Decisão é referente a pedido feito pelo hospital para revisão de verbas por atendimentos públicos
O juiz Pedro Pereira dos Santos, da 4ª Vara Federal da Capital, obrigou a União, o governo do Estado e a Prefeitura de Campo Grande a cobrirem um déficit superior a R$ 275 milhões da Santa Casa entre outubro de 2011 e maio de 2018.
A decisão, cujo valor não inclui a correção dos juros, define que os poderes públicos também banquem o rombo diário do maior hospital público de Mato Grosso do Sul.
A aplicação do prazo prescricional (período de alcance da lei sobre uma determinada causa) de cinco anos, a contar do início da tramitação do processo, impediu que o pedido da Santa Casa alcançasse um período maior, como o início da intervenção na unidade, em 2005.
A sentença da Justiça Federal aponta que o objetivo é “tentar dar fim a um impasse jurídico bem anterior a 2016, quando a ABCG (Associação Beneficente de Campo Grande) – responsável pela gestão da Santa Casa – recorreu à Justiça para tentar cobrir despesas impagáveis e que, recentemente, culminaram em ameaças de paralisação de funcionários, incluindo enfermeiros e médicos, e atrasos no pagamento de fornecedores”.
Presidente da ABCG entre 2015 e 2020, Esacheu Nascimento disse que, com a correção financeira, o montante a ser recebido pela Santa Casa passa de R$ 500 milhões, “dinheiro mais do que suficiente para quitar todas as pendências da unidade e ainda sobra para o capital de giro”, afirmou, ao O Estado.
A princípio, os poderes públicos devem começar já neste mês a repassar valores superiores a R$ 4,8 milhões, além do repasse mensal devido com base nas apurações do SUS (Sistema Público de Saúde). Em contrapartida, a decisão, divulgada ontem (13) no Diário Oficial da Justiça Federal, proíbe o hospital de auferir lucro com os valores.
“Esses valores são resultados de uma perícia que durou até quatro meses nas contas da Santa Casa, estando dentro do hospital. Todos os detalhes foram verificados. Não é teoria, não é boato, não é achismo. É fato. A gente sente pela sentença que o juiz sentiu o mesmo que nós apontamos quando eu assumi, que só 65% dos serviços prestados pelos hospitais beneficentes eram reembolsados”, disse Nascimento.
A Santa Casa pediu a revisão do contrato com o SUS, calçada no título de entidade filantrópica e que, desde 2004, opera no regime de contratualização (que, no lugar de reajustar valores pagos, injeta valores de forma “aleatória” para cobrir necessidades específicas, narra no processo).
De acordo com Nascimento, o pedido judicial atual é de 2017. “A gente espera que haja um bom- -senso dos poderes públicos em não arrastar ainda mais essa questão”, disse.
Conforme o hospital, pelo menos 60% de sua capacidade instalada deve ser direcionada a pacientes do sistema público de saúde. Ao mesmo tempo, a contratualização seria uma “coação”, impedindo negociações. Alegando urgência no caso, a ABCG alertou que a qualidade de seus serviços corria risco, pleiteando o bloqueio de valores referentes à defasagem média mensal da Santa Casa – e, ao fim, quitarem as parcelas vencidas e vincendas no valor da diferença entre o devido e o efetivamente pago.
“O Ministério da Saúde já admitiu que deixou de enviar para a gente entre 2015 e junho deste ano mais de R$ 520 milhões. A pasta tem um orçamento de R$ 130 bilhões. Só metade disso é gasto, de fato. Por isso eles precisam olhar com carinho para os 70% de hospitais particulares que atendem o SUS”, disse o ex-presidente da Santa Casa.
União, Estado e prefeitura se manifestaram inicialmente no processo. Entre as alegações para negar o pedido, estava tanto a de que apenas o Conselho Nacional de Saúde poderia corrigir a Tabela SUS (referência de pagamentos na rede pública), proibição de abertura de despesas acima dos orçamentos por período e até omissão do governo federal no caso.
Outro ponto, levantado pela defesa da gestão de Reinaldo Azambuja (PSDB), e logo encampado no andamento do processo, foi de que a Santa Casa atende também pacientes conveniados e particulares, o que tornaria necessário demonstrar “a origem da precária situação financeira sustentada na inicial” para justificar a necessidade de mais verba pública.
Este foi um dos pontos mais atacados pelo magistrado em sua decisão que, retornando ao passado, lembrou que o hospital esteve sob gerência de uma Junta Interventora dos três entes entre 2005 e 2013 e, nesse período, não foi providenciada a separação entre as receitas do SUS e da área particular, o que põe em xeque o argumento de que a segregação financeira é essencial. “Daí, se deveras tal procedimento fosse passível de alguma crítica, sem dúvida teria sido modificado naquele período, o que não veio a ocorrer”, anotou o juiz.
Procurados, o Ministério da Saúde, de responsabilidade da gestão Jair Bolsonaro (sem partido), não respondeu à reportagem. A Secretaria de Estado da Saúde disse, por meio de nota, que “realizou todos os pagamentos contratualizados e irá recorrer da decisão”. A gestão municipal de Marquinhos Trad (PSD) disse, por meio de nota, que não havia sido notificada até o momento. A Santa Casa alegou que não vai se pronunciar.
(Texto de Rafael Ribeiro)