Gás de cozinha é realidade distante para famílias com R$400

Passar um café, ou fazer um arroz é uma tarefa considerada muito simples para quem tem fogão a gás em casa, porém essa não é a realidade para 16,7% das famílias sul-mato-grossenses que utilizam lenha, ou carvão para cozinhar por não ter dinheiro suficiente para adquirir um botijão de gás. Os dados mais recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) dão conta que em 2018, esta era a realidade para 14 milhões de brasileiros.

Mais próximo do que se imagina, cena muito comum é encontrar casas com fogão a lenha nas proximidades do bairro Jardim Paulo Coelho Machado, também conhecido como área da Homex. Num tanque improvisado para lavar roupas e louças, Valquiria Marques, 22 anos, se equilibra para dar conta das tarefas domésticas. Ela é um dos integrantes do grupo que precisa de lenha para cozer, já que a renda que o pai idoso, Edson Marques, 68 anos, traz para a casa como pedreiro não ultrapassa, nem nos meses de mais abundância, os R$ 500.

“Moro com meu pai. Estamos sem gás há mais de um mês, é que, como ele trabalha em construção, às vezes, não sobra para o gás. A renda aqui de casa é de uns R$ 300, mas tem meses que varia e chega a ser menos e em outros alcança os R$ 400”, conta. De riso tímido, ela conta que foi para o terreno junto com outras famílias em 2017, quando a área foi ocupada. O fogão a lenha, fica embaixo de uma varanda improvisada, após um corredor pequeno de terra batida entre lonas e um jardim cuidado com esmero. Meio sem jeito, ela revelou que almoçou arroz e “algumas coisinhas”, sem entrar em detalhes.

“Hoje almoçamos arroz e algumas coisinhas. Agora estou fervendo água para lavar a louça. Estamos sem energia em casa, quando escurece a gente tem que correr e acender a lamparina, mesmo assim, a gente acredita que tudo vai melhorar, tem que ser assim, né?”. Com coração apertado por conta da situação, nossa equipe parte para conversar com outra família e Valquiria se despede com sorriso aberto agradecendo a prosa.

Muito receptiva, costume que parece ser rotineiro na comunidade, Helena Carvalho, 52 anos, mostrou orgulhosa a cozinha improvisada nos fundos da casa. Ela e a amiga, Eva Costa, 71 anos, estavam preparando uma panelada de comida para uma reunião da igreja que frequentam. Mesmo com pouco, o sentimento de fraternidade fala mais alto no coração das duas. O cheiro das panelas é maravilhoso.

“Já cozinho com lenha há mais de 20 anos, isso nos ajuda a economizar. Aqui em casa moramos eu e meu marido, que trabalha como autônomo. Então, a nossa renda não é muito alta e não dá pra muita coisa. Hoje, estamos fazendo uma comida para uma confraternização da igreja e, com certeza, até o sabor da comida é diferente”, conta Heleno.

“Saindo por quase R$ 70, Botijão é luxo fora do alcance do bolso”

Eva conta que a situação financeira do país está deixando a todos com os ‘cintos apertados’, e que de um tempo para cá as coisas pioraram. “A gente vê muito nos últimos meses que a situação está complicada para todo mundo, não tem mais essa de dificuldade só em bairro humilde, todo mundo está buscando forma de economizar. Um mês paga uma conta, outro mês deixa de pagar um e paga a mais atrasada, botijão de gás hoje em dia é um luxo porque tá muito caro. Quase R$ 70 não dá não. Ou a gente come, ou tem o gás. Eu prefiro garantir a mistura”, pontua enquanto mexe a panela.

Realidade que parece ser multiplicada por aqui, Maria Auxiliadora, 35 anos, é mais uma que também sobrevive com pouco. Um pouco ressabiada no início, as primeiras palavras com um olhar desconfiado logo deram lugar a risos enquanto cuidava de uma panela de feijão. Sentada numa cadeira de fios remendados, ela revela que a renda que o marido João Paulo, 39 anos, leva para casa mal dá para honrar as despesas da família. “sobrevivemos com uma mixaria, estou com a luz cortada e temos que escolher entre comprar os alimentos ou o botijão, têm alguns meses já que eu cozinho com lenha, é a única opção. Não tem choro, nem vela”, destaca.

Quando a situação piora, a fome passa a ser companheira desta família. Envergonhada e de cabeça baixa por tocar no assunto, o olhar de tristeza invade o pequeno barraco. Entretanto, nestes lugares, a esperança de um futuro melhor é abundante, e a solidariedade também. Numa rede muito bem estruturada, os vizinhos se ajudam para que todos possam ter, pelo menos, um pãozinho. “A gente passou por dias de fome, não tínhamos o que comer, mas a gente graças a Deus, podemos contar com a ajuda dos vizinhos. Quando não temos, um ajuda com um pouco, outro ajuda com o que tem, e assim a gente vai vivendo, está difícil para todo mundo”, finaliza.

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