Mato Grosso do Sul é esperança nacional para aumentar oferta de alimentos
Por Bruno Arce – Jornal O Estado do MS
“Sou de uma época que o gado era criado com capim nativo e dava só sal branco e água pra completar. Hoje, tem muita tecnologia, as coisas evoluíram bastante em várias coisas como em suplementos, máquinas e sustentabilidade”.
A fala é do criador de gado de corte em Camapuã/MS, Olívio Ferreira de Vasconcelos, o Nerão, 84 anos, que diz continuar feliz no local em que seus filhos cresceram, nas terras que contribuíram para chegar alimento ao prato de muita gente e que o projetaram para o exercício de três presidências do Sindicato Rural de Camapuã e um cargo na diretoria da Famasul (Federação de Agricultura de Mato Grosso do Sul).
Nerão é do tempo que o gado era levado por terra para abate em frigorífico. Era sofrido ter que andar por cinco ou seis dias no lombo do cavalo, acompanhado pelos carros de boi carregados com o mínimo possível de itens para poupar peso.
“Onde hoje é esta estrada asfaltada (BR-163) era puro cascalho, muito mais difícil pra vender boi naquela época. Agora melhorou bastante, embora as coisas estejam muito caras e o gado barateado pra quem mexe com cria”, analisa.
A realidade dos primeiros produtores no Mato Grosso do Sul foi praticamente a mesma do criador Nerão. Depois de muito trabalho, ele preferiu dividir a propriedade com os nove filhos e nas terras que deixou para seu sustento e da esposa Cacilda diminuiu a quantidade de cabeças de gado para pouco mais de 300.
Toda a braquiária morreu e surgiu a necessidade de adotar um pouco de modernidade para reformar a pastagem, o que já foi bem diferente de quando tudo era roçado na foice ou derrubado no machado.
Representatividade rural
Na década de 70, um grupo de líderes sindicais se reuniu para constituir a Famasul, que para os produtores foi o início de um marco de representatividade e orientação para melhorar condições de produção. Na época, os postos de gasolina eram fechados nos finais de semana e Silvio Amado, futuro primeiro presidente da entidade, fez um grande estoque em galões para abastecer os carros dos presidentes dos sindicatos rurais que viajaram de longe para participar do processo.
Em outubro de 1977, foi fundada efetivamente e, em 1979, a Federação foi a primeira entidade sindical reconhecida pelo Ministério do Trabalho. Com área maior ou menor, mais empregos de tecnificação ou no sistema rústico e braçal, o fato é que o agronegócio tem importante participação de aproximadamente 15 % no PIB (Produto Interno Bruto) de Mato Grosso do Sul.
Conforme o presidente da Famasul, Marcelo Bertoni, a projeção para 2022 é de crescimento em torno de 9%. Ele destaca a mudança do binômio boi/soja para outras matrizes econômicas como florestas plantadas, peixe, suínos, frutas, mel. “A cadeia é muito grande e se o agro quebra, as pessoas sentem lá no supermercado”.
Agentes de educação e capacitação
Bertoni destaca a importância da implantação do Senar (Serviço de Aprendizagem Rural), que teve como primeiro superintendente José Armando Amado, filho do primeiro presidente da Famasul, Silvio Amado. A entidade é vinculada à Confederação Nacional de Agricultura e já capacitou milhares de pessoas no Estado. “O Senar tem feito a diferença. Em 10 anos foram mais de 440 mil pessoas profissionalizadas e só em 2022 vai totalizar 5 mil cursos gratuitos”, diz.
Um dos produtores que utiliza a capacitação do Senar em sua propriedade é Martinho Palma Mello Júnior, da Fazenda Candelabro, em Paranaíba. Ele conta que a propriedade passou a ser administrada por ele e o filho Eduardo Mello, por meio de sucessão familiar. A propriedade era de seu pai, que trabalhava com modo de produção rústico.
“Eu investi e não tive o retorno esperado e já estava desanimado com a produtividade. Pensei: ou vendo ou faço funcionar e foi aí que busquei orientação”, conta. O produtor buscou orientação técnica para pastagens, pois, até então, o gado da propriedade era servido com sal comum, não tinha manejo adequado e o capim não recebia adubagem.
