MS pretende vacinar aldeados até sexta

São cerca de 97 mil doses, contando a segunda aplicação, para a imunização de 43 mil índios, em 31 municípios

O DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) de Mato Grosso do Sul prevê que até sexta-feira (22) todos os indígenas com mais de 18 anos e que moram em aldeias estejam vacinados contra a COVID-19. Na tarde de ontem (19), índios de aldeias de Nioaque, distante 179 quilômetros de Campo Grande, já começaram a receber a primeira dose do imunizante CoronaVac. Na manhã de hoje (20), a previsão é de que os demais polos regionais do DSEI iniciem a vacinação nas demais regiões do Estado.

Na Reserva Indígena de Dourados, considerada a maior do país, o clima é de esperança, mas também relutância. Enquanto lideranças, mais jovens e famílias devastadas pela doença pretendem se vacinar, os anciões são mais resistentes. Para conscientizar a população das aldeias sobre a importância da vacinação, a própria comunidade deu início a campanhas
de incentivo.

Com pouco mais de 80 mil indígenas, Mato Grosso do Sul tem a segunda maior população de índios do país, atrás do Amazonas. Do total de índios do Estado, o coordenador distrital de Saúde Indígena de MS, Joe Saccenti Júnior, explica que cerca de 43 mil estão aptos a receberem as duas doses da vacina. Inicialmente, apenas os indígenas que vivem em aldeias e têm mais de 18 anos podem receber a vacina, caso queiram.

“A quantidade de doses que recebemos é suficiente para as duas aplicações. Neste primeiro momento, os aldeados serão vacinados pois se tornam mais sensíveis. Os [índios] urbanizados, em termos de imunização, estão em uma situação mais segura”, explicou Saccenti Júnior.

Os 43 mil indígenas que já começaram a ser vacinados em Mato Grosso do Sul estão distribuídos em 31 municípios do Estado. Apesar de já existir um imunizante contra a doença provocada pelo novo coronavírus, o coordenador do DSEI destaca que os cuidados de prevenção devem ser mantidos, inclusive entre aqueles que receberem a primeira dose da vacina ainda nesta semana, como previsto.

“A vacinação não acaba com a doença. É um imunizante. Não significa que vai acabar com a doença. As orientações de cuidado permanecem as mesmas: uso de máscaras, higienização frequente das mãos ou uso de álcool gel, evitar aglomerações”, reforçou.

Expectativa versus resistência

Enquanto as equipes do DSEI trabalham para colocar a vacinação maciça da população indígena em prática, lideranças nas aldeias lutam para que os índios mantenham as medidas de prevenção e também se vacinem. O Plano Nacional de Imunização prevê que a vacinação é voluntária – ou seja, apenas quem quer vai receber a dose da CoronaVac.

“Tivemos muitas perdas na aldeia, mas, mesmo assim, ouvimos muitos comentários ruins sobre a vacina. Tenho esperança de dias melhores e estamos trabalhando muito para quebrar essa ideia que as pessoas têm da vacina. Esses comentários são iguais aos de quanto surgiu a vacina contra a H1N1”, disse um profissional de saúde indígena, que pediu para não ser identificado.

Mas, para muitos, a vacina é, de fato, esperança. Na família terena Valério, que mora na Aldeia Jagurapiru, a COVID-19 levou, em oito dias, pai, mãe e um dos filhos. Além disso, outro filho ficou mais de 30 dias internado, com 80% dos pulmões comprometidos, e praticamente todos os membros da família, que soma mais de 20 pessoas, foram contaminados pelo novo coronavírus, inclusive as crianças. A notícia de que devem ser vacinados em breve fez a família comemorar.

“Estou esperançoso para tomar. Tenho esperança pelo povo indígena que é muito vulnerável. Acredito que Deus dá conhecimento para os médicos e cientistas para fazerem a vacina”, disse Gerson Valério, 60 anos.

Quase cinco meses após deixar o hospital depois da internação, Gerson diz que estar vivo é um milagre. Hipertenso, ele ficou 21 dias pronado – em posição de bruços – no hospital, numa tentativa de que seus pulmões funcionassem melhor. Ele sobreviveu, mas lida com as sequelas da doença. Hoje, ainda toma quatro medicamentos. “Os médicos falaram que eu era um guerreiro. Todos que estavam lá morreram”, resumiu.

Um dia antes de receber alta do hospital, ele foi avisado da morte do pai, Guilherme Felipe Valério, de 94 anos, da mãe, Maurícia Mariano Valério, de 87 anos, e do irmão, Josias Valério. O primeiro a morrer foi o pai. No dia seguinte, a mãe, que era cadeirante, mas, segundo os próprios filhos, tinha uma boa saúde, e morreu. E, seis dias depois, foi a vez de um dos filhos.

Guilherme Valério chegou à Aldeia Jagurapiru em 1960, vindo do Pantanal. Missionário; ele recebeu um chamado divino para ir evangelizar índios de outras aldeias. Na Reserva Indígena de Dourados, reencontrou velhos conhecidos e abriu a primeira congregação local: a Igreja Presbiteriana Indígena do Brasil.

A igreja surgiu pequenina, dentro de casa mesmo. O imóvel de madeira que abrigou a primeira igreja ainda está de pé. Na década de 90, a congregação finalizou o prédio de alvenaria, onde o primeiro pastor da reserva fazia os sermões. Agora, o que ficou foi a saudade e o legado de Guilherme.

“Sinto saudades dos meus pais. Eu que cuidava deles, levava ao médico, ao hospital, comprava remédio. Meu pai e minha mãe tinham a saúde muita boa”, relembrou Elcir Valério, 60 anos.

Dados do DSEI em Mato Grosso do Sul apontam que, até segunda-feira (18), 80 indígenas morreram em decorrência da COVID-19 no Estado. Destes, 12 foram na região de Dourados. Na área referente ao Polo-Base de Aquidauana, foram registradas 29 mortes de índios em decorrência da doença. Já o número de contaminados pelo novo coronavírus é de 3.960 índios, sendo que quatro estavam internados em leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e nove, em leitos clínicos.

Capitão da Aldeia Jagurapiru, que reúne cerca de 8,6 mil índios terena, guarani e kaiowá, Izael Morales estima que cerca de 80% da comunidade foi contaminada pelo novo coronavírus. “Foram mais os idosos, mas, nesta semana, teve a morte de um enfermeiro da Missão Evangélica Caiuá”, afirmou.

Na Aldeia Bororó, com quase 9 mil indígenas, a expectativa também é grande. O agente indígena de saneamento Rosenildo Gabriel Morales, 20 anos, aguarda ansioso pela imunização. “Tivemos várias mortes dentro da comunidade, por isso, a expectativa é grande para todos nós. Mesmo assim, estamos com resistência de vários patrícios”, afirmou.

Para tentar reverter a resistência, Morales diz que a Ação Jovens Indígenas, por exemplo, lançou uma campanha para conscientizar a população sobre a importância da vacinação. Com frases motivacionais de indígenas da própria aldeia, o grupo tem usado as redes sociais para disseminar a mensagem.

“A vacina é a única esperança que temos para amenizar as perdas, principalmente dos anciões”, resume o jovem indígena.

(Texto: Patrícia Belarmino – Especial de Dourados)

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