“A escola não pretende ocupar o lugar da casa ou da família, mas ser uma extensão dessas”

Talita Martins
Foto: Arquivo Pessoal

Para pedagoga é imprescindível uma parceria entre escola e família no período de adaptação

O período de férias está chegando ao fim e com ele chega também o início do ano letivo escolar e o de adaptação para os novos alunos e para aqueles que estão mudando de escola. Para a pedagoga e mestre em Saúde e Desenvolvimento pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Talita Martins, durante a fase de adaptação, que são construídos novos vínculos, além de regras e valores é necessário que a família e a escola estejam alinhados. “A escola não pretende ocupar o lugar da casa ou da família, mas ser uma extensão dessas. Por isso, a parceria entre escola e família neste período é imprescindível. Ambos devem estar alinhados sobre como proceder com a criança e o que esperar nessa fase”, explica.

Já em relação aos desafios deste período, segundo Talita está o de estabelecer uma nova rotina, com horários adequados para dormir e acordar, os horários da escola, as demandas e as atividades extracurriculares. “As crianças e os adolescentes no início do ano estão voltando de férias, muitos sem rotinas organizadas. Os pais devem, antecipadamente, conversar com seus filhos sobre as mudanças, a nova dinâmica de todos da casa e os novos horários”, aconselha.

E não tem como falar de educação e desse retorno sem citar o período pandemico. A pedagoga afirma que para recuperar os impactos na aprendizagem é necessária uma força tarefa. “Certamente, por meio de uma força tarefa, entre família, escola e aluno. O impedimento das crianças e adolescentes de frequentar as escolas por um longo período repercutiu nas aprendizagens pedagógicas, mas também causou prejuízos emocionais e sociais”, garante.

O Estado: Por que a adaptação escolar é um processo compartilhado e colaborativo?

Talita: A adaptação à escola é um processo de crescimento, de expectativas e frustrações, que permitirá à criança, a seu tempo, integrar-se para conhecer um novo ambiente social, além do familiar e, com isso, partilhar e pertencer a um novo grupo, de adultos e crianças. Nesta fase de adaptação, são construídos novos vínculos, além de regras e valores. A escola não pretende ocupar o lugar da casa ou da família, mas ser uma extensão dessas. Por isso, a parceria entre escola e família neste período é imprescindível. Ambos devem estar alinhados sobre como proceder com a criança e o que esperar nessa fase. Os pais devem procurar a escola antecipadamente para sanar suas dúvidas, angústias e compartilhar suas percepções, para que juntos caminhem e superem da melhor forma possível esse momento.

Outro aspecto de suma importância para os pais é ter conhecimento sobre a missão e valores da escola e compreender se estes estão de acordo com os seus valores familiares. Uma escola de verdade tem como objetivo a formação humana das crianças e dos adolescentes, por meio do desenvolvimento de bons hábitos, virtudes, formação intelectual, física, social e emocional.

O Estado: Como ajudar a criança na adaptação escolar?

Talita: Na adaptação ocorrem dois processos simultâneos: o de separação e o de construção de novos vínculos. A criança passa a conviver em um novo ambiente, que não é o da própria família, e aprenderá a dividir espaços, brinquedos, atenção e afetos. Uma criança em período de adaptação tem suas energias voltadas para a elaboração da separação, dividindo-se entre sentimentos de alegria perante o novo e de medo, também provocado por ele. Nos primeiros dias, quando as crianças são bem pequenas, entre zero e seis anos, muitas escolas solicitam que um membro da família permaneça no ambiente escolar, para transmitir segurança e confiança, de modo que o processo de adaptação evolua gradualmente, até que esse responsável possa ausentar- -se e retornar para buscar a criança no horário combinado.

O Estado: Como recuperar o impacto da aprendizagem decorrente do período da pandemia

Talita: Certamente, por meio de uma força tarefa, entre família, escola e aluno. O impedimento das crianças e adolescentes de frequentar as escolas por um longo período repercutiu nas aprendizagens pedagógicas, mas também causou prejuízos emocionais e sociais.

O Estado: Quais os desafios enfrentados em todo começo de um novo ano letivo?

Talita: Entre os desafios, está o de estabelecer uma nova rotina, com horários adequados para dormir e acordar, os horários da escola, as demandas da mesma e as atividades extracurriculares. As crianças e os adolescentes no início do ano estão voltando de férias, muitos sem rotinas organizadas. Os pais devem, antecipadamente, conversar com seus filhos sobre as mudanças, a nova dinâmica de todos da casa e os novos horários. Também, falar das novas regras, fazendo combinados, para o bom convívio entre todos da casa. Nesses momentos, é relevante apresentar as expectativas com relação à postura dos filhos e seus comportamentos, e dizer que estarão caminhando juntos para a ambientação e estabelecimento saudável da nova rotina. Lembrando que não adianta mandar o filho organizar seus materiais escolares sozinho, falar que precisa dormir mais cedo e acordar mais cedo – os pais precisam inicialmente fazer junto, dar o modelo correto, incentivá-los, acompanhá-los e supervisioná-los, até que os novos hábitos sejam instalados.

O Estado: Como está ou fica o desenvolvimento das crianças com tanto acesso a tecnologia?

