2025 pode ser um ano de impactos positivos para o Pantanal, apontam especialistas

Foto: Marcos Maluf
Foto: Marcos Maluf

Por 2.028 focos a menos, ano passado não totalizou a quantidade de focos de incêndios dos últimos 4 anos

Emergências climáticas marcaram o ano de 2024. Em níveis alarmantes, queimadas, estiagem, enchentes foram tragédias ambientais que chocaram todo o país e provocaram inúmeras vítimas. No cenário nacional, entre janeiro e novembro de 2024, o Brasil queimou o equivalente a um estado do Rio Grande do Sul, segundo o Mapbiomas. A área queimada quase dobrou em relação ao mesmo período do ano passado. Embora a retrospectiva não seja uma das mais positivas, especialistas, em entrevista ao Jornal O Estado, revelam expectativas positivas para a preservação do Pantanal em 2025, caso haja ações efetivas.

O Pantanal foi e — continua sendo — tema constante nos noticiários; exigindo atenção e ação por parte do governo federal e estadual. Sua fauna, flora e ribeirinhos foram severamente atingidos, vivenciando um turbulento período de seca e de incêndios. Seus rios registraram baixas alarmantes.

Em novembro, o Pantanal foi o terceiro bioma mais afetado pelo fogo; a Amazônia e o Cerrado ocupam o primeiro e segundo lugar. Neste mês, 97.955 hectares foram impactados no bioma pantaneiro que, de janeiro a novembro, soma-se ao todo 1,9 milhão de hectares atingidos. O número representa um aumento de 68% em relação à média dos últimos cinco anos, segundo informações do estudo Monitor do Fogo, elaborado pelo MapBiomas.

Em 2024, apesar dos dados e impactantes imagens, que revelaram um bioma em cinzas e o resgate de animais com queimaduras de segundo e terceiro grau, o número de focos de incêndios registrados no bioma não superou o de 2020, considerado um dos anos mais trágicos. 2020 alcançou recordes históricos, com 22.099 focos de incêndio constatados. No entanto, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), 14.498 focos foram registrados no bioma neste ano. São 8.009 a mais que no ano passado, que registrou 6.489. Ainda assim, vale destacar que — por 2.028 focos a menos — o ano de 2024 não totalizou a quantidade de focos dos últimos quatro anos.

Mesmo com o reforço de equipes para o combate, na análise anual do Instituto, Mato Grosso do Sul encerra 2024 entre os três estados com o maior número de focos de incêndio do país. Corumbá, localizado na região pantaneira, classifica-se em terceiro lugar no ranking, com 5.364 focos, perdendo apenas para dois municípios do Pará.

Além disso, para além das queimadas, há a estiagem e, por consequência, a crise hídrica no rio Paraguai. Na Bacia do Alto Rio Paraguai, onde se situa o Pantanal, a estação chuvosa ocorre entre os meses de outubro e abril, e a estação seca, entre maio e setembro. Entre janeiro e abril de 2024, a média da área coberta por água foi de apenas 400 mil hectares, em pleno período de cheias, ficando abaixo da média de 440 mil hectares registrada na estação seca de 2023.

No início de outubro, o rio Paraguai atingiu o menor nível histórico, com 62 centímetros, conforme dados do Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul). A marca ultrapassou o menor nível histórico, que, em 1964, era 61 centímetros. À época, o Imasul alertou que o nível do rio apresentava quedas diárias de um a dois centímetros. A baixa do rio, neste ano, chegou a registrar o volume de precipitação semelhante ao de regiões de clima semiárido. O semiárido brasileiro apresenta, em média anual, 800 mm de precipitação; já o volume de chuva na bacia do rio Paraguai registrou uma média 670 milímetros, de acordo com o Inpe.

O que dizem os especialistas?

