Entrevista da semana: “A OAB de MS precisa se sensibilizar”, diz Giselle Marques

Foto: O Estado Play
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Pré-candidata da terceira via prega a renovação e quer fazer resgate de apoios à profissão

“A OAB de MS precisa se sensibilizar”A primeira entrevistada da série sobre os candidatos à eleição da OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Mato Grosso do Sul) é a pré-candidata Giselle Marques, natural de Corumbá. 

O  movimento “Pela OAB Que Queremos” conta com os advogados Tiago Araújo e Luiza Ribeiro na chapa, e entra na disputa como terceira via. A eleição da nova diretoria ocorre no mês de novembro e com possibilidades de três chapas sendo lançadas.

Ao jornal O Estado, Giselle explica que o objetivo da candidatura é dar apoio necessário ao  advogado, com renovação da Ordem e fazendo com que a instituição seja um local de auxílio ao profissional. Defensora da participação das mulheres na gestão, ela é tida como a pré-candidata com as condições de independência e visão para dar à Ordem uma direção moderna, capaz de se conduzir à altura diante de desafios atuais, entre os quais a responsabilidade do advogado com a democracia, o Estado de Direito e as legítimas aspirações do povo à própria cidadania. 

“A instituição interessa tanto aos advogados quanto a toda a sociedade. A advocacia faz parte da democracia. A prerrogativa dos advogados é de ser um instrumento da democracia”, prega. 

Depois de estudar no Centro Educacional Júlia Gonçalves Passarinho, Colégio Estadual Maria Leite e Colégio Imaculada Conceição em Corumbá, Giselle mudou-se para Campo Grande e aprofundou seus estudos até formar-se e alcançar a graduação de doutora em Direito pela Universidade Veiga de Almeida (RJ) e pós-doutora em Meio Ambiente. 

Acumulando conhecimentos, tornou-se uma das mais respeitadas palestrantes e debatedoras de temas relacionados à profissão, aos direitos humanos, a sustentabilidade, cultura, gestão e políticas afirmativas. 

O Estado: Qual é sua motivação para se lançar candidata a presidente da OAB/MS? 

Giselle: Percebemos que há uma grande parcela da advocacia que não está sendo ouvida e não se sente representada na forma como vem sendo conduzido o trabalho dentro da Ordem dos Advogados do Brasil. Nós percebemos que falta ainda um trabalho da OAB/MS de esclarecer a população acerca dos custos da advocacia, que é algo que a gente percebe em outros estados. Nós percebemos que não há uma prática em se chamar os advogados e advogadas para esclarecer sobre a questão da tabela dos honorários mínimos. Temos situações, por exemplo, em que a Defensoria Pública é uma conquista da cidadania. Nós apoiamos, mas a Defensoria Pública tem de atender o juridicamente necessitado. E muitas vezes ela acaba atendendo quem teria condições de pagar um advogado. 

Então, a gente vê que a OAB/MS não está preocupada com essas questões. Tem gente que está “matando um leão” por dia para sobreviver dentro da advocacia, a situação está muito difícil e principalmente na advocacia de massa. Nesses casos, os editais vêm prontos e as advocacias aderem com preços baixos e que vão resultar na precarização da advocacia. Isso, para que ele consiga honrar aquele preço daquele contrato, vão se contratar vários jovens advogados ganhando cerca de R$ 1,5 mil e trabalhando muitas horas por semana. Tem uma exploração da mão de obra daquele que se preparou, pois quem tem uma carteira da OAB teve de fazer um exame de Ordem e são pessoas preparadas na defesa da população. 

Então, a gente percebe que há um distanciamento da Ordem em relação a essas preocupações. A gente percebe a OAB/MS está preocupada com o quinto Constitucional, com inaugurações de sedes, com algumas questões que não vão se refletir diretamente na melhora do exercício da advocacia. Por isso nós elaboramos uma plataforma lançada na internet e estamos colhendo a proposta. 

O Estado: Como será montada e qual composição a senhora planeja para sua chapa? 

Giselle: Está sendo construída por  meio de pessoas representativas, pessoas que não estão ligadas aos grupos que tradicionalmente vêm comandando o poder na OAB/MS. Há muito tempo a gente vê que a OAB/MS é comandada por grupos que se revezam. Ou é o grupo A ou o B e nada muda, e nós queremos mudanças de verdade. E “A OAB/MS que Queremos” é um movimento que representa essa mudança e essa transformação. Temos muitos jovens que são advogados, muitos professores universitários que são advogados, e que é o meu caso. Eu sinto a dor dos meus alunos que se formam e não conseguem se posicionar no mercado e vão fazer outra coisa da vida. Tem muitos trabalhando como motoristas de aplicativo e isso é uma coisa muito triste. 

