentença é resultado de denúncia referente a condições de trabalho feita por um grupo de motoristas. A AMAA (Associação dos Motoristas Autônomos de Aplicativos) pediu que a Uber contratasse seus motoristas e pagasse a indenização de R$ 1 bilhão, por danos morais coletivos.

A Uber negou que mantivesse relação de trabalho com motoristas, mas o juiz Simões refutou o argumento. Inclusive, a empresa chegou a pedir segredo de Justiça para o caso, mas a solicitação não foi atendida. A Uber rebate a acusação, com o argumento de que “já são mais de 6.100 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho afastando o reconhecimento da relação de emprego com a plataforma”. 

De acordo com o TRT-2, o valor da indenização deve ser destinado em 10%, ou seja, R$ 100 milhões para as associações dos motoristas de aplicativos e o restante seguirá para o Fundo de Amparo ao Trabalhador. Em nota, a Uber afirmou que vai recorrer e “não vai adotar nenhuma das medidas elencadas na sentença antes que todos os recursos cabíveis sejam esgotados”.

 

Valor irrisório

Para o magistrado, o valor cobrado da Uber é “irrisório”. Simões considerou que a empresa faturou R$ 76 bilhões com mais de seis bilhões de viagens realizadas no Brasil, entre 2014 e 2021, ou seja, nos R$ 100 bilhões feitos pela companhia no país, nos últimos anos, a Justiça calculou uma indenização de 1% em cima desse último valor. 

A empresa deverá pagar multa diária de R$ 10 mil para cada motorista não registrado. A decisão estabelece o prazo de seis meses após o trânsito e julgamento da ação, para que a determinação seja cumprida, com a regularização de pelo menos 1/6 dos motoristas não registrados a cada mês.

O juiz Maurício Simões acredita que o valor cobrado sobre a Uber é irrisório. “Olhando o valor de forma pura e simples, notadamente em um país de um povo preponderantemente pobre (ou extremamente pobre), pode parecer impactante, mas contextualizando os aspectos econômicos divulgados pelos meios de comunicação e pela própria ré (e pressupondo que tudo o que ela afirma está correto, em termos financeiros), bem como considerando que já são dados defasados (notadamente pelo fim da pandemia e pela volta das pessoas às ruas e ao uso do serviço de transporte fornecido pela ré), o valor se mostra irrisório”, afirma.

 

Realidade em Campo Grande 

O presidente da Applic/MS (Associação de Parceiros de Aplicativos de Transporte de Passageiros e Motorista Autônomos de Mato Grosso do Sul), Paulo Pinheiro, ressalta que é preciso repassar quais serão as implicações desta decisão. No entanto, o presidente destaca fortemente que a decisão ainda não é definitiva e que, sem dúvida, a Uber recorrerá. “A Uber nunca perdeu um processo no Brasil e se perder esse, vai ser o primeiro. Uma visão que nós temos e, se porventura, acontecer isso, acabar todas as instâncias e não tiver como recorrer, será um efeito cascata em todo o Brasil. O corpo jurídico da norte-americana Uber e da chinesa, 99 Pop, é fantástico, fortíssimo e muito pesado”, pontua o presidente.

Pinheiro diz que é preciso manter a cautela e que existe a possibilidade de o aplicativo deixar de operar no país. “Nós temos que aguardar, porque a gente ainda olha com um olhar de desconfiança e me parece que, realmente, não tendo mais recursos, ela vai ter que repassar um valor X para cada motorista e ter que recontratar também, [além de repassar] um percentual para a associação de São Paulo. Esse ganho, que a priori é da categoria, pode ser revertido. Vamos aguardar”, argumenta o presidente.

Há seis anos como motorista do aplicativo, Jorge Alves Ribeiro já realizou 19.237 viagens. Ele explica que o assunto está em uma instância superficial e que é necessário averiguar o que isso implicará em exigências da contratante. “Tem que ver também, no caso de registrarem os motoristas, se eles vão exigir uma carga horária. Quantas horas o motorista tem que trabalhar por dia, já que está registrado? Aí, você tem que prestar conta. Mas, por outro lado, eu acho que é bom para os motoristas. Porque a maioria dos motoristas não recolhe à previdência e não recolhe nada”, disse.

“Se for registrado, a empresa vai passar a recolher e vai contar para a aposentadoria, vai ter direito a férias, 13º salário e tudo mais. Eu acho uma boa ideia registrar, mas, por outro lado, acho a empresa muito forte e será difícil ela aceitar essa imposição do TRT do Brasil”, complementa. 

 

Modelo de trabalho é questionado

O motorista da Uber, que pediu para não ser identificado, usa o exercício de motorista como forma de obter uma renda extra e explica que com a mudança no regime de contratação, sairia prejudicado. Hoje, ele consegue fazer, em média, de R$ 1 mil a R$ 1,2 mil “trabalhando pouco”. “Isso me prejudicaria pelo fato de que, provavelmente, pela CLT, eu teria que cumprir horários e com certeza não sobraria tempo no meu dia para tal. Assim, eu deixaria de ganhar esses extras, que ajudam e muito nas despesas da minha casa. A flexibilidade de horário para trabalho, com toda a certeza, seria reduzida e eu não teria a liberdade de fazer o meu valor diário. Possivelmente, com essa mudança, teria salário fixo. Quando trabalhava apenas na Uber, eu gostava da flexibilidade. Hoje, apenas afetaria esse complemento da minha renda, já que o salário no Brasil é vergonhoso”, resume o motorista.

Por Julisandy Ferreira– Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul.

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