O biólogo Pedro Isaac, doutorando em Ecologia e Conservação, argumenta que, apesar dos dados preocupantes, é natural o bioma passar por temporadas de secas. Pedro também destaca que estudos minuciosos têm sido realizados há mais de quatro anos, buscando compreender os impactos dos fenômenos no bioma. “É bem comum que o Pantanal passe por alguns períodos mais secos, como foi de meados dos anos 60 até o final dos 70, em que muita gente achou até que o Pantanal ia secar de vez e algumas espécies dependentes da cheia, como o cambará [uma árvore nativa], iam sumir, mas são substituídos em períodos de chuvas mais intensas”, explica.

De acordo com o especialista, a flora se adapta às queimadas e, portanto, torna-se resistente aos efeitos dos incêndios. “A princípio, nós podemos afirmar que a vegetação tem uma recuperação rápida. As ervas voltam a brotar tanto de sementes quanto de raízes ou caules subterrâneos que resistem bem ao fogo. As árvores geralmente possuem cascas grossas que impedem que o fogo as mate e, palmeiras, como acuri e carandá, além de possuírem bainhas duras que protegem o seu interior, tem o palmito bem protegido pelas folhas e sementes que brotam bem após o fogo”.

Em resposta à crise vigente, o biólogo cita, como exemplo, a dormência: um mecanismo de defesa das plantas para a perpetuação das espécies. Ressalta, também, sob orientações, sobre a prática de manejo integrado, como alternativa a mais para a prevenção de queimadas. “O Pantanal consegue resistir bem, e, em alguns casos, o fogo pode ser benéfico para quebrar dormências de sementes e permitir o restabelecimento de algumas espécies em regiões que já passaram por um processo de sucessão. Inclusive, a presença de gado em pastos naturais, em muitos casos, evita o acúmulo de matéria orgânica que leva a um fogo mais intenso. Mas é sempre necessário lembrar que tudo em excesso acaba por ser prejudicial e, que o uso de fogo sem um manejo adequado (aceiros, pessoas especializadas, equipamento adequado), pode facilmente levar a incêndios e perda de biodiversidade e propriedades”, sublinha.

Já o médico veterinário Diego Viana, mestre em Ciências Ambientais e Sustentabilidade Agropecuária, além de especialista em conservação de onças no Pantanal, detalha estratégias para a conservação do bioma. Viana pontua as principais crises que o Pantanal tem enfrentado e ressalta: aliar a tecnologia ao conhecimento tradicional pode ser uma das principais estratégias para a manutenção do bioma.

O conhecimento tradicional deve ser, junto com a ciência, base de todas as ações que vão ser tomadas em relação à conservação do Pantanal, tanto por pesquisadores como também por tomadores de decisão. E agora, neste momento de mudanças climáticas, temos planos para redução de emissões de gases poluentes, recuperação de áreas degradadas e também políticas públicas, além de gestão integrada, pensando no monitoramento ambiental e um planejamento participativo, onde todos os diferentes grupos sociais do Pantanal consigam ser representados na tomada de decisão e fazer parte dessa tomada de decisão, é fundamental. Assim, nós conseguiremos continuar mantendo o Pantanal pujante, apesar de todas as ameaças e dificuldades”, diz o especialista.

Ações do governo

Com o intuito de reparar os danos climáticos, o Ministério do Meio Ambiente entrou em ação com medidas provisórias e a adoção de estudos relacionados à conservação dos recursos hídricos. O governo desenvolveu a instalação de Manejo Integrado do Fogo, que visa criar ações de prevenção e combate aos incêndios no país. Realizou a consulta pública do PPPantanal (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Pantanal), com o objetivo reduzir de forma contínua o desmatamento e os incêndios no bioma. No mês em que o Meio Ambiente é celebrado, no dia 5 de junho, o governo federal firmou um pacto com o governador de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel, para combater os incêndios. Ainda em junho, criou a sala de situação para prevenção e controle de incêndios no Pantanal. O objetivo é enfrentar a situação de forma preventiva e permanente.

Ademais, o endurecimento de penas de crimes ambientais, com a intenção de adequar a legislação ao cenário atual do enfrentamento à criminalidade, inclusive organizada, foi enviado neste mês ao Congresso Nacional. O Projeto prevê as seguintes mudanças: que diversas penas de detenção passem a ser de reclusão e que sejam aumentadas para além de quatro anos. Além disso, grupos de quatro pessoas que praticarem crimes ambientais com penas superiores a quatro anos poderão ser enquadrados como organizações criminosas, possibilitando o uso de medidas especiais de investigação como colaboração premiada, ação controlada e infiltração de policiais.

