Dados inéditos mostram que autistas têm mais acesso à escola que a média da população, mas revelam desigualdades por raça, gênero e território
Mais de 29 mil pessoas em Mato Grosso do Sul afirmaram ter diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA), de acordo com dados inéditos do Censo Demográfico 2022 divulgados pelo IBGE nesta quinta-feira (23). O número representa 1,1% da população estadual. É a primeira vez que o censo inclui o autismo no questionário, graças a uma mudança na legislação aprovada em 2019.
A pesquisa mostra um retrato mais amplo e detalhado da presença do autismo no Estado. Campo Grande, concentra 10.779 dos diagnósticos, com 1,2% da população local afirmando conviver com o transtorno. Mas é em municípios menores como Corguinho (2%) e Bela Vista (1,7%) que aparecem as maiores proporções. Na outra ponta, cidades como Novo Horizonte do Sul e Rio Negro registraram os menores percentuais, com 0,3% e 0,4%, respectivamente.
Segundo os dados, os homens representam a maioria das pessoas com autismo em MS: são 17.654 diagnósticos contra 11.435 em mulheres. A diferença é de 62,5%, o que reforça uma tendência observada mundialmente, de maior prevalência ou diagnóstico entre o sexo masculino.
Diagnóstico é mais comum entre crianças e adolescentes
A faixa etária com maior percentual de diagnósticos é a de 5 a 9 anos, onde 2% das crianças declararam ter TEA. Números também elevados aparecem entre os de 0 a 4 anos (1,7%) e de 10 a 14 anos (1,7%). A concentração de diagnósticos nas faixas mais jovens pode estar ligada ao crescimento de iniciativas de detecção precoce e ao aumento da conscientização sobre o tema.
“Isso pode estar relacionado ao fato de as iniciativas de busca por diagnósticos tenham se intensificado nos anos mais recentes e de que a identificação desta característica nestes primeiros anos tenha ganhado importância devido à necessidade de esforços diferenciados no desenvolvimento das crianças e jovens com algum grau de autismo”, explicou Raphael Alves, analista do IBGE.
Na escola, maior presença entre estudantes de 6 a 14 anos
Entre os 603 mil estudantes com 6 anos ou mais de idade em MS, 9.646 declararam ter diagnóstico de TEA — 1,5% do total. A maior concentração está entre os 6 e 14 anos, faixa em que o percentual sobe para 1,8%. Homens mais uma vez são maioria, com 6.785 estudantes (2,1%) contra 2.861 mulheres (0,9%).
Esse recorte reforça o dado etário observado anteriormente, mas também revela uma preocupação: o índice cai com o avanço da idade escolar, o que pode indicar barreiras de permanência e exclusão educacional na adolescência e vida adulta.
Brancos e amarelos têm mais acesso; indígenas têm os menores índices
A desigualdade racial também aparece nos dados. Estudantes que se identificam como amarelos apresentaram o maior percentual de diagnóstico de autismo (2,2%), seguidos por brancos (1,7%) e pretos e pardos (1,4%). Os menores índices estão entre estudantes indígenas: apenas 0,5% afirmaram ter TEA.
A diferença se mantém quando se analisa a taxa de escolarização: enquanto 41,8% dos autistas brancos estão frequentando algum curso, entre os indígenas o índice é de apenas 24,2%, valor inferior ao da população indígena em geral (36,9%). A situação pode indicar uma dupla exclusão: pelo diagnóstico e pela origem étnica.
Mais escolarizados que a média, mas com limites
Apesar dos desafios, a população com autismo em Mato Grosso do Sul apresenta taxas de escolarização mais altas do que a média da população total. Enquanto 26,3% dos sul-mato-grossenses com 2 anos ou mais estavam estudando em 2022, entre os autistas esse índice foi de 39,2%.
Entre os homens com TEA, a taxa sobe para 46,8%. Nas mulheres, o número é de 28,3%. Mesmo sendo menores que os dos homens, esses dados também superam a taxa média das mulheres do estado (26,1%).
A explicação está, em parte, na concentração do diagnóstico em faixas etárias mais jovens, que costumam apresentar níveis altos de escolarização. Ainda assim, há sinais de que muitas pessoas com autismo mantêm vínculos educacionais por mais tempo ou retornam à escola na vida adulta. Isso se observa, por exemplo, nas taxas do grupo entre 18 e 24 anos, em que a escolarização entre pessoas com TEA (35%) supera a média estadual (28,9%).
Outro dado relevante é que 5,7% dos autistas com 6 anos ou mais estavam matriculados em cursos de alfabetização de jovens e adultos — o maior índice entre os tipos de curso. O dado sugere trajetórias educacionais não lineares, com interrupções e retornos, que também podem indicar dificuldade de acesso ao sistema de ensino tradicional.
Um retrato que exige políticas públicas
O retrato traçado pelo Censo 2022 sobre pessoas com autismo em Mato Grosso do Sul evidencia avanços, como o aumento da escolarização, mas também alerta para desigualdades de gênero, raça e permanência educacional. Municípios com baixíssimos índices de diagnósticos podem estar diante de subnotificações, e o percentual reduzido entre indígenas aponta para barreiras que vão além da questão médica.
Os dados, ainda que preliminares, são um passo importante para o planejamento de políticas públicas mais efetivas e inclusivas. Como previu a Lei nº 13.861/2019, que determinou a inclusão do TEA no censo, conhecer o perfil dessa população é essencial para que ela não fique invisível nas estatísticas — e, por consequência, nas decisões do poder público.
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