Presidente da Anoreg em MS esclarece mudanças no imposto sobre herança com a reforma e serviços oferecidos pelos cartórios
‘A reforma é uma importante inovação, na simplificação da cobrança ao consumo’
[Texto: Por Izabela Cavalcanti, Jornal O Estado de MS]
Entre os diversos serviços que terão impactos com a reforma tributária está o ITCMD (Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação). Neste caso, a previsão é que o imposto seja progressivo para todas as Unidades da Federação, o que ainda não ocorre em Mato Grosso do Sul. Em entrevista ao jornal O Estado, o presidente da Anoreg/MS (Associação dos Notários e Registradores de Mato Grosso do Sul), Leandro Corrêa, explica que essa já é uma realidade em outros Estados.
“Embora o texto da reforma tributária ainda esteja em tramitação, podendo sofrer alterações, o que vemos é que o ITCD é o que sofreu alguma alteração, permitindo-se sua progressividade textualmente, uma realidade já validada pelo STF e que já foi adotada em alguns Estados, mas não em Mato Grosso do Sul”, disse.
Com isso, a possibilidade é que imóveis mais caros tenham alíquota maior. No Estado, há uma alíquota fixa de 6% nas heranças e 3% nas doações. “O que o texto vai consolidar é a progressividade, que nada mais é do que a possibilidade de se cobrar uma alíquota maior daqueles que possuem patrimônios mais elevados”, completou.
No primeiro semestre deste ano, MS arrecadou o total de R$ 223,2 milhões com imposto sobre herança, mais do que o mesmo período de 2022, conforme dados do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária).
Na visão do presidente da Anoreg, a reforma tributária é uma importante inovação, simplificando a cobrança em relação ao consumo.
Leandro Corrêa argumenta sobre as mudanças que afetam os cartórios e sobre as funções desenvolvidas na atividade. “Por exemplo, eu posso ir em um cartório de Registro Civil em Campo Grande e solicitar uma certidão de nascimento, casamento ou óbito de um cartório de São Paulo. É importante dizer que nem países super avançados chegaram ao ponto de realizar atos de compra e venda de imóveis de forma on-line”, destaca.
Leandro Corrêa esclarece alguns conceitos de que tabelião não pode se titular “dono de cartório” e que cartório não recebe um centavo de dinheiro público, mesmo sendo uma delegação privada.
O Estado: Os cartórios são responsáveis por fiscalizar uma série de impostos para os entes públicos. O que deve mudar com a aprovação da reforma tributária?
Leandro Corrêa: Os cartórios são responsáveis tributários por fiscalizar os tributos que decorrem das operações imobiliárias, em resumo o ITBI nas operações onerosas e o ITCD nas operações gratuitas, fruto de doações ou heranças. Isto significa que se cometerem falhas ou omissões nesta fiscalização, podem vir a responder pelo tributo não recolhido. Embora o texto da reforma tributária ainda esteja em tramitação, podendo sofrer alterações, o que vemos é que o ITCD é o que sofreu alguma alteração, permitindo-se sua progressividade textualmente, uma realidade já validada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e que já foi adotada em alguns Estados, mas não em Mato Grosso do Sul. Aqui, há uma alíquota fixa de 6% nas heranças e 3% nas doações.
O que o texto vai consolidar é a progressividade, que nada mais é do que a possibilidade de se cobrar uma alíquota maior daqueles que possuem patrimônios mais elevados. Outra alteração interessante é a isenção do imposto sobre doações a instituições sem fins lucrativos, já que muitas vezes estas entidades recebem terrenos ou prédios em doação para se instalarem, ou até mesmo legado via testamento de algum benfeitor e o recolhimento do tributo acaba sendo um impeditivo para sua concretização.
O Estado: Você é adepto dessa mudança? Como o setor recebe a aprovação da reforma?
Leandro Corrêa: Entendemos que o texto da reforma tributária é uma importante inovação, especialmente na simplificação da cobrança em relação ao consumo. O debate na sociedade é fundamental, com todos os interessados dos setores afetados, para que os ajustes necessários aconteçam e tenhamos uma reforma justa e boa para o país.
