No país, mais de mil consumidores recorreram a canais oficiais para denunciar irregularidades
As apostas virtuais, que já acumulam milhares de queixas em todo o Brasil, quase não aparecem nas estatísticas de Mato Grosso do Sul. Até agora, apenas uma denúncia foi registrada no Procon estadual — um consumidor que teve a conta suspensa por “atividade proibida”, alegação contestada pelo cliente, que acusa a empresa de falta de transparência e prática abusiva.
Em nota enviada ao O Estado, o Procon-MS afirmou que as apostas virtuais devem respeitar os preceitos do CDC (Código de Defesa do Consumidor) e destacou a necessidade de políticas de prevenção ao superendividamento.
“Há que se tratar o tema com responsabilidade. Isso porque as apostas podem resultar em impactos negativos à saúde mental e financeira das pessoas, sendo necessário identificar e tratar adequadamente eventuais comportamentos compulsivos”, alerta o secretário-executivo do órgão estadual de defesa do consumidor, Angelo Motti.
Queixas em alta no país
O cenário nacional mostra a dimensão do problema. Dados do Ministério da Justiça revelam que, desde a entrada em vigor da regulamentação em 2025, já foram contabilizadas mais de mil queixas no portal Consumidor.gov.br contra 23 casas de apostas on-line.
Entre os principais problemas relatados estão bloqueios de contas sem explicação, bônus com regras ocultas, atrasos em pagamentos de prêmios e atendimento ineficiente. Só de janeiro a abril, mais de mil consumidores recorreram a canais oficiais para denunciar irregularidades.
Das 376 reclamações classificadas em detalhes pelo Ministério, 21% tratam de não cumprimento de ofertas ou serviços, enquanto 17% envolvem suspensões indevidas de contas. Outros pontos recorrentes são dificuldades de reembolso e falhas em transferências.
“É um setor de alto risco. Muitos brasileiros são atraídos por promessas ilusórias de ganhos rápidos, em um ambiente pouco transparente e, por vezes, abusivo”, afirmou Wadih Damous, secretário Nacional do Consumidor, ao avaliar a situação.
Entre o vício e a ilusão
Especialistas em saúde mental e comportamento do consumidor têm feito alertas sucessivos: a dinâmica das apostas virtuais segue lógica semelhante à dos jogos de azar tradicionais, com alto potencial de vício. O impacto é ainda mais severo em comunidades vulneráveis, onde famílias chegam a comprometer parte da renda básica em busca do lucro fácil prometido pelas propagandas.
O risco é real. Pesquisa da Senacon identificou relatos de consumidores que chegaram a sofrer “mal-estar físico ou psicológico” em decorrência do serviço, além de contratos com cláusulas consideradas abusivas.
Leão x Tigre
O fenômeno das bets não pode ser visto isoladamente. Para a presidente da FCDL-MS, Inês Santiago, o crescimento desse mercado tem raízes em um problema estrutural: a alta carga tributária brasileira.
“No Brasil, o ‘jogo’ entre o Tigre e o Leão é a realidade financeira de milhões de brasileiros. Para fugir do Leão, que simboliza a tributação sufocante, muitos são levados a arriscar com o Tigre, que são as apostas virtuais”, explica.Ela ressalta que a carga tributária, que em 2024 atingiu 32,32% do PIB — o maior patamar em 15 anos, limita a renda disponível das famílias, restringe o consumo e sufoca pequenos negócios.
O resultado é um paradoxo: em vez de movimentar a economia formal, parte do dinheiro acaba canalizado para plataformas de entretenimento financeiro, muitas sediadas fora do país.
Estima-se que mais de 22 milhões de brasileiros tenham apostado online apenas no último mês, movimentando cifras que variam de R$ 100 a R$ 3 mil por pessoa, dependendo da faixa etária.
“O Tigre representa um risco visível, mas passageiro. Já o Leão é silencioso e persistente. Quando o Estado falha em criar condições para que o cidadão evolua com seu trabalho, ele acaba empurrado para alternativas instáveis”, conclui a presidente da Federação.
Regulação em andamento
Apesar dos problemas, a regulamentação do setor começou a avançar. Desde janeiro, apenas empresas com autorização do Ministério da Fazenda e domínio .bet.br podem operar legalmente no Brasil.
Além disso, todas devem estar cadastradas na plataforma Consumidor.gov.br, como forma de ampliar a proteção aos apostadores.
Um acordo de cooperação técnica entre a SPA (Secretaria de Prêmios e Apostas) e a Senacon prevê ainda ações conjuntas de fiscalização e educação financeira, incluindo a produção de materiais de orientação tanto para consumidores quanto para órgãos de defesa.
“O objetivo é criar um mercado mais seguro e transparente, capaz de prevenir abusos e garantir que os apostadores tenham seus direitos respeitados”, afirma o secretário de Prêmios e Apostas, Regis Dudena.
O que fazer em caso de abuso
O Procon-MS orienta que consumidores desconfiem de bônus excessivos, leiam com atenção os termos de uso e não usem apostas como fonte de renda. Em caso de dúvidas ou reclamações, os canais oficiais de atendimento são: Disque Procon 151, aplicativo MS Digital e site www.procon.ms.gov.br.
Por Djeneffer Cordoba
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