A OAB de MS precisa se sensibilizar. Há uma precarização da atividade e falta de sensibilidade; por exemplo: há uma cesta básica que é disponível ao advogado que esteja passando fome, mas para ter acesso ele precisa estar em dia com a sua contribuição anual. Ora, nós temos uma das anuidades mais caras do Brasil e que menos serviços oferece. No contexto da pandemia, a OAB do Paraná, por exemplo, possibilitou a isenção da taxa para os advogados que comprovassem ter perdido um contrato ou emprego. A OAB de Mato Grosso do Sul não deu sequer um desconto, então a gente percebe que essa precarização existe e precisa mudar. Precisamos voltar a ter condições de desempenhar a nossa profissão, o nosso trabalho e sendo remunerados de forma digna. 

O Estado: Como espera que seja a campanha para eleição da nova direção da OAB? Mais de exposição de ideias ou de embate entre os candidatos? 

Giselle: Somos o terceiro grupo, a terceira via, e vistos como novidade. O nosso movimento está muito preocupado em ter projeto construído por advogados e advogadas. Por isso nós construímos essa plataforma para colher as propostas. Não estamos preocupados em ter embates pessoais. Queremos fazer um debate de alto nível para que a advocacia construa as propostas. 

O Estado: Como avalia a atual gestão da OAB de MS?

Giselle: A atual gestão poderia ter efetivado algumas ações para evitar a desvalorização da profissão, como, por exemplo, campanhas de esclarecimento à população quanto aos custos da advocacia, incentivos e fiscalização quanto à prática dos honorários mínimos estabelecidos na tabela. A nossa anuidade é uma das mais caras do país, e das que menos serviços oferece. O Plano de Saúde coletivo da Unimed é mais caro pela OAB do que um plano individual. Não temos assistência funeral, odontológica, nem seguro de vida, serviços que várias seccionais oferecem país afora cobrando bem menos do que a OAB de MS. 

Em relação à pandemia, a OAB do Paraná, por exemplo, suspendeu o pagamento das anuidades para advogados que ficaram desempregados ou que perderam contratos. A OAB de MS poderia ter atuado neste mesmo sentido. Nosso movimento levou ao secretário de Estado de Saúde documento solicitando a inclusão dos advogados como grupo prioritário na vacinação, possibilidade que não recebeu o apoio da atual gestão, a qual entendeu ser reivindicado “privilégio”, desmerecendo o fato de que os tribunais transferiram para os escritórios de advocacia o ônus de receber as partes e as testemunhas durante as audiências, mesmo em pleno “lockdown”. Também não atentaram para o fato de que os advogados criminalistas continuaram a atender pessoas em delegacias e estabelecimentos penais. Além disso, a OAB de MS se afastou das grandes questões nacionais e locais de interesse da sociedade.

O Estado: O que propõe para facilitar a rotina do advogado sul-mato-grossense? 

Giselle: Vou buscar os diferentes tribunais para solicitar a padronização das plataformas para a realização de audiências, que atualmente se dão ora pelo “teams”, ora pelo “zoom”, “meet”, etc. Também pleitearei junto aos tribunais a padronização dos diferentes programas. Hoje há o E-saj, o PJE, etc. Pretendemos firmar convênio com Sejusp e Agepen para a criação de parlatório virtual para advogados criminalistas procederem ao atendimento de seus clientes. Em tal plataforma o advogado poderá solicitar o contato com o cliente por e-mail, de acordo com a unidade onde está detido, e acesso às Salas Virtuais, onde as videoconferências poderão ser realizadas em tempo real diretamente do escritório de advocacia. Uma vez agendada a videoconferência, bastará inserir o nome e o registro da OAB e um funcionário do Depen irá colocar o cliente em contato com o advogado no horário previamente previsto. Também vamos buscar o acesso dos advogados ao sistema SIGO. Pretendo criar a Procuradoria-Geral da OAB para defender advogados violados em suas prerrogativas, serviço que não pode ser apenas voluntário.

O Estado: O que o jovem advogado pode esperar se a senhora for eleita? 