A capacitação com o Senar começou em 2014 com orientações para correção do solo, divisão de piquetes para sistema rotacionado de pastagem e adubação. Foi orientado também a formar pastagem com plantio conjunto com grão, no caso optaram por sorgo, para fazer silagem para o período de estiagem.
Quanto ao gado, de recria e engorda, passou a comer em cocho coberto, sal e proteinado de boa qualidade. “Passamos a ter maior ocupação por hectare com a recuperação da pastagem. Antes, o nosso gado era abatido com 4 anos e agora com 26 meses, mas a meta é diminuir para 24 meses.”, planeja.
Martinho Junior destaca que se prepara para dar mais um passo na propriedade: fábrica própria de ração, pois os custos de produção são altos na propriedade. “Os técnicos da Famasul/Senar são muito capacitados, pensam, são coerentes, têm noção. Chegamos a criar vínculos de amizade com eles”, finaliza.
José Armando tem propriedade em Caarapó, Campo Grande e Figueirão. Ele trabalha com recria e engorda. Além de exaltar o Senar, lembra que na sua gestão frente à Famasul também teve papel importante na discussão da situação da agricultura na época, que era uma atividade muito sacrificada pelos juros excessivos e início do processo de erradicação da febre aftosa. Além disso, orgulha-se ao dizer que em sua presidência foi construída a atual sede da Casa Rural.
Produção de hortifruti
Um exemplo de pequena área cultivada e que se tornou sucesso é da ex-contadora Rosa Maria Sales Costa, no município de Terenos/MS. Ela começou do zero e hoje tem bons resultados com produção de limão, goiaba e no início do ano que vem vai colher a primeira safra de manga.
“O Senar foi muito importante neste processo todo. Você não precisa ser grande para ser atendido por eles, basta querer ser grande e mesmo sua produção sendo para atender o mercado local, ganhamos uma sensação de que é de alto valor agregado para exportação”, comemora.
Rosa Maria agora é uma parceira do Senar. É na propriedade dela que são ministradas aulas práticas para os alunos dos cursos de fruticultura e técnico agropecuário.
O gerente técnico da Famasul, José Pádua, destaca também a existência de outras pequenas culturas, mas de maior valor agregado. Ele aponta que o Estado tem muito ainda que se desenvolver nessas pequenas cadeias, incluindo também as hortaliças. “Mato Grosso do Sul tem muito potencial para desenvolver outros tipos de cultura e esse é um processo que a Federação e o Senar têm estimulado, porque é uma forma de diversificar a nossa cesta e não ficar só nas grandes culturas diversas. Isso ajuda a agregar valor e gerar renda para o pequeno e médio produtor”.
O gerente técnico destaca ainda que recai sobre Mato Grosso do Sul uma grande expectativa para o futuro que envolve todas as cadeias produtivas já que o Brasil exige mais e em melhor quantidade. De importador de alimentos passou a exportador e o mercado externo precisa da produção brasileira.
“É o Brasil cada vez mais sendo esse protagonista como produtor de alimentos de qualidade, com segurança e baratos para o mundo, porque o Brasil vai representar quase metade da produção de alimentos do mundo e Mato Grosso do Sul está dentro desta conta”, frisa.
A neutralização do carbono e a relação com o modo de produção
Sobre fazer a tarefa de casa bem feita no campo, o governo do Estado conta muito com o setor produtivo, pois assumiu um compromisso ousado de neutralização de carbono, em novembro de 2021, com assinatura do Plano Estadual MS Carbono Neutro – PROCLIMA.
Na prática, a meta é que as emissões de gases de efeito estufa sejam neutralizadas a partir de 2030, antecipando assim, em 20 anos, a meta de 2050, estabelecida no Acordo de Paris (tratado sobre mudanças do clima). Um dos eixos temáticos do Plano traz que no agronegócio ocorram ações concentradas no efetivo manejo dos solos, na redução dos níveis de fermentação entérica, no manejo de dejetos suínos e no controle da queima de resíduos agrícolas. “Estamos buscando com muita determinação esta meta. Estamos trabalhando para que Mato Grosso do Sul se torne o primeiro estado carbono neutro do País”, vislumbra o governador Reinaldo Azambuja.
