Com nível do Rio Paraguai em estiagem recorde, empresários sofrem “apocalipse climático”

Foto: Ewerton Pereira
Foto: Ewerton Pereira

Pior cenário dos últimos 60 anos provoca a remarcação e o cancelamento no turismo de pesca

Como estamos acompanhando, o cenário no Pantanal é trágico, bem como o restante do país que está ardendo em chamas. A situação fica ainda mais evidente diante da divulgação de imagens do Rio Paraguai, onde é possível perceber que as pessoas estão conseguindo caminhar até o farol, que tem quatro metros de altura e deveria estar submerso no meio do rio e hoje está completamente fora.

O nível dos rios é monitorado pela Sala de Situação do Imasul. A rede possui treze estações telemétricas distribuídas nos rios Piquiri, Cuiabá, Paraguai, Miranda, Aquidauana, Taquari, Pardo, Aporé e Dourados. Todos os dados foram retirados do Sistema HIDRO, mantido pela ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico).

De acordo com o levantamento, realizado pelo jornal O Estado com os dados do Imasul, é possível observar que a média que o Rio Paraguai perde por dia é de 2 cm. O nível de atenção na régua de Ladário, historicamente, o nível mais baixo medido foi de −61 cm, na década de 1960. O último registro do nível em Ladário indica que está em −48 cm. O Rio Paraguai ultrapassou os três meses em níveis negativos.

O valor da cota abaixo de zero não significa a ausência de água no leito do rio. Esses níveis são definidos com base em medições históricas e considerações locais, sendo que, mesmo quando o rio registra valores negativos, em alguns casos ainda há uma profundidade significativa. No caso de Ladário, por exemplo, abaixo da cota zero, o Rio Paraguai ainda possui cerca de 5 metros de profundidade, conforme dados da Marinha.

“Em acompanhamento à régua usada pela Marinha do Brasil para realizar a medição do nível do rio, o padrão que foi identificado é o de redução gradual. Houve dias, nesse histórico de 2024, em que o nível caiu 1cm, em outros foram 3 cm, houve dias em que se manteve o mesmo nível por mais de um dia. E depende também da região onde se está observando. A régua em Ladário, por exemplo, é uma referência para a navegação e existe uma medição muito antiga”, pontua Sérgio Barreto, biólogo no IHP (Instituto Homem Pantaneiro), coordenador do programa Cabeceiras do Pantanal.

O biólogo ainda traz o histórico dos últimos anos do Rio Paraguai e ressalta que, de acordo com os prognósticos do SGB (Serviço Geológico do Brasil), o caminho é registrar a estiagem mais severa dos últimos 60 anos. “Ano passado, nessa mesma época, a mesma região estava com nível de 3,01 m. Em 2021, um ano com estiagem forte, na mesma data o rio estava com −0,30 cm. O que se pode observar é que neste ano estamos com uma estiagem mais severa, nessa comparação com os últimos 4 anos”.

Estudos da WWA (World Weather Atributtion) indicaram que o Pantanal está vivenciando um extremo incomum de calor, estiagem e ventos fortes. Eles indicaram que, com as condições atuais de clima, com aquecimento de 1,2º C, essas situações intensas que estamos vivendo podem acontecer em intervalos de 35 anos. Mas, se nossa temperatura global aumentar para 2º C, os intervalos podem reduzir para cada 17 anos. Sérgio comenta que ainda não é possível avaliar o prejuízo que a estiagem vai causar ao Pantanal e ao Rio Paraguai.

“Ainda não temos condições de afirmar que essa estiagem que estamos vivendo é para sempre. O Pantanal tem ciclos, o tempo que um ciclo ou outro vai durar não sabemos ao certo neste momento. O que é preocupante é que, em 2020, tivemos grandes incêndios. Quatro anos depois, voltamos a registrar a mesma situação. A estiagem em que estamos começou em 2019 e há estudos que sugerem que ela deve durar seis anos. A natureza é resiliente, mas existe um tempo para que ela faça sua recuperação. Eventos extremos com menor espaço de tempo entre eles são um alerta que estamos tendo, e isso está relacionado também às mudanças climáticas”.

