Órgão vê “consequências nefastas” em possível aval do Supremo à contratação de trabalhadores como pessoa jurídica
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) enviou um parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF) alertando para os riscos fiscais e previdenciários da chamada pejotização — prática em que empresas contratam prestadores de serviço como pessoa jurídica, burlando a legislação trabalhista. Segundo o órgão, a medida pode gerar perdas bilionárias e comprometer o financiamento da Previdência Social.
“Tal artifício aniquilaria o dever que vincula profissionais liberais qualificados ao pagamento de imposto de renda”, afirma o documento. “E desfalcaria o caixa da Previdência Social, afastando-se a incidência da contribuição social patronal”, completa a PGFN, que integra a Advocacia-Geral da União (AGU).
O debate ganhou novo fôlego após o ministro Gilmar Mendes, do STF, determinar na segunda-feira (14) a suspensão de todos os processos judiciais no país que envolvem a pejotização. A medida ocorre em meio à tramitação de ações que discutem o reconhecimento ou não de vínculos empregatícios em casos de prestação de serviços por meio de empresas individuais.
A prática não é nova, mas seu impacto preocupa especialistas. Um estudo do economista Nelson Marconi, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), estima que a pejotização provocou perda de R$89 bilhões na arrecadação entre 2017 e 2023, período em que a terceirização da atividade-fim foi autorizada. Segundo o levantamento, o prejuízo pode passar de R$380 bilhões caso metade da força de trabalho formal migre para esse tipo de contratação.
“Assim, ressaltamos que a perda de receita decorrente da pejotização causa impacto relevante nas contas públicas. É um importante aspecto a considerar quando são analisados os efeitos da flexibilização ampla pretendida para o mercado de trabalho na direção de possibilitar situações de violação à legislação trabalhista”, destacou Marconi no estudo.
No parecer enviado ao STF, a PGFN reforça que o modelo afeta principalmente profissionais de maior renda, o que amplia o efeito nas contas públicas. Segundo o procurador da Fazenda Carlos de Araújo Moreira, autor do parecer, ao atuarem como empresas no regime do Simples Nacional, esses trabalhadores se beneficiam de uma carga tributária reduzida e, ao mesmo tempo, os dividendos que recebem são isentos de tributação.
A manifestação foi protocolada em abril de 2023, em uma ação em que um trabalhador tentava no Supremo reverter a decisão que negou o reconhecimento de vínculo empregatício com uma empresa de telecomunicações.
“Para evitar tais consequências nefastas, entende a União que a livre iniciativa, no direito do trabalho, deve ser compatibilizada com o estrito respeito e cumprimento do disposto nos artigos 3º, 9º e 442º, todos da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), preservando-se o princípio da verdade real na justiça do trabalho”, argumentou a PGFN.
Desde que o STF autorizou, em 2018, a terceirização de atividades-fim, empresas têm recorrido ao tribunal para contestar decisões da Justiça do Trabalho que reconhecem vínculos formais. A multiplicação desses processos e decisões conflitantes entre ministros levou Gilmar Mendes a criticar, nesta semana, o que chamou de “reiterado descumprimento” da decisão do Supremo.
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