Mesmo com a extensa fila de pacientes que aguardam por uma doação de órgãos, a OPO (Organização de Procura de Órgãos) da Santa Casa de Campo Grande segue desde o início de agosto sem realizar a captação de órgãos para transplante. Com isso, famílias que autorizaram as doações não conseguem ajudar os pacientes que estão na fila e pelo menos 23 órgãos foram “desperdiçados”.
O motivo para a falta de transplantes é que não há laboratório em Mato Grosso do Sul que realize exames de biologia molecular e histocompatibilidade, procedimentos que verificam a compatibilidade entre doador e receptor por meio da equivalência entre células, tecidos e órgãos.
De acordo com dados da OPO do hospital, no mês de agosto as doações zeraram. Para a coordenadora médica da Organização, Dra. Patrícia Berg Lean, o impacto da falta de serviço é grande: das 10 famílias entrevistadas sobre a possível doação de órgãos, seis delas não autorizaram a doação, devido ao receio da demora da liberação do corpo. Essa demora ocorre pela falta de agilidade nos exames de histocompatibilidade, em que o tempo estimado para o resultado sair de uma clínica de outro Estado é de até 72 horas.
O resultado dessa situação é vivenciado especialmente pelos 79 pacientes que estão em tratamento de diálise crônica que, destes, 36 estão listados ou em processo de estudo para entrarem na fila por um rim.
A coordenadora explica que o cenário é alarmante. “Em agosto, 23 órgãos foram deixados de serem ofertados, foram dez rins, cinco fígados, quatro pâncreas e quatro corações que estavam aptos e poderiam salvar inúmeras vidas aqui e fora do Estado”.
Segundo a médica nefrologista Dra. Rafaella Campanholo, a rotina de atendimentos no ambulatório do Serviço de Diálise da Santa Casa está difícil. “Nós estamos sofrendo com toda essa situação tanto quanto os pacientes. É um descaso com aqueles que são portadores de doenças crônicas. E desses rins que já estavam aptos, poderíamos ter aproveitado todos, principalmente dos doadores mais jovens”.
O único laboratório credenciado no Estado que realiza os exames para que um transplante seja feito é o Biomolecular, que parou de funcionar no dia oito de agosto. O estabelecimento alega falta de pagamento de contratos entre municípios e Estado. Com o fim do contrato com a prefeitura, o laboratório interrompeu os procedimentos e colocou em risco um banco de dados com mais de 600 mil amostras de doadores, que são armazenados em uma câmara fria.
O local recebe por serviço realizado, de acordo com a tabela Faec (Fundo de Ações Estratégicas e Compensação), remuneração do SUS (Sistema Único de Saúde) para financiamentos de procedimentos de média e alta complexidade. Porém, o laboratório alega que devido a defasagem de valores, precisa do pagamento da tabela em dobro.
O laboratório Biomolecular disse em nota que continua sem o contrato com o SUS, que terminou em sete de agosto, o que impede o local de realizar os exames. Eles alegam que continuam a conversar com a SES (Secretaria Estadual de Saúde) e com a SESAU (Secretaria Municipal de Saúde) na esperança de assinar um novo contrato e dar continuidade aos serviços.
Procurada pela reportagem, a SESAU disse via assessoria que o contrato era feito pelo município desde 2007, e que este ano venceu. A pasta afirma que era responsabilidade do Estado renovar o contrato com o laboratório, devido a uma portaria do Ministério da Saúde que estabelece que esse tipo de serviço cabe ao Estado, sendo impossível para a Sesau renovar o contrato.
A portaria mencionada é a de nº 2.600/2009, que regulamenta o Sistema Nacional de Transplantes e que em seu artigo nº 7 diz que é competência das Secretarias Estaduais de Saúde o repasse para as chamadas CNCDO (Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos). A secretaria ainda disse que a SES foi notificada no mês de janeiro de 2022 para realizar o trâmite.
Já a SES alega que não é incumbência do Estado o repasse, e cita o decreto nº 9.175 de 2017, que aponta que o município tem gestão da saúde e que seria responsabilidade da secretaria municipal realizar o contrato.
A SES ainda diz que para não deixar os pacientes de MS desassistidos, busca por meio de licitações uma nova empresa, fora do Estado, que possa realizar os serviços de compatibilidade.
O hospital
A Santa Casa de Campo Grande diz não fazer parte do processo de negociação das autoridades em saúde pública com laboratórios, mas, é prestadora desse serviço à população de todo o Estado e tem sentido ao longo deste mês os efeitos dessa situação, que já teve a suspensão de serviços como o de Transplante Renal.
Devido a situação precária, o hospital oficializou o caso junto a SES, Sesau, CRM (Conselho Regional de Medicina) e ao MP (Ministério Público).
Vale destacar que o mês de Setembro é dedicado ao incentivo à doação de órgãos e tecidos. O ‘Setembro Verde’ tem seu ponto mais alto de campanha no dia 27, Dia Nacional da Doação de Órgãos.
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