MS em “Ainda Estou Aqui”

O ator Luiz Bertazzo - Foto: Luiz Bertazzo
O ator Luiz Bertazzo - Foto: Luiz Bertazzo

O ator corumbaense Luiz Bertazzo conta ao Jornal O Estado como foi a experiência de atuar no longa de Walter Salles

O que Mato Grosso do Sul e “Ainda Estou Aqui” têm em comum? Lançado em novembro, o filme que narra a história de Eunice durante o regime militar no Brasil está elegível para o Oscar e conta com a participação de um ator sul-mato-grossense em sua produção. O ator Luiz Bertazzo, natural de Corumbá, é destaque por trás deste projeto que conquistou o cinema mundial.

No filme, Luiz interpreta Schneider, um agente da ditadura que invade a casa da família Paiva e leva o ex-deputado Rubens Paiva. Em seguida, ele se instala no local por 24 horas, à espera de algum “revolucionário” que possa aparecer. No livro de Marcelo Rubens Paiva, que inspirou o filme, o autor descreve esses homens como extremamente gentis, quase como amigos dos pais, entrando e saindo da casa com

Luiz ingressou no filme após participar de um teste, no qual a produção de elenco lhe ofereceu a opção de enviar uma self-tape ou realizar o teste presencialmente no Rio de Janeiro, na própria casa onde as gravações ocorreriam. O teste foi conduzido por Amanda Gabriel, preparadora de elenco, que proporcionou todo o suporte necessário, oferecendo os recursos para que Luiz se apresentasse da melhor forma possível e demonstrasse seu potencial para o papel.

Em Cena

Para dar vida ao personagem, além da leitura do livro e da orientação de Amanda Gabriel, Luiz se inspirou em personagens do cinema que transmitem perigo de maneira sutil. Um dos exemplos que mais o influenciaram foi o coronel nazista Hans Landa, interpretado por Christoph Waltz em Bastardos Inglórios. Para a reportagem do Jornal O Estado, Luiz Bertazzo acredita que essas referências foram apenas um ponto de partida, pois o verdadeiro nascimento de Schneider se deu durante o trabalho em conjunto com Fernanda Torres.

“Foi à maneira como ela me lia nos ensaios que conduzi a construção do Schneider. Ela brincava, dizendo que a forma como eu estava moldando a figura passava a impressão de que esse sujeito era um ótimo individuo. Fui absorvendo essa brincadeira dela e tomando-a como uma verdade. De certa forma, foi o olhar da ‘Nanda’ que me fez enxergar o caminho para o Schneider. E isso só uma atriz generosa e experiente como ela poderia me conceder. Estar com ela em cena foi, sem dúvida, a realização de um sonho. Se eu já era fã antes, agora sou um devoto”.

A trama de Ainda Estou Aqui mergulha no debate sobre a ditadura, um tema que se torna cada vez mais pertinente no Brasil, especialmente diante da recente tentativa de golpe que ameaçou a democracia do país dos ataques de 8 de janeiro. O filme reflete um contexto em que, embora não se deva generalizar, é inegável que setores das forças armadas, sobretudo no alto escalão, ainda carregam uma visão violenta e golpista.

Foto: Fiorenzo De Luca

Segundo Luiz, esse cenário é exacerbado pela interpretação distorcida do artigo 142 da Constituição, criado na primeira Constituição Republicana de 1891. Originalmente pensado para garantir os poderes constitucionais, muitos militares interpretam o artigo como uma licença para exercer um “poder moderador”, justificando intervenções em crises que só eles percebem como reais. Em sua abordagem, o filme lança luz sobre esses paralelos históricos e a persistência de certas ideologias, reforçando a urgência da reflexão sobre o passado e as ameaças ao presente.

“Tenho para mim que a comoção provocada pelo filme ajuda muito a sensibilizar aqueles que duvidam da ditadura. Ver o vazio que se instaura na vida de Eunice Paiva e de seus filhos mostra o quanto um estado violento pode devastar famílias, como de fato devastou. Os culpados pela morte de Rubens Paiva seguem impunes, e isso faz com que tudo o que eles representam continue se perpetuando. E isso é inaceitável”, destaca Luiz para a reportagem.

