“Até a locação será tributada”

Foto: Nilson Figueiredo
Foto: Nilson Figueiredo

Especialista em direito tributário, advogado explica como a nova sistemática de cobrança deve atingir inclusive operações antes isentas

Conselheiro da OAB/MS, o advogado Heitor Matos, sócio-diretor da Canton Matos Advogados, analisa os impactos da reforma tributária sobre o setor imobiliário. Segundo ele, a mudança trazida pela Emenda Constitucional n. 132/2023 é mais do que uma substituição de tributos: representa uma transformação estrutural do sistema, com a ampliação da base de incidência e o alcance de operações antes isentas, como a locação de imóveis. “Muitas das operações que sequer eram tributadas passarão a ser tributadas”, destaca. Ele explica como as novas regras devem afetar proprietários, investidores e o mercado como um todo.

A reforma tributária é uma realidade?

Sim, é importante entendermos o que é a Reforma Tributária e o que ela já representa na realidade brasileira. Isso porque, apesar de cada vez menor, há uma parte da sociedade que sequer considera a reforma como uma realidade. A reforma tributária traz mais que uma substituição da tributação sobre o consumo pelo modelo do IVA (imposto sobre valor agregado), ela estabelece verdadeira mudança estrutural no sistema tributário brasileiro, pela qual muitas das operações que sequer eram tributadas passarão a ser tributadas. A locação é um exemplo.

Com o novo modelo de tributação, impostos como IPTU, ITBI, ITCD e Imposto de Renda deixam de existir?
Não. Apesar da necessidade de reformulação do sistema tributário brasileiro como um todo, a reforma trazida pela Emenda Constitucional n. 132/2023 trouxe reformulação somente sobre a tributação do consumo, de modo que toda a sistemática sobre tais tributos permanece inalterada.

Esse, inclusive, é um dos motivos pelo qual a reforma é tão significativa ao setor imobiliário.
Ao mesmo tempo em que operações antes não tributadas passarão a ser objeto de cobrança no novo modelo (a exemplo da locação), esses contribuintes continuarão a arcar com impostos sobre a renda, por exemplo.

Falando diretamente do âmbito imobiliário, o que muda?

No setor imobiliário, a própria instituição e incidência do IBS e CBS já é uma novidade.
Isso porque alguns dos impostos substituídos por eles (ICMS, IPI e ISS) sequer incidiam em operações com imóveis. Com a reforma, o IBS e a CBS possuem incidência de maneira muito mais abrangente, já que alcançam desde a administração imobiliária, construção civil, passando pela alienação, chegando até a locação.

Estamos falando de algo que acontece agora?

Sim, a partir de 2026, tanto a CBS, quanto o IBS serão testados com alíquotas iniciais reduzidas (0,9% e 0,1%, respectivamente). Essa implementação passará por período de transição durante o qual teremos uma redução gradual dos antigos tributos na medida em que os novos aumentam gradativamente suas alíquotas. Somente em 2033, portanto, é que a CBS e o IBS serão integralmente implementados.

Essa nova sistemática de tributação alcançará todos os contribuintes de maneira indistinta?
Não, com a publicação da Lei Complementar 2014/2025 (conversão do projeto que regulamenta o IBS e a CBS) ficou claro que não há uma pretensão de onerar pessoas físicas que alugam ou até mesmo comercializam imóveis em níveis não-comerciais. A partir da nova lei, se a locação por pessoa física não representar, no ano anterior, mais do que R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e não envolver mais do que 3 (três) imóveis, esses indivíduos não serão considerados contribuintes para fins do IBS/CBS. O mesmo ocorre para as pessoas físicas que vendam até três imóveis diferentes no mesmo ano ou de um imóvel construído pela própria pessoa que o vende nos cinco anos anteriores.

Como ficam as locações de curto prazo/temporada?

Atenta aos modelos de hospedagem de curta duração, a LC 214 estabelece que locações realizadas por contribuinte do IBS/CBS com período inferior a noventa dias consecutivos serão enquadradas como prestação de serviços hoteleiros.

Isso traz diferença na tributação?

Sim. Algumas modalidades de operação/setores possuem mais ou menos benefícios na tributação, em sua grande maioria traduzidas em reduções na alíquota base do IBS/CBS.
No caso das locações, enquanto as operações envolvendo imóveis contam com uma redução da alíquota-base do IBS/CBS entre 50% e 70%, os serviços de hotelaria têm como ponto de partida uma redução menor, de 40% sobre a alíquota-base.

O que são essas reduções de alíquota-base?

Com a criação do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), que vão substituir tributos como ICMS, ISS, PIS e Cofins, a regra geral é que todas as operações sejam tributadas por uma alíquota-padrão única, com não cumulatividade ampla.
No entanto, a própria LC trouxe exceções para determinadas atividades ou setores, pelas quais os beneficiados terão direito a uma redução percentual da alíquota-padrão.
Essas reduções são as chamadas de “redutores da alíquota de referência” e também precisam ser estudadas e consideradas a partir desse momento

Fora dessas exceções, há alguma proteção para aqueles contratos já assinados, ou esses também serão abarcados pela nova realidade?

A LC 2014/2025 trouxe regime de transição para os contratos de locação, arrendamento e cessão onerosa de imóveis formalizados antes da sua publicação. No caso dos contratos de locação residencial, o regime de transição será válido para aqueles assinados até a data de publicação da LC 214, perdurando até 31 de dezembro de 2028 ou até o encerramento do contrato, prevalecendo o que ocorrer primeiro. Já para as locações não residenciais, o regime será aplicável até o fim do prazo contratual, desde que o contrato tenha sido celebrado antes da publicação da LC 214 e esteja registrado em cartório até 31 de dezembro de 2025. Em outras palavras: os contratos de locação residencial continuarão a se beneficiar de uma tributação reduzida por mais alguns anos. Já no caso das locações não residenciais, os contribuintes com contratos vigentes devem agir com celeridade para registrá-los em cartório ou apresentá-los à Receita Federal e ao Comitê Gestor do IBS, conforme vier a ser regulamentado.

Não dá para falar do setor imobiliário sem falar das holdings. Elas deixaram de ser vantajosas a partir da reforma?

Pelo contrário, em um cenário que o aumento da carga tributária já é uma realidade, o planejamento se torna mais necessário e – na minha visão – as pessoas jurídicas ainda são instrumentos eficazes nesse sentido. Por óbvio, soluções jurídicas nunca podem ser oferecidas de maneira genérica, estamos em um período de transição, há muito a ser regulamentado. Cada caso precisa ser estudado individualmente.

Todas as questões da reforma estão definidas, já podemos tratar de uma legislação definitiva?
Longe disso. Apesar de irreversível, a realidade da legislação tributária ainda passará por diversas regulamentações. Nesse cenário, é importante que tanto a sociedade, quanto os profissionais acompanhem de perto essas mudanças, de modo a adaptar a realidade de seus negócios e empreendimentos ao novo modelo.

 

Djeneffer Cordoba

 

Confira as redes sociais do Estado Online no Facebook Instagram

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *