Uma a cada cinco famílias chefiadas por pessoas autodeclaradas pardas ou pretas no Brasil passam fome atualmente, conforme novos dados 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (VIGISAN). Isso significa mais de 20%, o dobro em comparação com lares chefiados por pessoas brancas.
O Inquérito demonstra que a falta de alimento está ligada à descriminação racial e de gênero. Além disso, a situação alimentar piora a luz das desigualdades de gênero: 22% dos lares chefiados por mulheres autodeclaradas pardas ou pretas sofrem com a fome, quase o dobro em relação a famílias comandadas por mulheres brancas (13,5%).
O Inquérito é uma realização da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), com dados obtidos pelo Instituto Vox Populi entre novembro de 2021 e abril de 2022, com apoio das organizações Ação da Cidadania, ActionAid, Ford Foundation, Fundação Friedrich Ebert Brasil, Ibirapitanga, Oxfam Brasil e Sesc São Paulo.
A professora e coordenadora da Rede Penssan, Sandra Chaves, reitera que os novos dados divulgados ganham mais nitidez com o novo recorte. “A falta de alimentos e a fome são maiores entre as famílias chefiadas por pessoas negras, principalmente mulheres negras. Precisamos urgentemente reconhecer a interseção entre o racismo e o sexismo na formação estrutural da sociedade brasileira, implementar e qualificar as políticas públicas tornando-as promotoras da equidade e do acesso amplo, irrestrito e igualitário à alimentação”, afirma.
Maior escolaridade não é suficiente
O recorte de raça e gênero do II VIGISAN 2022 mostra que a maior escolaridade (quando a pessoa no comando da família tem 8 ou mais anos de estudo) não protegeu as famílias de mulheres negras da falta de alimentos. Um terço delas (33%) sofrem com insegurança alimentar moderada ou grave, comparado com 21,3% de homens negros, 17,8% de mulheres brancas e 9,8% de homens brancos.
Crianças em casa e menos comida na mesa
A fome foi uma realidade para 23,8% das famílias que tinham crianças menores de 10 anos e eram chefiadas por mulheres negras. Neste grupo, apenas 21,3% dos lares encontravam-se em segurança alimentar, menos da metade do que foi encontrado nos lares chefiados por homens brancos (52,5%) e quase metade do que ocorre nos domicílios chefiados por mulheres brancas (39,5%).
Emprego e renda ajudam na alimentação, mas de forma distinta
A situação de emprego e trabalho também influenciou a segurança alimentar das famílias no final de 2021 e início de 2022, segundo a cor da pele autodeclarada da pessoa responsável. Onde havia desemprego ou trabalho informal, a fome se fez presente na metade dos lares chefiados por pessoas negras, comparado com um terço dos lares chefiados por pessoas brancas. Na condição de desemprego, a insegurança alimentar grave, ou seja, a fome, foi mais frequente em domicílios chefiados por mulheres negras (39,5%) e por homens negros (34,3%).
Quando a pessoa responsável pelo domicílio tinha emprego formal, e a renda mensal familiar era superior a 1 salário mínimo per capita (SMPC), a segurança alimentar se fez presente em 80% dos lares chefiados por pessoas brancas e em 73% dos chefiados por pessoas negras.
Em MS
Conforme os dados do ano passado, Mato Grosso do Sul ficou em primeiro lugar, dentro do Centro-Oeste, com domicílios que enfrentam algum grau de insegurança alimentar, com 65%, seguido pelo Mato Grosso, com 63,2%, Distrito Federal com 61,5% e Goiás com 54,8%.
Segurança alimentar: a família/domicílio, tem acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais;
Insegurança Alimentar Leve: Preocupação ou incerteza em relação ao acesso aos alimentos no futuro; qualidade inadequada dos alimentos resultante de estratégias que visam não comprometer a quantidade de alimentos;
Insegurança Alimentar Moderada: Redução quantitativa de alimentos e/ou ruptura nos padrões de alimentação resultante de falta de alimentos;
Insegurança Alimentar Grave: Fome (sentir fome e não comer por falta de dinheiro para comprar alimentos; fazer apenas uma refeição ao dia, ou ficar o dia inteiro sem comer).
Dos 450 lares pesquisados em MS, 61,8% são chefiados ou de responsabilidade de pessoas do sexo feminino e 38,2% são de responsabilidade dos homens. Outro dado é que, dentro os domicílios com renda per capita igual ou inferior a um salário mínimo, 67,8% são compostas por pessoas da cor parda e/ou preta.
Ainda de acordo com o levantamento, menos da metade da população (35%) estão em situação de Segurança Alimentar, enquanto 20,5% estão em Insegurança Alimentar Moderada e 9,4% configura situação de Insegurança Alimentar Grave. Esses dados, se colocados por mil habitantes, representam que 267 famílias de Mato Grosso do Sul passam fome.
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