“A saudade da família dói, mas aqui temos uma vida digna”, dizem venezuelanos contratados em Frigorífico de Rochedo

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Para fugir da fome, falta de emprego, inflação alta e pouco poder de consumo, 48 estrangeiros vindos da Venezuela, chegaram no interior de Mato Grosso do Sul, no dia 21 de maio deste ano, com objetivo de trabalhar em um Frigorífico na MS-080 em Rochedo, a 82 quilômetros de Campo Grande.

Foto: Willian Leite

A empresa com quatro unidades espalhadas pelo Brasil e duas em MS, está em processo acelerado de expansão. Dado que, segundo a direção, a exportação para a China, foi novamente habilitada, após dois anos de pandemia, o que fez com que a unidade abrisse essas novas oportunidades.

No mês de maio, foram disponibilizadas 50 novas vagas para admissão de ‘Auxiliar Geral de Produção”. Neste caso, dos 50 venezuelanos trazidos por meio da Operação Acolhida, desenvolvida pelo Exército Brasileiro e coordenada pelo CCI (Centro de Coordenação e Interiorização), com sede em Boa Vista, Capital do estado de Roraima, 48 foram os aprovados no processo seletivo.

Esses emigrantes, segundo o Exército, são refugiados que chegaram na fronteira, no norte do Brasil e são acolhidos pela operação. Inicialmente, eles são cadastrados com todas as informações pessoais e o perfil profissional de cada um. Após ser inserido no sistema de interiorização o emigrante escolhe a modalidade sendo designado conforme sua decisão.

São três categorias de interiorização, o VES (Vagas de Emprego Sinalizadas), ‘caso dos selecionados em Rochedo’, Reunificação Familiar (quando o emigrante tem parentes já instalados no Brasil) e Reunificação social (Quando algum amigo já esteja morando no Brasil).

No caso do frigorífico, os 48 selecionados foram designados no sistema VES, já com vaga de emprego garantida. Todos começaram a trabalhar no dia 1 de junho de 2022. O sistema acolhedor, segundo o Exército, tem atualmente 170 mil emigrantes cadastrados e desses, mais de 70 mil já foram interiorizados em todo o território nacional. Atualmente existem no estado, além desses 48 venezuelanos, outros 3,207 estrangeiros que foram interiorizados pela Operação do Exército na segunda maior cidade do estado em Dourados.

Para a empresa, surge uma nova modalidade de contratação, que segundo, Rafael Matsuzaki da Silva, Gerente Administrativo e de Recursos Humanos, é uma necessidade antiga que agora pode ser solucionada. “Rochedo tem população estimada em 5 mil pessoas. Hoje são cerca de 900 colaboradores e temos intenção de, ainda este ano, chegar nos 1,200. Aqui na cidade não encontramos trabalhadores o suficiente para preenchimento das vagas”, explicou Rafael Matsuzaki.

Foto: Willian Leite

O gerente relembra o primeiro venezuelano contratado no início do ano de 2019. “Há três anos recebi a informação de um supervisor que trabalhou aqui por sete meses, de que em Mozarlândia interior do estado de Goias, havia um eletricista venezuelano com muita experiência. Fizemos o processo seletivo e hoje ele trabalha conosco e felizmente trouxe sua esposa e atualmente, mora em Rochedo e é um profissional com habilidades excelentes”, relatou o gerente.

No segundo dia de trabalho, o auxiliar de desossa, Luis Manuel Hernadez, 39 anos, tem pouco domínio da língua portuguesa e é bem objetivo nas respostas. Ele é um dos 48 venezuelanos admitidos pelo frigorífico. “Primeiro fui morar no estado de Roraima e depois fiquei sabendo dessa oportunidade e decidi vir tentar. Em Roraima ficaram minha filha de 22 anos e minha esposa de 46 anos. Eu sempre trabalhei de maneira informal e hoje tenho a oportunidade de ter um emprego registrado. A empresa nos alojou e ainda estão pagando nossa moradia e nos dando alimentação”, afirmou.

Foto: Willian Leite

Histórias de saudade e superação

“É uma oportunidade maravilhosa trabalhar, ser valorizada, ganhar remuneração digna e ainda ter meu filho perto, durante meu expediente”, diz Maury Rabelo, 30 anos, que se formou para ser professora de educação infantil na Venezuela e descobriu uma nova vida, vindo para Mato Grosso do Sul.