O set de Walter é silencioso e afetuoso. No primeiro ensaio, Luiz estava nervoso por trabalhar com o diretor de Central do Brasil, mas logo a barreira hierárquica se quebrou. Walter contou histórias, se juntou à equipe no almoço e criou um ambiente íntimo e descontraído. A direção de Walter é suave, sem gritos, e a ação flui de maneira natural, quase imperceptível.

“Ele pede discretamente o que quer, pontua os acertos, e a ‘mise-en-scène’ é uma dança. O momento entre o ‘ação’ e o ‘corta’ pode ser intimidador, especialmente ao gravar em película. Guardo com carinho o momento em que, no final da minha última diária, ele me disse, com um abraço, que eu havia mudado a temperatura do set. Ali, soube que minha missão estava cumprida”, afirma.

Ainda Estou em Corumbá

O ator tem um profundo carinho por sua cidade natal e não esconde o orgulho de se identificar como corumbaense. Sempre destaca o pôr do sol da cidade como o mais espetacular do mundo e, quando se mudou para Curitiba para estudar Artes Cênicas, fez questão de levar suas peças de teatro, mesmo com a distância.

A cada retorno, sente uma conexão especial com Corumbá, onde seus pais viveram por grande parte de suas vidas, embora agora residam em Campo Grande, o que dificultou suas visitas nos últimos anos. Mesmo assim, ao renovar seu RG, optou por fazê-lo em Corumbá. Atualmente, ele está trabalhando em um projeto de longa-metragem intitulado ‘Loba’, que se passa na cidade que tanto ama.

“O projeto acompanha uma mulher transsexual de 50 anos que retorna à sua cidade para retificar seu nome no cartório e embarca em uma jornada de autoconhecimento de sua identidade pantaneira. O roteiro, foi premiado em diversos festivais, foi selecionado para o laboratório Novas Histórias do Sesc SP e a incubadora Paradiso. Atualmente, o projeto aguarda apoio financeiro para ser filmado, especialmente do estado. Apesar de desafios, eu sonho em realizar cinema em Corumbá”.

Luiz também está em “Baby”, de Marcelo Caetano, que esteve em Cannes e estreia em janeiro. No filme, interpreta o traficante Torres, um antagonista distinto de seu papel em Ainda Estou Aqui, destacando sua versatilidade. Baby é uma história de amor em meio à dura realidade de um grupo vulnerável em São Paulo, e seu roteiro emocionou Luiz.

“Eu não sei o que esperar para o futuro do cinema brasileiro, mas desejo que essa autoestima que estamos sentindo com o sucesso de ‘Ainda Estou Aqui’ nos paute na luta. Nosso cinema prova que consegue produzir obras de altíssima qualidade, mas, para isso, é fundamental ter recursos e uma boa janela de distribuição nas salas de cinema” explica.

Para os jovens de Corumbá e de todo o Mato Grosso do Sul que sonham em brilhar nas telonas, Luiz dá um conselho realista: é preciso sonhar, mas também ter os pés no chão e trabalhar o dobro. Embora adorasse dizer que é possível alcançar o sucesso artístico em sua cidade natal, ele reconhece que, para prosperar na carreira, precisou sair de Corumbá.

“Corumbá carece de políticas públicas de financiamento artístico; a última vez que o fundo de incentivo à cultura disponibilizou recursos para a cidade, foi insuficiente para sanar a diversidade de artistas e seus projetos. Hoje, se não fosse pelos poucos articuladores culturais como a Bianca Machado e o projeto Moinho Cultural, Corumbá seria um marasmo artístico”, argumenta Luiz.

Embora veja Corumbá como um lugar de grande potencial artístico, Luiz questiona: “Como sobreviver como ator?” Ele aconselha os jovens a buscarem uma boa formação, sugerindo vestibular para outro estado ou, se necessário, Campo Grande. “Não posso dizer que basta acreditar nos sonhos; eu, além de sonhar, tive que batalhar fora de lá”, afirma, destacando que ser ator exige muito esforço e renúncia.

Luiz não foi o único de Mato Grosso do Sul no set de Ainda Estou Aqui. A produtora de elenco Letícia Naveira, natural de Campo Grande, também esteve presente, conduzindo o trabalho com o elenco. Embora a reportagem tenha entrado em contato com Letícia, ela não retornou até o fechamento da matéria. Embora o fato de ambos serem do mesmo estado não tenha influenciado diretamente no trabalho, certamente os aproximou após as filmagens.

Por Amanda Ferreira

 

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