Para famílias mais pobres, aprender uma segunda língua é um sonho distante
Na Capital sul-mato-grossense, fazer um curso de inglês pode sair caro ao bolso do consumidor. Isto porque, em determinadas escolas, o valor pode ultrapassar o preço de R$ 8 mil ao ano, o que representa cerca de 47% do valor do salário mínimo. Mas, para além dos preços, o que chama atenção também, é o perfil das famílias que têm acesso a esse tipo de conhecimento de acordo com as faixas de renda.
Na escola CCAA, o valor do curso de inglês para um adulto em nível inicial por semestre é de R$ 3186,00. No entanto, com o desconto disponibilizado, o valor fica R$ 1593, que na divisão dos cinco meses restantes do ano de 2024, compõe uma parcela de R$ R$ 318,60. Adicionado o material que é orçado em R$ 584,50 e pode ser dividido também em cinco vezes de R$ 116,90, a parcela mensal pode sair até R$ 435, 50.
Na English School Ohio, a mensalidade por turma chega R$ 410 mensais, com aulas que possuem duração de 2 horas. Caso a mensalidade seja paga até o dia 5, a escola fornece um desconto pela pontualidade e o valor cai para R$ 389. O material, que é fornecido de acordo com a progressão de módulo, equivale a R$ 150 por módulo, o que ao final, resulta no valor de R$ 560 somente para iniciar. Caso opte pelo curso individual, o valor progride, ou seja, 1h por semana sai a R$ 508, no caso de 1h30 o valor aumenta para R$ 762 e 2h ultrapassam os R$ 1016 por quatro vezes por mês.
Na escola especializada Cultura Inglesa, que traz como proposta o inglês britânico, um adulto em nível inicial gastaria do mês de agosto até o final deste ano, um valor de R$ 3.324,70, o que equivale a cinco parcelas de R$ 664,94. No entanto, a escola utiliza de aparatos para reduzir o valor, como 15% de desconto na primeira mensalidade, que já representa a matrícula, fazendo a primeira parcela cair para R$ 565,20 e em caso de pontualidade, as demais caem de R$ 664,94, para um valor de R$ 631,69. A soma não para por aí, afinal, em todo curso de inglês, está embutido também os materiais. Com isso, a escola cobra R$ 405,35 por material. Supondo que o aluno começasse o curso no início do ano, o valor atingiria uma média de R$ 7.979,28 e com o adicional de R$ 405,35 do livro, o valor ultrapassa a marca de R$ 8 mil.
O mestre em economia, Eugênio Pavão, explica que uma família de classe C, por exemplo, que possui uma faixa de renda de R$ 3.200, teria R$ 480 no IR (Imposto de Renda) para gastos como educação. Com isso, claramente não conseguiria pagar o curso de idiomas de valor mais elevado e menos ainda, conseguir os descontos, a considerar que quanto mais alta a renda, maior será o nível de desconto no IR. No caso da escola que alcança o valor de R$ 8 mil, por exemplo, a mensalidade será equivalente a 47,09% do salário mínimo.
“As despesas das famílias com educação correspondem a 10% a 15% da renda e as aulas de idiomas entram nesse cálculo. Do valor pago pelo curso de línguas, parte pode ser recuperada no IR. Assim, uma família da classe C, com renda mensal de R$ 3.200,00 tem o limite de R$ 480,00 para gastos com educação claramente não conseguirá pagar. Somente classes B e A teriam condições de bancar, sem bolsa, o ensino”, pontua Pavão sobre a mensalidade mais alta.
Conforme o mestre em economia, Eugênio Pavão a pandemia, foi um dos fatores que serviu para pontuar não só a problemática no ensino de idiomas, mas, em geral, já que até mesmo para ter aulas regulares em áreas rurais e de difícil acesso, houve dificuldade acentuada. Para Pavão, hoje, embora haja cursos oferecidos pelos poderes federais, estaduais e municipais, o fator de maior poder aquisitivo, ainda é um divisor de águas para quem batalha estar em melhores espaços de formação.
“As famílias das classes C e D/E têm acesso a cursos de idiomas gratuitos, em programas públicos da União (UFMS-IFMS), estaduais e municipais, que são bem fracos, com poucas horas aulas e que existem apenas para cumprir a legislação. Os cursos particulares são voltados para as classes A e B, que assim, terão filhos bilíngues e que terão melhores condições de empregabilidade e maior que os das classes C e D/E”, destacou o mestre em economia.
INFO Veja a pirâmide de renda no Brasil
Classe A – renda acima de R$ 23.800
Classe B – de R$ 7.600 até R$ 23.799
Classe C – renda de R$ 3.200 a R$ 7.600
Classe D/E – renda até R$ 3.200
Dificuldade de formação na prática
A acadêmica, Mileny Rodrigues, 20, argumenta que já chegou a procurar cursos de inglês, mas acabou desistindo por conta dos valores. Ela acredita que a fluência em uma segunda língua é benéfico também para o turismo, mas sobretudo, para o mercado de trabalho. “Hoje as empresas costumam pedir não só um curso superior, mas algo que te diferencie da concorrência. A minha área exige muita leitura e comunicação, que muita das vezes podem ser em outros idiomas e o inglês é o idioma que é mais usado normalmente”, explica.
Quando questionada sobre o círculo de pessoas que compõem o seu cotidiano, Rodrigues pontua que de 100%, apenas 20% tem conhecimento de uma segunda língua. Em avaliação, Rodrigues esclarece ainda, que desses 20%, praticamente todos apresentam melhores condições de renda. “Quase todos tiveram acesso mais privilegiado à educação de qualidade e disponibilidade para aprender. São pessoas que já nasceram com uma condição financeira um pouco melhor e puderam pagar uma escola bilíngue ou um curso particular. Conheço outras pessoas que sabem um pouco também, mas como eu, aprenderam por fora”, destaca a acadêmica.
Em desabafo sobre a situação, a estudante que hoje vê a necessidade de competir no mercado com o aparato de uma segunda língua, relembra que as escolas públicas, por exemplo, não possuem estrutura para prover um ensino qualificado. “As escolas privadas são caríssimas, assim como os cursos particulares para aprender somente o idioma. Sei que existem cursos gratuitos online, mas se for comparar a qualidade de ensino entre um particular e um gratuito, a diferença é gigantesca”, lamenta a acadêmica, que pontuou que em sua procura por cursos acessíveis, não alcançou nada menos que R$ 1700, valor que destacou estar fora da sua realidade.
Por Julisandy Ferreira
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