Dia dos Povos Indígenas: Uma brecha para serem notados e reconhecidos

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Foto: Jovens Indígenas Guarani Kaiowa/Divulgação

Desde 2001, projeto em escola na região de Amambai faz indígenas ganharem espaço no esporte

A mais ou menos 5 km do centro urbano de Amambai – município a 350 km de Campo Grande, cuja população é em torno de 40 mil habitantes – a EMPI (Escola Municipal Polo Indígena) Mbo’eroy Guarani Kaiowa pode ser considerada uma referência, no meio esportivo estadual. 

Criada em 14 de novembro de 1990, com sede instalada no centro do tekoha (território) Guapoy (Aldeia Amambai), a Mbo’eroy Guarani Kaiowa colhe os frutos de projetos desenvolvidos nas modalidades de atletismo e futsal. 

“As práticas esportivas sempre estiveram presentes na escola, tendo como ápice a participação de nossos alunos-atletas nos jogos intercolegiais, aqui do município. Sempre éramos os primeiros a serem eliminados, mas isso não nos abatia”, lembra o professor Ismael Morel Kaiowa, em entrevista por e-mail, respondida na primeira quinzena deste mês. 

“Em 2001, iniciamos o projeto de treinamento de futsal na escola, a partir de um trabalho voluntário”, conta Ismael. Antes, tinha o sonho de ser médico. “Mas, ao acaso do destino fui cursar Educação Física em Dourados (a 130 km de Amambai), pois havia ganho uma bolsa de graduação da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), em parceria com uma universidade particular. Nas férias, eu voltava para a aldeia e treinava a molecada”, conta.  

Crescimento

Dois anos depois, ainda acadêmico, ajudou a criar o Joind (Jogos Indígenas de Amambai). Segundo Ismael, atualmente, vai para a 19ª edição e reúne pelo menos 1.200 competidores de 12 municípios da região Conesul, do Estado. Entre as modalidades em disputa estão: futsal, voleibol misto, queimada mista, basquetebol, corridas, lançamentos de dardo e disco, tiro ao alvo, pescaria, “entre outras provas não indígenas e tradicionais dos guarani”.

Primeiro indígena da aldeia de Amambai a graduar-se no curso de Educação Física, ele retornou para a aldeia, com o intuito de desenvolver projetos de treinamentos no contraturno do período escolar. “Hoje, esses atletas da nossa primeira escolinha são profissionais eficientes, atuantes e vencedores”, afirma. “Em 2016, com o apoio da associação de pais e mestres da escola, criou-se o projeto Mbyjarã (Estrela do Futuro), que trabalha nos treinamentos do futsal e atletismo masculino e feminino.” 

“O projeto revela para o município, Estado, nacional e internacionalmente grandes atletas, como, por exemplo, o nosso recordista do lançamento de dardo Yuri Moreira Benites”, orgulha-se o professor. Atualmente, o “Mbyjarã” conta com 60 alunos no futsal masculino (sub-11, 13, 15, 17) e 40 alunas no feminino (sub-13, 17), e 60 atletas no atletismo masculino e feminino. Ismael é um dos responsáveis pelo projeto de treinamento, ao lado do professor Miller Borvão. “Temos, hoje, um quadro de profissionais indígenas protagonistas que atuam na escola e nos projetos de treinamentos na aldeia, especificamente na escola.”

‘Me esforço para ser espelho’ 

Yuri Moreira é um dos principais nomes do atletismo sul-mato-grossense. Aos 18 anos, nasceu na aldeia, em Amambai, mora e treina dentro da comunidade indígena. Revelação brasileira no lançamento de dardo, é presença constante nas convocações das seleções de base. 

Em entrevista por mensagens de voz, respondida na última sexta-feira (14), Yuri conta que iniciou sua trajetória em 2017, depois da morte do seu avô. “Ele me incentivava muito a treinar, a praticar esportes”, lembra o atleta, cuja primeiras competições nacionais foram pela categoria Sub-16, em Curitiba (PR), e Fortaleza (CE). 

“Eu tenho muito orgulho de ser indígena. No esporte, não há diferença, porque todos nós somos iguais”, responde Yuri. Segundo o campeão no lançamento de dardo, sua primeira participação em uma seleção foi em 2019, para representar o Brasil em Assunção (PAR), ainda na sub-16. “Antigamente, não tinha atleta indígena porque não tinha recurso. Sou o primeiro a chegar no topo e estar na seleção. Por isso, me esforço tanto para me colocar como espelho para a minha comunidade indígena”, diz Yuri. 

Em 2020, como ele diz, “pegou” seleção sub-20, representou o Brasil, em competição no Peru, e ficou em quarto lugar. No mesmo ano, competiu em Encarnación, no Paraguai, agora com a equipe nacional sub-18. 

O atleta de nível internacional é direto, ao ser perguntado como fazer para aumentar a participação de indígenas em esportes de alto rendimento. “[É preciso] motivar eles, explicar como funciona, falar como é bom viajar”, afirma. 

O seu próximo foco é o Sul-Americano, que vai se no Brasil. “Estou treinando muito, me esforçando, me dedicando, porque quero ter bons resultados na hora da competição”, fala o atleta. Para esta temporada, o objetivo é superar 2022. No ano passado, ele foi convocado novamente, mas se machucou antes da competição. “Mesmo assim eu fui, porque nós, indígenas, não desistimos fácil. Fui lá representar o meu país, meu Estado, minha aldeia, e minha comunidade indígena”, crava Yuri. 

Fala, professor 

Como é ser indígena hoje, no Brasil? E no esporte, há diferença?

É um imenso desafio ser indígena, neste país plurinacional, ainda que o Brasil tenha cerca de 300 povos indígenas, cada um com sua peculiaridade, falantes de 180 línguas. É uma luta ser reconhecido pela sociedade envolvente. O esporte de alto nível surge como uma brecha, para que possamos ser notados e assim reconhecidos como verdadeiros brasileiros. Ainda que o esporte seja integracionista e acolhedor, é um desafio sair da aldeia sem apoio do poder público, sendo Amambai pioneiro na questão de desenvolvimento do esporte, atendendo às três aldeias do município. Não há diferença na hora de competir, muitas vezes, a diferença se manifesta na questão da comunicação, como a língua materna, que nós usamos como tática, pois combinamos algo e os não indígenas não entendem. 

Vocês têm algum atleta ou ex-atleta indígena, que te inspirou ou inspira? A falta de figuras conhecidas indígenas no esporte reflete o cenário atual?

Falta investimento na prática do esporte indígena, se há, é pouquíssimo. É mínima a participação de atletas indígenas em competições de renome. Creio que isso reflete na questão de ter ou não figuras reconhecidas no cenário, que seriam inspiração para a nova geração. 

Quando viajam, notam alguma diferença em relação ao tratamento, positivo ou negativo? Já houve casos constrangedores ou, por outro lado, até engraçados, nas viagens feitas pelos times de futsal?

O que há são momentos engraçados dos outros atletas querendo saber em que língua a gente se comunica, como vivemos, são mais curiosidades. Nos Jems de 2022, em que a equipe de futsal foi campeã, teve uma situação muito engraçada. Um dos atletas foi questionado sobre quem seria o capitão da equipe. Prontamente, ele responde o nome do até então cacique da aldeia, quando, na verdade, a pergunta era quem era o capitão do time. Todos ficaram rindo da resposta.

Como fazer para aumentar a participação de indígenas em esportes de alto rendimento?

Acredito que o caminho é se houvesse um investimento maior do poder público nas aldeias indígenas, relativo ao esporte e fomentasse a participação de atletas indígenas, nas competições.

Quais serão as próximas competições que disputarão?

As equipes se preparam para representar o município de Amambai nos Jogos Escolares da Juventude de Mato Grosso do Sul (Jems) e outros campeonatos regionais, pelo Estado.  

Para encerrar, o que há para comemorar, neste 19 de abril?

São quinhentos e vinte três anos de re-existência, de luta, de perseverança, em um país que não nos reconhece como povo, diferente no modo de vida, de fala, de cultura, porém, muito mais brasileiro, filhos legítimos deste imenso pedaço de terra.

 

Principais títulos da escola 

2016 Campeã da Copa do Interior (Douradina) 

2016 (1º lugar feminino) Jems (Jardim) 

2018 (2º lugar feminino) Jems (Navirai) 

2019 (Vice-campeã da) Copa dos Campeões (Três Lagoas) 2022 (1º lugar masculino) Jems, em Três Lagoas 

2022 (2º lugar masculino) Copa dos Campeões, em Coxim-MS 

A equipe de futsal já representou Mato Grosso do Sul nos Jogos Escolares Brasileiros, em João Pessoa (PB) 2016 e Blumenau 2019

Saiba mais 

Guapoy, na língua indígena guarani significa a árvore da figueira que, na mitologia do povo guarani-kaiowá seria um homem bonito e sedutor, viajante que vagueia pelos territórios, procurando lugares para morar. Chega nas casas (árvores) e pede hospedagem, acopla-se no tronco (quarto) de uma outra árvore (casa), se enraíza e seca a hospedeira, tomando conta frondosamente. Também é medicinal, utilizada para o tratamento de várias doenças, dispondo, para uso, sua seiva e casca. 

O Dia dos Povos Indígenas, celebrado no Brasil em 19 de abril, foi criado há 80 anos, pelo presidente Getúlio Vargas, por meio do decreto- -lei 5.540 de 1943, então com o título de “Dia do Índio”. Passa a ser chamado oficialmente de Dia dos Povos Indígenas por meio da lei 14.402, promulgada em 8 de julho de 2022, por Jair Bolsonaro. A mudança do nome da celebração tem o objetivo de explicitar a diversidade das culturas dos povos originários. 

Por Luciano Shakihama  – Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul

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