Há dois anos no Brasil, Maury conta com alegria e sorriso no rosto como a oportunidade de trabalho, mesmo em outra área, mudou os rumos de sua vida pessoal e profissional. Antes de desembarcar em Campo Grande, ela foi para a Colômbia e ficou seis meses em 2020, tentando melhorar de vida, mas sem sucesso.

“No meu país trabalhamos um mês e o dinheiro recebido, não dá para comprar sequer, um pacote de feijão. Muito difícil viver lá, sou professora para educação infantil, isso na Venezuela. Estudei cinco anos e não conseguia ganhar o mínimo para sobreviver. Meu salário mensal em reais não chegava nem perto do que é pago aqui no Brasil. Lá, o salário é equivalente a R$ 350,00 reais. Só não passava fome, porque trabalhava como autônoma, vendendo roupa, para complementar minha renda”, relatou a venezuelana.

Foto: Willian Leite

Ela conta que a expectativa agora é passar no processo de seleção interna para ‘operadora de máquinas’. “Aqui foi tudo muito rápido. Tirei meu documento de permanência no país em duas semanas. Um primo do meu marido já estava na cidade vizinha em Corguinho e nos encorajou a vir. Hoje trabalhamos juntos, meu marido e eu na mesma empresa e no mesmo período”, relata.

Maury lembra dos pais, que ainda continuam na Venezuela e passam pelas mesmas dificuldades. “A saudade da família dói, mas aqui temos uma vida digna. Pelo menos, posso mandar uma ajuda financeira para eles. Até quero trazer meus pais, mas eles não se desprendem de lá. Meu objetivo aqui é sempre crescer e ganhar melhor”, disse.

Durante a gravidez, por quatro meses, Maury ainda continuou trabalhando e afirma ter tido tratamento diferenciado com atenção especial. “Na época da gravidez a empresa aumentou meu horário de descanso e ainda nos proporcionou uma dieta balanceada. Depois meu filho nasceu e consegui uma vaga na creche interna. Essas são algumas das diferenças na vida profissional por aqui”, comemorou.

Primeiro venezuelano contratado abre portas para outros emigrantes

O eletricista emigrante, Karlay Antônio Júnior Suárez,41 anos, foi o primeiro a encarar o deslocamento de Roraima para Mato Grosso do Sul, ele conta que também teve ajuda de um interlocutor para assumir a vaga no frigorífico.

“Fiquei lá em Roraima três meses, mas não consegui emprego. De Boa Vista, fomos para Mozarlândia em Goiás e lá, o bispo Aldair da Igreja Católica, nos acolheu. Nessa época tentei vaga em uma unidade da JBS, mas na contratação era necessário ter título de eleitor, mas infelizmente como eu era estrangeiro não possuía”, disse.

Karlay, conheceu na cidade um colega que veio trabalhar no frigorífico em MS. “Ele estava estava em Goiânia e acabou vindo para Rochedo e me ligou falando da oportunidade. Depois de nove meses eu vim para cá. Após tanto sofrimento e como não conhecia muito o rapaz que me indicou, fiquei sem esperança. Imaginava que enfrentaria aquela burocracia que foi em Goiás. Fui Surpreendido, cheguei e foi tudo muito rápido. Tudo deu certo e ao começar a trabalhar, fui bem acolhido e me acostumei rápido com meus colegas de trabalho que me receberam com muito respeito”, explicou o eletricista.

Hoje há quatro anos na empresa, ele subiu de nível, é ‘eletricista júnior’ e ganha um salário mais alto. “Aqui tivemos um filho que é brasileiro. Hoje consegui comprar um carro, minha esposa tem um trailer para vender roupas e vivemos muito bem sem intenção de sair de Rochedo”, afirmou.

Foto: Willian Leite

Com objetivo de subir de cargo, venezuelano pagou do bolso curso de língua portuguesa

Com esperança de ascensão profissional, o jovem que tentou por três vezes uma promoção, mas não passou por falta de domínio da língua portuguesa, decidiu por conta própria pagar curso de aperfeiçoamento de linguagem.