Sobre políticas públicas em vigor para proteger o Pantanal, a advogada ambiental Giselle Marques, doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional, comenta sobre leis e decretos, além de ações que podem contribuir para que tais leis tenham um resultado efetivo.

Uma das políticas públicas em vigor no Pantanal é o Programa de Monitoramento da Qualidade da Água, que vem sendo feito desde os anos 90 pelo Imasul. É necessário agregar parâmetros agroquímicos, que possam apontar a presença de agrotóxicos nas águas pantaneiras, pois, no formato atual, só são medidos O2 (oxigênio dissolvido) e outros parâmetros que não permitem aferir os reais impactos da atividade agropecuária no Pantanal”.

Para Giselle, a implementação da Lei nº 6.160 de 18 de dezembro de 2023, que visa à conservação, proteção, restauração e a exploração ecológica da planície pantaneira, além de ser fundamental, é outro desafio. “O ideal é que o governo do estado suspenda todas as autorizações de desmatamento no Pantanal até que tenha sido efetivado na prática o PSA (Programa de Pagamento por Serviços Ambientais) previsto nessa lei, a fim de que os fazendeiros possam perceber que é mais vantajoso deixar a vegetação nativa em pé, do que desmatar para fazer pasto”, diz.

O investimento em educação ambiental é outra iniciativa de suma importância para a advogada. “Políticas de educação ambiental voltadas para a conservação do bioma pantaneiro, envolvendo proprietários rurais, população ribeirinha, trabalhadores e povos tradicionais do Pantanal. Em especial ante a implantação da Rota Bioceânica, que trará impactos sociais e ambientais significativos para o Pantanal, é outra medida que pode ajudar”, pondera.

Operação Pantanal 2024 impediu que impacto no bioma fosse pior do que a de 2020

Neste ano, equipes especializadas foram enviadas ao Pantanal. A Operação Pantanal 2024 destacou-se por seu trabalho efetivo. Organizada para combater incêndios nos municípios pantaneiros, a ação, pioneira no Mato Grosso do Sul, celebrou resultados positivos com menos de 6 meses de iniciativa. Em outubro, conforme dados divulgados pelo Inpe, somente neste ano, o estado contabilizou 13.622 focos de incêndios, enquanto no mesmo período de 2020, foram 21.115 focos contabilizados. “É importantíssimo a gente frisar que as condições de 2020 eram mais amenas do que as condições de 2024. Contudo, a gente não deixou chegar nenhum número de 2020, porque se fosse pela tendência do desastre natural que nós estamos enfrentando, 2024 iria ultrapassar vertiginosamente todos os números no tocante aos incêndios florestais”, ressaltou a Diretora de Proteção Ambiental do Corpo de Bombeiros Militar, Tenente Coronel-Tatiane de Oliveira, para o Jornal O Estado, à época.

Ação combativa e efetiva

Em paralelo ao trabalho preventivo – com orientação e educação ambiental –, para facilitar o deslocamento das equipes e a resposta no controle das chamas, a operação contou com o apoio de servidores de diversas áreas do MS e de outros estados. Ibama, IHP (Instituto Homem Pantaneiro), GOA (Grupamento de Operações Aéreas), Prevfogo/MS, ao todo, a operação reuniu mais de 700 profissionais e resultou na extinção ou controle de 89,5% dos focos de incêndio na região. Equipes já resgataram 548 animais silvestres.

Além das bases avançadas, a operação contou com investimento tecnológicos como drones, equipamentos de proteção individual específicos para garantir segurança (roupas e botinas resistentes às chamas), monitoramento via satélite com uso de plataformas da Nasa – agência do governo dos Estados Unidos –, Polícia Federal, Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul), além de tecnologia de navegação, dados e inteligência artificial, são alguns dos investimentos tecnológicos que contribuem para o sucesso da operação.

Por Ana Cavalcante

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