A princípio, não houve nenhuma inovação considerável na matéria, uma vez que o Supremo Tribunal Federal já reconhecia a validade da progressividade do tributo, que é o que vem chamando a atenção. Esta progressividade é a possibilidade de se cobrar uma alíquota maior dos patrimônios mais elevados. Isso já é feito em alguns Estados da Federação e validado pelo STF.
O Estado: Além da reforma tributária, quais são outros projetos legislativos que envolvem os cartórios, atualmente?
Leandro Corrêa: Um importante projeto que se encontra atualmente em tramitação diz respeito à possibilidade de que os cartórios atuem como agentes de execução civil. Somando-se as ações deste tipo no Judiciário Estadual, Trabalhista e Federal são cerca de quatro milhões de execuções de títulos por ano, 43% do total do volume de ações, o que impede uma rápida resposta da Justiça, retardando a recuperação do crédito por quem emprestou o dinheiro, levando a aumento dos juros.
O novo texto desjudicializa a execução, permitindo que esta seja cobrada, facultativamente, em qualquer um dos 3.741 Tabelionatos de Protesto do país, presentes na maioria dos municípios brasileiros. A proposta chegou a ser debatida na tramitação do Marco das Garantias, mas vai tramitar no PL nº 6.204/19 de autoria da senadora Soraya Thronicke (Podemos/MS), que compreendeu esta demanda que pode desafogar o Judiciário brasileiro.
O Estado: Como funciona o recolhimento de impostos por parte dos cartórios? Eles pagam impostos também?
Leandro Corrêa: Sim, como em todo serviço prestado por particulares. Imposto sobre serviço, sobre renda, além de taxas de exercício de poder de polícia por parte do Estado fiscalizador da atividade (os conhecidos Fundos do TJMS, MPMS, Defensoria e PGE). Mas aqui vale destacar a função fiscalizadora dos notários e registradores, já mencionada nas perguntas anteriores, sobre os impostos de transmissão, além da recuperação do crédito tributário feita pelos cartórios de protesto de títulos. Os entes governamentais utilizam os cartórios, gratuitamente, para recuperar, via protesto, dívidas de IPVA, ISS, ITCMD, multas de trânsito, entre outros tributos federais, estaduais e municipais.
O Estado: Muito se discute sobre a função dos cartórios. Por que eles são importantes e quais os seus principais serviços?
Leandro Corrêa: Os cartórios exercem uma função pública que o Estado entendeu, constitucionalmente, que teria que ser delegada a particulares, por terem condições de prestá-la de forma mais eficiente. Os cartórios são a base primária de informações da nação, pois é por meio das estatísticas de nascimentos, casamentos, óbitos, compra e venda de propriedades, divórcios, que os órgãos públicos conseguem planejar suas políticas de educação, saúde, habitação, saneamento, entre outras. Os cartórios prestam informações a mais de 14 órgãos públicos, para saber quem deve votar, quem deve prestar serviço militar, quem precisa declarar Imposto de Renda, entre outros.
O Estado: Cartório só existe no Brasil?
Leandro Corrêa: Não. Esse é um dos mitos sobre nossa atividade. Há cartórios presentes em 91 países do mundo, no modelo do Notariado Latino, como o nosso, entre eles França, Alemanha, Itália, Japão, China, Rússia, Espanha, entre muitos outros. Os Cartórios de Notas, por exemplo, estão presentes em 7 entre as 10 maiores ecoPresidente da Anoreg em MS esclarece mudanças no imposto sobre herança com a reforma e serviços oferecidos pelos cartórios nomias do mundo, em 22 dos 27 países que compõem a União Europeia; em 15 dos 20 países componentes do G20 e atendem a 2/3 da população mundial. O Brasil segue o modelo de delegação deste serviço público a um ente privado, de forma que o Estado não tem custo algum pela prestação do serviço ao usuário e ainda arrecada uma boa parcela de tributos nos atos praticados pelos cartórios.
O Estado: Como uma pessoa se torna “dono de cartório”?