“Falei para os psicólogos e o pessoal da seleção interna que eu não iria desistir. Paguei cinco meses de curso. Minha dificuldade era sobre a questão gramatical, não escrevia muito bem o português. Hoje meu papel é cuidar para que o produto chegue ao cliente com a qualidade exigida e que esteja nos requisitos pré-estabelecidos pela empresa. Quem estuda encontra o que quer. Aqui eu tenho uma qualidade de vida que jamais imaginei ter em meu país”, disse.

Na Venezuela, o estudante de enfermagem, Luis Alberto Gomes Rodrigues, 20 anos, iniciou os estudos com intuito de ter uma boa colocação do mercado de trabalho, mas a realidade no país, segundo ele, não ajudou e há dois anos ele trabalha no frigorífico.

Foto: Willian Leite

“Lá é assim. Se você toma café da manhã e almoça, você não janta. Se ficar doente, não tem condições de comprar remédio. Lá nós usamos a mesma roupa o ano todo. Diferente daqui que temos como manter nossa vida de maneira minimamente digna. Hoje, de todos os meus parentes que vieram para cá, 30% trabalham aqui. Por onde passo tem um parente”, relatou.

Hoje, em um cargo que proporciona um melhor salário, o auxiliar de garantia da qualidade, planeja aproveitar todas as oportunidades de crescimento no frigorífico. “Trabalhava no setor que processava os miúdos, passei por vários processos aqui dentro, cai, tropecei bastante, mas não desisti. Até que recebi a primeira classificação e fui lutando e recebi a segunda classificação e hoje estou aqui trabalhando no local que eu quero e me sinto bem”, explicou.

Números de interiorização da Operação Acolhida e colaboração da ONG Visão Mundial

Desde o início da interiorização, eixo de atuação da Operação Acolhida, 74.375 migrantes e refugiados foram enviados para outras regiões do país. As cidades que mais receberam esse público foram: Manaus (5.287), Curitiba (5.014), São Paulo (4.163), Dourados (3.207) e Porto Alegre (2.492). Esses dados são do último informe, de abril de 2022.

Informe disponível em: https://brazil.iom.int/sites/g/files/tmzbdl1496/files/documents/informe-de-interiorizacao-abril-2022.pdf

A partir de agora, a ONG Visão Mundial está dando suporte nas interiorizações, apoiando com um cartão financeiro, para ajudar nas despesas básicas no primeiro mês de recomeço. No caso de Mato Grosso do Sul, os contratados terão alojamento e alimentação por 90 dias.

Todas as pessoas que participam da nossa seleção fazem parte da modalidade Vaga de Emprego Sinalizada (VES), ou seja, estão indo para outra cidade com emprego formal garantido. Esses migrantes buscam, por vontade própria, a interiorização, e cabe a eles aceitar a vaga de emprego que, porventura, lhe for oferecida.

Processo de interiorização

O primeiro passo do processo de interiorização é o contato com as empresas. Com isso, a Operação Acolhida é apresentada e detalhada, é explicado como funciona o processo de interiorização, captação de vagas, fluxos, e documentações necessárias. No caso de Rochedo, a empresa colocou como requisitos: ser homem solteiro e sem experiência de mercado.

Todos os migrantes passam por orientação sobre o mercado de trabalho brasileiro, legislações vigentes, direitos e deveres previstos no contrato formal. Além disso, também são orientados quanto às violações trabalhistas e de direitos humanos como denunciar.

Emprego formal através da ONG Visão Mundial

No ano passado, a ONG Visão Mundial auxiliou 338 migrantes a conseguirem emprego formal nos três estados. São pessoas capacitadas que passaram pelo curso de língua portuguesa e, depois, por cursos profissionalizantes oferecidos gratuitamente pelo projeto de resposta à crise migratória. Neste ano, já foram contratados com carteira assinada, a partir da atuação da organização, 157 migrantes e refugiados, sendo 77 em Boa Vista (RR), 27 em Manaus (AM), e 53 em São Paulo (SP).

Serviço

Quem estiver interessado em conhecer o trabalho da Visão Mundial ou queira contratar migrantes e refugiados pode acessar o site da organização ou entrar em contato pelo WhatsApp com alguns dos territórios onde são desenvolvidas as atividades.

Site: visaomundial.org.br/iniciativas/ven-tu-puedes

Telefones: Roraima (95) 8407-1061 ou (95) 8406-1341. Amazonas (92) 98484-1474. São Paulo (11) 99457-3182 e (11) 97873-2401

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