André Dobashi, atual presidente da Aprosoja/MS (Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso do Sul) é embaixador do carbono, pela multinacional Bayer, além de produtor rural no município de Antônio João, onde cultiva soja, milho, sorgo, aveia e pastagens.
Dobashi destaca que nos 45 anos do Mato Grosso do Sul, olhando para o passado, presente e futuro, a temática é a sustentabilidade e carbono neutro, já que a ideia mundial é que as emissões de gás carbônico sejam gradativamente diminuídas e sejam encontradas formas de neutralização.
Dobashi enfatiza que a agricultura sempre foi uma exímia sequestradora de carbono, pois as plantas, ao fazerem o seu processo de fotossíntese, sequestram o carbono do solo, usam ele no seu metabolismo, liberam ar, o oxigênio, e fixam esse carbono na forma de matéria orgânica no solo
“O processo de produção intensivo, que produz com a adequação sustentável, com manejo de ambiente de produção racional, onde usa menos combustíveis, não remove o solo, que deixa o solo permanentemente ocupado e cada vez acumula mais biomassa e, consequentemente, mais carbono, você tira esse carbono da atmosfera e fixa ele no solo via matéria orgânica e, com isto, melhora o uso da água e eleva a fertilidade do solo”, explica André Dobashi.
O presidente da Aprosoja destaca que o compromisso assumido pelo governo estadual de neutralização de carbono é audacioso, mas que os produtores não foram surpreendidos com o assunto. Esta temática de fixação de carbono no solo de incremento de matéria orgânica é antiga.
“Em 2016, o Banco do Brasil lançou uma linha de crédito que se chamava Agricultura de baixo Carbono e ela incentiva os produtores a fazer uma agricultura diferenciada baseada em plantio direto em manejos de solos para que pudéssemos realmente diminuir a emissão, sequestrar mais carbono”, lembra.
O Brasil precisa aumentar em 41% sua produção atual para conseguir alimentar uma população cada vez maior. E isso só vai ser possível com o incremento de fertilidade no solo, que melhora o uso de água e melhora o uso de ativo, porque não pode mais desmatar.
“Os produtores já estão conscientes de seu papel em todo processo mundial faz tempo. O que o produtor precisa agora é sempre perseguir o bom caminho. Existem os produtores, por exemplo, que colocam fogo no resto cultural, o que não é uma prática conservacionista. Também tem o produtor que gradeia a área dele todo ano, mas isto é muito raro e tende a acabar, porque já existe o entendimento que essas práticas não conservacionistas não regenerativas, iam contra a produtividade da área, onde se mecanizou o solo, se produzia menos e demorava dois a três anos a mais para retomar a produtividade que era antes de se investir no solo”, alerta André Dobashi.
O pesquisador da Embrapa de Gado de Corte, Urbano Gomes Pinto de Abreu, trabalha com sistema de produção, em muitas fazendas, desde a década de 60, com os produtores inserindo tecnologia e usando métricas para avaliar essas tecnologias e adaptando a cada situação do Pantanal. Ele afirma que antigamente a pecuária era de ciclo bem longo, onde um boi era abatido a partir dos quatros anos e era considerada, para a época, uma idade precoce.
O pesquisador frisa como evolução da pecuária do presente o Programa Novilho Precoce, que é uma política pública que veio para alcançar uma pecuária de ciclo curto. “Foi umas das políticas que deram certo, não só essa, mas como outras, que possibilitaram realmente premiar os eficientes. Isso é um processo que não pode acabar, porque as tecnologias vão entrando e os desafios não param”, defende.
Muito tem se falado da neutralização do carbono, mas Urbano destaca ainda o Carbono Azul, que é um conceito de ponta. “Seria essa parte ambiental. Conseguir fazer com que, não só tivesse essa produção, mas produzisse mais carbono com a própria atividade, ter um superávit de carbono. Definitivamente, a sustentabilidade vai permear todas as atividades de pecuária. Essa pressão pela sustentabilidade tem que ter as metas, as avaliações desses aspectos para mostrar. Tem que mostrar para que as pessoas realmente acreditem, principalmente o consumidor”. (BA)
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