Leandro Corrêa: Inicialmente, é importante esclarecer que ninguém é dono de um cartório. O titular de um cartório recebe uma delegação do Estado após prestar e ser aprovado em um concurso público, que é promovido pelo Tribunal de Justiça daquele Estado. Para prestar este concurso ela ou ele devem ser brasileiros, formados em direito ou possuírem ao menos 10 anos de prática comprovada em cartório. O concurso é composto por quatro fases, com provas de múltipla escolha da área do direito, prova dissertativa, prova oral – perante uma banca examinadora formada por desembargadores, juízes, membros do Ministério Público e de advocacia – e exame psicotécnico. Após a finalização destas etapas, o candidato aprovado escolhe um dos cartórios vagos de acordo com sua classificação. Um cartório só pode ser criado por lei, que deve ser de autoria do Poder Judiciário – após estudo de viabilidade econômica e social –, aprovado pelo Poder Legislativo – no caso, a Assembleia Estadual, e sancionado pelo Poder Executivo, ou seja, pelo governador. Ninguém cria, compra, empresta ou vende cartório.
O Estado: Quais serviços dos cartórios já podem ser realizados por meio eletrônico?
Leandro Corrêa: Hoje, mais de 90% dos serviços dos cartórios já podem ser realizados on-line. Em algumas atividades, como nos Cartórios de Protesto (www.pesquisaprotesto.com.br) e nos Tabelionatos de Notas (www.e-notariado.org.br), 100% dos atos já podem ser feitos de forma digital, incluindo pesquisar, protestar, pagar e cancelar dívidas, e realizar atos como escrituras de compra e venda de imóveis, doações, inventários, divórcios, reconhecimento de firmas, procurações, entre outros.
Os serviços de Registro de Imóveis (www.registradores.org.br) também se encontram totalmente digitalizados, assim como os de Registro Civil (www. registrocivil.org.br), sendo possível solicitar certidões de Estados diferentes de forma on-line. Por exemplo, eu posso ir em um cartório de Registro Civil em Campo Grande e solicitar uma certidão de nascimento, casamento ou óbito de um cartório de São Paulo. Importante dizer que nem países super avançados chegaram ao ponto de realizar atos de compra e venda de imóveis de forma on-line.
O Estado: Mais recentemente, os cartórios têm recebido novos serviços, que antes eram feitos apenas na Justiça, como divórcios e inventários. Por que isso tem acontecido?
Leandro Corrêa: Já é consenso na sociedade que o Judiciário, mesmo com toda a eficiência e estrutura que possui, não dá mais conta de ser a única porta para resolução de problemas do cidadão. O Justiça em Números, relatório do CNJ, mostra que em 2021 foram julgados 26,9 milhões de processos, 11% a mais que no ano anterior. Só que, neste mesmo ano, entraram na Justiça outros 27,7 milhões. A partir de 2007, iniciou-se o fenômeno da desjudicialização no Brasil, que nada mais é do que delegar aos cartórios algumas das atribuições que antes eram unicamente feitas na Justiça, como os divórcios e inventários, por exemplo, desde que as pessoas estejam em consenso e não haja menores envolvidos.
Desde então, somente com os divórcios, separações, inventários e partilhas, foram mais de 4,8 milhões de atos praticados e uma economia de R$ 10,6 bilhões aos cofres públicos. A iniciativa deu tão certo que novos atos, como usucapião, apostilamento, adjudicação compulsória, retificação de nomes, de gênero, de erros de grafia, entre outros, hoje já podem ser feitos diretamente em cartório, sem a necessidade de processo judicial e sem onerar os cofres públicos.
O Estado: Os cartórios prestam serviços gratuitos à população?
Leandro Corrêa: Prestam vários serviços gratuitos, a começar pelo registro de nascimento e óbito, e a primeira via destas certidões, gratuitas universalmente a todos os brasileiros. Hoje, o serviço do Cartório de Protesto também é totalmente gratuito para o credor, aquele que tomou o calote por um serviço prestado ou um produto entregue. Ele pode ir ao cartório e apresentar sua dívida gratuitamente para protesto. Caberá ao devedor, quando for regularizar sua situação, arcar com os custos do cartório. Os cartórios também realizam atos gratuitos de procurações para fins previdenciários, de regularização fundiária de interesse social, além de atos de casamentos e segundas vias de certidões para as pessoas que se declaram pobres, sem contar uma série de retificações oriundas da Justiça gratuita.
É importante dizer que o cartório não recebe um centavo de dinheiro público e, mesmo sendo uma delegação privada, deve prover toda esta série de atos gratuitos.