Talita: Preocupante. No livro “A fábrica de cretinos digitais”, o autor Michel Desmurget, doutor em neurociências, apresenta uma série de pesquisas e reforça os prejuízos que as mídias tecnológicas, quando usadas antecipadamente e sem controle e supervisão dos conteúdos e do tempo, estão causando nas crianças e nos adolescentes. Os resultados são catastróficos, desde problemas oftalmológicos, atraso no desenvolvimento motor, da fala e da socialização, defasagens pedagógicas, aumento dos distúrbios do neurodesenvolvimento (exemplo TDAH), consumo e contato precoce com pornografia, imaturidade intelectual, perda de valores e virtudes, até a constatação de que, pela primeira vez, filhos têm QI inferior ao dos pais.

O Estado: Qual a influência da cultura moderna no ambiente escolar?

Talita: Como educadora, diretora de escola e mãe, percebo e estudo que a cultura moderna tem impactado na perda de valores universais, imprescindíveis e inegociáveis na educação e formação do caráter de crianças e adolescentes. Já dizia Aristóteles, há 300 a.C., “O bem é a causa final dos nossos atos”, assim, “O bem é aquilo a que todas as coisas tendem”, ou seja, precisamos ensinar aos nossos filhos e estudantes que o bem, a verdade e o belo existem e, em contrapartida, que o mal, a mentira e a feiura também existem. São como dois cavalos em uma corrida, ganhará, aquele que mais alimentarmos e treinarmos. Para tal compreensão, não vejo outro caminho, senão o da educação em virtudes, em que haja ordenação dos afetos, das paixões e dos prazeres, educação da vontade, para que façamos o que é certo, necessário e correto e, não apenas o que nos convém. Forjaremos, assim, indivíduos fortes e corajosos, que saberão enfrentar as diversas contrariedades e dificuldades da vida, sempre guiados pela justiça e prudência. Com isso, certamente serão capazes de descobrir o verdadeiro sentido de suas vidas. Vejam quanta sabedoria tudo isso traz para o ser humano. Certamente, serão formados melhores pais, professores, médicos, advogados, enfermeiros, entre outras figuras tão importantes em nossa sociedade.

O Estado: A formação do caráter da criança vem da onde?

Talita: Primeiramente da família, mas o ambiente também educa. Desta forma, os pais devem estar atentos à escola que seu filho frequenta, às suas amizades, ao que estão consumindo visualmente, por meio das mídias tecnológicas, ao que estão lendo e ouvindo. Tudo isso está formando o imaginário das crianças e dos adolescentes, alimentando seu repertório de vida, ficando retido na memória e forjando o caráter.

O Estado: Qual a hora certa, se é que tem, para se educar?

Talita: Quanto antes, melhor, mas nunca é tarde para começar. Portanto, a partir do momento que uma criança entende que ela é um ser humano e que não é mais uma extensão da mãe (próximo aos seis meses de vida), o trabalho pode ser iniciado. É claro que um bebezinho é movido pela rotina que a mãe, que a família e que os demais cuidadores disponibilizam para ele, mas é na organização dessa rotina – alimentação, sono, higiene e brincar – que iniciamos o contato com a temperança e as ordens, “controlando” e organizando a vida do bebê.

Todos nós precisamos ter freios. Eles são importantes para desfrutarmos, com prudência, a liberdade. Servem para aprendermos a identificar e a lidar com os momentos de perigo, a afastar os vícios, a controlar nossos impulsos e a agir com respeito e tranquilidade nas diversas circunstâncias da vida. Por isso, devemos introduzir aos pequenos, de maneira simples e prática, a virtude da temperança. Por exemplo, as crianças e os adolescentes devem saber que não podemos viver em função das coisas, mas, sim, em função do tempo. Eles precisam entender que temos horários para estudar, para dormir, para rezar, para nos alimentar, para brincar e nos divertir. Compreender também que, quando não respeitamos essa organização darotina, podemos ter consequências, como o baixo desempenho escolar e a aquisição de doenças por falta de sono, de higiene ou de uma alimentação não saudável. Com isso, podemos afirmar que “tudo tem um onde, guardo já” e “tudo tem um quando, faço já”. Ao ensinar a criança e o adolescente a cumprirem com seus deveres você estará, também, exercitando a virtude da fortaleza, pois é só por meio de esforços e de sacrifícios diários que conquistamos as grandes coisas.

Então, vale a reflexão: como queremos que nossos filhos sejam organizados se, quando eles entram no nosso quarto, veem sapatos jogados, toalhas de banho sobre a cama, gavetas transbordando de roupas não dobradas, ou percebem que sempre estamos atrasados para os compromissos? Nós somos o maior modelo que eles podem ter. Aristóteles já dizia: “Imitar é natural ao homem”. Nessa linha, que sejamos os melhores exemplos dos nossos filhos desde bem cedo. Nosso papel enquanto pais é mostrar, nas pequenas atividades diárias, exemplos de atos virtuosos. No início, quando colocamos tudo isso num contexto prático da vida familiar, parecerá difícil e mecânica a criação de novos hábitos. Mas, com o tempo, e por meio de conversas constantes e assertivas, sempre antecipando para seu filho o que você espera dele e por que você espera que ele se comporte de tal maneira, os resultados serão cada vez mais positivos. Lembre-se: seu filho deve ser o seu melhor projeto de vida. Jamais desista dele.

O Estado: Você teria indicações literárias para pais e filhos para esse período de adaptação

Talita: Diversas, mas para começar indico esses: “Carinho e firmeza com os filhos”, de Alexander Lyford- -Pike; “A arte de dar limites”, de Luiz Hanns; “A educação das virtudes humanas e sua avaliação”, de David Isaacs; e “Filhos: quando educá-los”, de James B. Stenson.

Por Rafaela Alves.

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