O boletim do Imasul aponta a classificação do rio como estiagem, que seria abaixo da cota com permanência de 95%. A posição de estiagem é a pior entre as classificações. Essa situação aflige os empresários e os corumbaenses, que nunca passaram por uma seca tão rígida como a deste ano.

“A gente nasceu e cresceu aqui em Corumbá, ou melhor, no Pantanal, presenciar o que digamos assim ‘apocalipse climático’ é complicado, dá uma tristeza, um desânimo. Fora que saber que alguns conhecidos estão sendo internados por causa da fumaça, alunos e pesquisadores estão remarcando viagens de campo, pesquisas sendo afetadas, aulas sendo canceladas, é de fato uma tristeza mesmo.”, relata  Maria Vitória de Souza Costa, 23 anos, acadêmica de Geografia e bolsista do LADINE (Laboratório de Dinâmicas Espaciais).

A estudante completa que “o povo corumbaense já presenciou os níveis baixos do rio, mas do jeito que está, não mesmo. E olha que eu sou nova ainda, e segundo meus familiares, nem eles presenciaram isso”.

Sobre essa cena de ver as pessoas andando até o farol, Sérgio diz que é uma novidade até para ele, mas reforça a importância de incentivar as ações de educação ambiental para permitir que as pessoas entendam mais como os atos delas acabam conectando-se com os rios.

“Nessa região do rio Paraguai, há uma certa correnteza. Há canos aparentes, que não ficavam em períodos anteriores. Essa situação pode ser considerada como um ponto para se observar. É fato que situações extremas geram preocupação. Essa estiagem extrema está contribuindo para que ocorram grandes incêndios florestais. E devemos olhar essa estiagem de forma mais além, porque não é só o nível do rio Paraguai que está baixo. Temos também nível baixo em outros rios, como é o de Miranda, um dos principais tributários do Paraguai. A partir desse contexto, é urgente pensar em ações que vão proteger as APPs e favorecer a conservação do território”.

Ainda, a Marinha não impede a navegação no Rio. De acordo com o órgão, o Rio Paraguai possui, em sua extensão, trechos críticos à navegação, os quais são amplamente conhecidos dos navegantes. Porém, a pasta divulgou a relação desses trechos no site do CHN-6 (Centro de Hidrografia e Navegação do Oeste).

“Recomenda a navegação com calados compatíveis com as profundidades existentes a fim de evitar encalhes; redução da carga embarcada para reduzir o calado e redução do número de barcaças dos comboios de modo a diminuir a boca (largura) dos mesmos”.

A Marinha reconhece a importância do rio para diversas áreas do Estado e lamenta a situação de estiagem. “O transporte aquaviário desempenha um papel estratégico na economia do estado do Mato Grosso do Sul, contribuindo para o escoamento da produção agropecuária e impulsionando o turismo e o lazer na região. Neste contexto, os interesses dos setores citados estão diretamente alinhados aos estudos de viabilidade econômica que cada área possui. No que tange ao setor de amadores e transportes ribeirinhos de pequeno porte, os baixos níveis do Rio Paraguai pouco influenciam tais atividades”.

Impacto econômico

Beto Chioquetta, da agência Personal Pesca e da pousada Fecho dos Morros Lodge (Porto Murtinho), sente também no bolso os problemas da seca. “Infelizmente, os níveis dos rios no Pantanal e também na Amazônia estão muito abaixo de todas as médias históricas. O turismo, sobretudo o turismo da pesca, está sendo afetado negativamente por esta situação climática extrema. E, para piorar a situação, não é só o nível baixo dos rios que prejudica, mas principalmente os incêndios, a fumaça e a propaganda negativa que está ocorrendo com essa seca”

Com empresa de hotel, o empresário revela que está enfrentando prejuízos com o cenário atual, por ter que desmarcar clientes. Essa  era para ser uma boa temporada para Beto, e está sendo uma das piores. “Estamos remarcando alguns grupos, porém outros mesmos sabendo da situação mantiveram suas agendas, alterando roteiros para locais que possibilitam a navegação e a pescaria. Este seria um período de alta temporada, mas infelizmente devido aos cancelamentos estamos com datas em aberto, gerando prejuízos. Também fica a preocupação de que essa propaganda negativa gerada pelas notícias da seca e dos incêndios acabe influenciando os pescadores e prejudicando a próxima temporada”.

Por Inez Nazira

 

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