Proporcionar autonomia, estimular o conhecimento e ampliar perspectivas são alguns dos ricos benefícios que a alfabetização propicia a quem se dedica ao universo da leitura e escrita. No último dia 14, dia em que a alfabetização é celebrada, com o intuito de conscientizar que a educação é um direito e não um privilégio, o Jornal O Estado conversou com alunos da EJA (Educação de Jovens e Adultos) fase inicial da escola Osvaldo Cruz, localizada no bairro Jardim Palmira, sobre a importância do estudo independente da idade.
Aos 14 anos veio o casamento e aos 15, o primeiro filho. Apesar de designada à vida doméstica e impossibilitada de discernir sobre os rumos da própria vida, a aposentada Lurdes Meireles, 68, compartilha que conseguiu autorização do marido para estudar.
“Quando a gente é menina nova, a gente tem que trabalhar pra ajudar os pais. Depois, eu me casei nova e, em seguida, eu tive meu filho. Eu pedi pro meu esposo pra eu poder estudar, ele deixou. Mas um dia eu vi ele mexendo nos meus cadernos, foi quando ele disse que eu ia parar de estudar porque eu era muito inteligente. Se continuasse assim, eu acabaria largando ele. Larguei os estudos”, compartilha. A vontade de estudar era tamanha que quatro décadas mais tarde, com os filhos adultos e o falecimento do marido, Lurdes retorna à escola, aos 68 anos. Em 2024, reiniciou o aprendizado na escola Osvaldo Cruz, lugar onde, segundo suas palavras, pode fazer o que sempre quis. “O estudo faz muita falta. Agora eu posso falar que estou conquistando o que tanto quero: saber ler e escrever. Porque a gente, sem estudo, a gente não é nada. O estudo sempre em primeiro lugar. É tão gostoso você pegar uma coisa e ler, sair de casa e conseguir ler. Nossa, isso é uma coisa muito preciosa”, enfatiza.
Para a aposentada Ramona Benitez, de 65 anos, a alfabetização também ocupa um papel central em sua vida. Seu estudo foi coibido ainda cedo pelo pai, que não via propósito na atividade. Mas a vontade em Ramona também persistiu. Enquanto casada, por conselho do marido e depois por incentivo da filha, a aposentada retorna à escola, que frequenta há cinco meses. Durante o período, Ramona já aprendeu a soletrar e anseia, com a conquista da alfabetização, escrever um diário sobre sua vida.
“E meu pai falava pra mim e pra todo mundo de casa que a gente não precisava estudar, que ninguém ia conseguir ser advogado. Depois que eu casei, meu marido era peão de boiadeiro, e me disse: “olha, minha gata, você devia estudar, porque eu não vou dar aula pra você a vida toda. Algum dia você vai ter sua própria vida, porque a gente não nasceu pra ser dependente”. Com 50 anos, eu voltei a estudar, só parei quando perdi um filho. Por causa da idade, achei que ia pagar mico, mas minha filha falou que não e retornei mais uma vez. Eu quero deixar um diário. Escrever tudo o que eu sofri, como eu aprendi com os professores na sala de aula e foi muito bom pra mim”, revela.
A necessidade de se dedicar ao trabalho, bem como a falta de incentivo, foram os principais fatores comentados pelos alunos como obstáculo para continuar os estudos. “Eu parei porque trabalhava na fazenda. Na minha época, eu não tinha tempo para estudar. Aí me indicaram para seguir o estudo. Falaram para eu vir aqui na escola. Eu vim. Agora eu quero ser professor”, disse o aposentado Marcos da Silva, de 48 anos.
Docente há mais 10 anos, Ana Paula Pereira, 45, que leciona na Osvaldo Cruz como professora da EJA há mais de 4, descreve, emocionada, o quão transformador é proporcionar o conhecimento aos alunos, e que, independente da idade, aprender a ler e escrever é um direito que proporciona ao cidadão sociabilidade, renda, segurança e independência.
“É muito importante porque, geralmente, são muito excluídos da sociedade, da sociabilidade, mesmo os que não são idosos. Pessoas que passaram a vida inteira em casa, sem estudar, quando vêm para a escola, encontram outro mundo; encontram uma outra leitura de mundo e até de si próprias. Então a gente vê as mudanças não só em compreender o que é a leitura, o que é essa palavra, conseguir juntar letra, som, função e entender o que está escrito. É uma compreensão além. É o que é isso, o que significa para eles, o que significa ter visto isso [um texto] a vida inteira e não saber o que era”, explica.
EJA na Capital
A escola Osvaldo Cruz é dedicada ao EJA e aulas são disponibilizadas nos três turnos. O perfil dos alunos é variado, tanto em gênero quanto em idade. A idade mínima permitida para matrícula é a partir de 15 anos. Na escola, há alunos dos 25 até 89 anos, segundo o coordenador Marcelo Corrêa, 41. Contudo, a maior dificuldade da educação voltada aos adultos é a falta de informação sobre a EJA. “A gente tem usado muito o Instagram aqui na escola para alcançar esses alunos. A nossa maior dificuldade, realmente, é trazer esses alunos, incentivá-los a vir para a escola e mostrar a eles que existe essa possibilidade de continuarem estudando. Mas a informação não chega até onde tem que chegar. Às vezes, eles se intimidam, dizem que perdeu muito tempo, mas a gente tem um perfil de professores preparado para que esse aluno se sinta bem e permaneça aqui com a gente”, garante o coordenador.
Com o objetivo de superar o analfabetismo e elevar a escolaridade de jovens, adultos e idosos; ampliar a oferta de matrículas da educação de jovens e adultos (EJA) nos sistemas públicos de ensino, inclusive entre os estudantes privados de liberdade; e aumentar a oferta da EJA integrada à educação profissional, coordenado pelo MEC (Ministério da Educação), foi implementado no início deste ano o Pacto EJA (Pacto Nacional pela Superação do Analfabetismo e Qualificação da Educação de Jovens e Adultos). 3.280 municípios e 26 secretarias estaduais já fazem parte da política. Segundo dados do MEC, Mato Grosso do Sul aderiu em 62% ao programa, ocupando a 16ª posição na lista de municípios que aderiram ao Pacto EJA. Os dados são do último levantamento do MEC, realizado em julho.
Em Campo Grande, 11 escola oferecem a EJA, são elas: Consulesa Margarida Maksoud Trad, Profª. Ione Catarina Gianotti Igydio, Profª. Iracema de Souza Mendonça, Pe. Tomaz Ghirardelli, Prof. Plínio Mendes dos Santos, Professora Maria Regina de Vasconcelos Galvão, Prof. Antonio Lopes Lins, Carlos Vilhalva Cristaldo, Osvaldo Cruz, Nerone Maiolino e José Mauro Messias da Silva. Apenas a Osvaldo Cruz disponiliza a EJA no período matutino, vespertino e noturno.
Por Ana Cavalcante