Giselle: Os novos advogados terão isenção da anuidade nos cinco primeiros anos de inscrição, como forma de incentivo para que possam se estabelecer na carreira. Isso é possível. A OAB do DF, por exemplo, cobra R$ 800 a anuidade, mas o recém-inscrito paga apenas R$ 200 entre o primeiro e o segundo ano de inscrição, R$ 250 no terceiro ano e R$ 400 no quarto ano. Em MS, a anuidade é de R$ 1.018 e o recém-inscrito já entra pagando R$ 865.  Um absurdo. Vamos criar o programa Meu Primeiro Escritório para a inclusão dos jovens advogados na OAB e no mercado de trabalho. Buscaremos linhas de crédito a juros baixíssimos para custear os móveis, equipamentos e o capital de giro do escritório de advocacia. Ofereceremos cursos para orientar a abertura e o gerenciamento de escritórios e empresas de advocacia, fomentando o empreendedorismo, além de um plano de previdência privada que possibilite a esse profissional futuramente se aposentar com conforto e dignidade. Criaremos um “selo” para premiar os escritórios que cumprem com o pagamento do piso salarial.

O Estado: Considera importante maior participação das mulheres na OAB? 

Giselle: Sim, muito importante. Para tanto pretendemos instituir nas sedes e salas da OAB espaços privativos para a amamentação, brinquedoteca e biblioteca infantojuvenil para que as advogadas possam deixar os seus filhos enquanto participam de reuniões da OAB. Esse serviço também poderá ser utilizado pelas advogadas que tiverem algum imprevisto e eventualmente precisem deixar seus filhos para a realização de audiências. Buscaremos junto aos tribunais a viabilização desses espaços, pois atualmente a mãe advogada está desassistida. Eu mesma já fui barrada no TJMS onde compareci para uma sustentação oral às 7h30 da manhã, com minha filha de 10 anos na época. Disseram que ela não poderia entrar no plenário. Só depois de muita insistência consegui exercer minha prerrogativa de entrar no plenário com minha criança, pois a babá havia faltado. Enquanto isso, perdi o “lugar na vez”. Advogados que chegaram depois de mim, e passaram tranquilamente, foram os primeiros a falar. Isso demonstra como a mulher advogada precisa de um suporte por parte da OAB. Vamos criar uma Ouvidoria para que a mulher advogada possa reivindicar e sugerir novas e melhores medidas.

O Estado: Como avalia o fato ideológico ter tomado conta da OAB federal? 

Giselle: É papel da OAB defender a democracia, os direitos humanos, e os advogados exercem uma função social muito importante. O que não pode haver é partidarismo. Muitas vezes vai se buscar um exemplo de partidarismo lá no Conselho Federal e não se olha para o que está acontecendo aqui em Mato Grosso do Sul. Vou dar um exemplo: eu liderei um movimento contra o desmatamento do Parque dos Poderes, e pedi apoio a minha instituição. Muitos advogados e advogadas estavam engajados e a OAB de MS não deu apoio algum. Nem a Comissão de Meio Ambiente se prontificou a ir às manifestações e às coletas de assinaturas que fizemos. Fizemos um abaixo-assinado com mais de 10 mil assinaturas. Conseguimos apoio do Ministério Público na defesa da vegetação da mata nativa do Parque dos Poderes. E até hoje não houve explicação sobre os motivos de a diretoria da OAB/MS não ter dado esse apoio, ainda mais que nossa sede está na Avenida Mato Grosso, que fica na entrada do parque. O que não pode é o presidente da nossa entidade com os seus interesses e a sua relação com político A ou B se colocar à frente dessas situações que estão sendo enfrentadas. Então, neste sentido, o que eu vejo muito é que neste ano, que é eleitoral e vamos ter eleições, de repente passou-se a crucificar o Felipe Santa Cruz com essa ideia de que ele partidarizou. Só que a OAB/MS acabou de inaugurar um sistema fotovoltaico, que vai diminuir muito a conta de energia elétrica, um sistema que foi pago integralmente pelo Conselho Federal. Então, estão tendo várias inaugurações de subseções no interior com muita participação de recursos do Conselho Federal. 

Então até ontem, quando interessava buscar dinheiro no Conselho Federal, o Felipe Santa Cruz era bom. Agora, que estamos às vésperas da eleição, o Felipe Santa Cruz se tornou o partidário. Eu acho que você tem de ter coerência. Particularmente a questão do Conselho Federal está muito distante da realidade de Mato Grosso do Sul. Mas temos, sim, a visão de que a OAB tem de defender a Constituição, defender os direitos fundamentais, e este é o nosso parâmetro. Agora, naturalmente o atual presidente [Mansour] votou para presidente da República como também os três pré-candidatos que se apresentam como pretensos à eleição também votaram em alguém para a Presidência. 

O Estado: Uma das críticas para a OAB Nacional é o sistema de escolha, que acaba sendo uma eleição de forma indireta? Como alterar isso?

Giselle: Sim. Discutimos isso entre o nosso movimento e somos favoráveis às eleições diretas. Até para evitar essa questão de distância entre o estado e a cúpula nacional.

(Texto: Andrea Cruz e João Flores)

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Confira entrevista da candidata no O Estado Play: 

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