Apesar dos avanços tecnológicos, livrarias da Capital são resistência

Imagem: Danilo Verpa/Folhapress
Imagem: Danilo Verpa/Folhapress

Em meio à modernização, bibliotecas ainda têm clientes fidelizados

 

Para muitos a realidade ainda não faz sentido, mas manter uma livraria no Brasil atualmente é um ato de resistência. Após a repercussão da Livraria Cultura, que havia declarado falência há alguns dias, muitos pararam para refletir sobre a importância do espaço, outros buscaram resgatar o hábito da leitura e da visita a livrarias, a fim de conhecer novas histórias. O jornal O Estado esteve em algumas livrarias conhecidas em Campo Grande, para repercutir sobre o assunto e quais os reflexos disso no setor.

Na Capital, atualmente, existem pelo menos dez sebos e livrarias, entre eles a Leitura, Saraiva, Maciel, Livraria Lê, que estão entre as mais procuradas pela cidade. Contudo, o número já foi muito maior. 

Buscando resgatar a essência do contato com o livro em um ambiente de leitura, a professora de inglês Annahy Delvalles, 34 anos, resolveu ir até uma livraria em busca de novas experiências. “Quando eu soube da Livraria Cultura, isso me fez refletir sobre a quanto tempo eu estava sem ir até uma livraria pessoalmente.

Acho que senti mais o impacto, por já ter ido até a Cultura em São Paulo, e ter vivido experiências únicas naquele lugar. A praticidade de comprar livros pela internet, acaba interrompendo essas vivências. Rapidamente me dei conta do que eu estava perdendo e vim até uma livraria, e já estou aqui há horas. Escolhendo novos livros, os conhecendo, folheando, e tendo esse primeiro contato antes da compra. É lamentável que deixamos de fazer isso na correria do dia a dia, e a cada geração, as livrarias e bibliotecas vão perdendo seu real valor”, disse ela.

Compartilhando da mesma sensação, a artista Selma Peixoto, 32, se diz “fã número 1” das livrarias da Capital. “Costumo ir sempre às livrarias.

Para mim, todos deveriam tirar um tempo do seu dia para se desligar de tudo e ir conhecer novos livros, sentir eles antes de comprar. Isso deveria ser um costume passado de geração em geração, algo que vemos que vem sendo desfeito a cada década. Várias livrarias que eu costumava comprar fecharam aqui na cidade, e não foram substituídas, como lojas de roupas e outras utilidades que fecham para darem lugar a outras. As livrarias e bibliotecas têm se tornado escassas, em todo o país”, salientou.

O escritor de contos Luis Gomes, 28, trabalha com livros  há cinco anos e destacou a diferença no cenário, mesmo em pouco tempo. “Desde quando comecei a trabalhar em uma livraria, pude notar que as coisas foram mudando. É certo que quem gosta de ler, é cliente fixo e não troca essa experiência do contato com uma livraria, mas é preciso admitir que a tecnologia tem dificultado a visita de muitas pessoas a esses ambientes. Muitos optam por comprar o livro pela internet, mas estar cercado de livros e poder despertar um interesse por alguma história que nem sabia que existia, isso é apenas em um ambiente como esse”, defendeu o vendedor.

Citando sobre uma “disputa” com o online, o sócio-gerente da Livraria Leitura no Shopping Campo Grande, Wander Cesar de Lima, acredita que, apesar de muitos verem como concorrência, as compras e os livros online não são uma ameaça para as livrarias e bibliotecas.

“É claro que cada um tem seu espaço e é preciso se adaptar à nova realidade. Na pandemia, a venda online foi nosso maior aliado, mas mesmo tendo seus pontos positivos ou negativos, é indiscutível a livraria física.

Pode parecer clichê, ou inexistente, mas há quem goste de cheirar o livro, namorar ele antes mesmo da compra. Isso é real e vemos com muita frequência. Muitas coisas vão se atualizando, mas há certos setores que não tem como serem substituídos. As livrarias e bibliotecas sempre terão suas experiências originais.”

Mantendo o público e buscando inovar, o gerente da Livraria Maciel na unidade centro, Samuel Duarte, citou sobre a diferença de valores dos livros e suas particularidades. “Os livros pela internet são mais baratos, isso é fato, mas precisamos mostrar aos leitores que só o preço menor não basta, que nada se compara ao ambiente de leitura. Costumamos dizer aos clientes que vêm até a loja, que aqui eles estão redados de histórias. Imagina quanta coisa não tem dentro dessa loja, é conhecer um outro mundo, com infinitas possibilidades, sem sair do lugar. Quem compreende isso, não abre mão de estar nesse ambiente. E com isso, vale a pena o valor mais caro. As vivências que guardamos, não são compráveis”, finalizou. 

De acordo com um levantamento realizado pela ANL (Associação Nacional de Livrarias), em 2014 eram 3.095 livrarias espalhadas pelas cidades brasileiras, ao passo que, em 2022, esse número diminuiu para 2.200 lojas. Significa que, no Brasil, uma livraria encerra suas atividades a cada três dias, em média.

Em repercussão nacional sobre a Livraria Cultura, o sócio da Livraria Drummond em São Paulo, Diego Drummond, comentou sobre os reflexos. “Uma livraria ameaçada de fechar deixa os livros, a leitura e a literatura menores. Espero que os autores, editoras, livrarias e leitores possam criar muitos outros espaços para os livros mesmo sabendo que todos são insubstituíveis. Sugiro um esforço de ampliar os pontos de venda, exposição e experimentação de livros.”

“Os livros pela internet são mais baratos, isso é fato, mas precisamos mostrar aos leitores que só o preço não basta”, comentou Samuel Duarte, gerente da Livraria Maciel

 

SOLICITAÇÃO DE SUSPENSÃO DA PERÍODO DE FALÊNCIA

A Livraria Cultura conseguiu, na última quinta-feira (16), uma liminar que suspende o decreto de falência da empresa. A falência da companhia foi determinada na semana passada pelo juiz Ralpho Waldo de Barros Monteiro Filho, da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo. O desembargador J. B. Franco de Godoi, relator do recurso da Cultura, que concedeu a liminar, disse que é preciso fazer um novo exame das provas que basearam a sentença de Monteiro Filho, em razão dos efeitos da decisão que seriam irreversíveis.Na sentença, o magistrado afirmava que, apesar de reconhecer a importância da Livraria Cultura, o grupo não conseguiu superar sua crise econômica. 

Segundo o juiz, o plano de recuperação judicial vinha sendo descumprido e a prestação de informações no processo vinha sendo feita de modo incompleto.

A Cultura recorreu da decisão na terça-feira (14). A empresa admitiu que chegou a atrasar alguns pagamentos previstos no plano de recuperação, por causa da pandemia e da situação econômica do país, mas afirmou já estar em dia com os compromissos apontados pela administradora judicial como pendentes. O caso segue sendo acompanhado

 

Por Brenda Leitte– Jornal O Estado do MS.

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