A cultura do abandono paternal no Brasil: Centro-oeste é a terceira região com 6,5% de crianças sem o registro do pai

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O convívio familiar é considerado a base essencial para o desenvolvimento saudável da personalidade infantil. A presença de afeto, orientação e cuidado por parte dos cuidadores desempenha um papel crucial na formação de crianças, moldando não apenas seu caráter, mas também sua visão de mundo. No entanto, a realidade do abandono paternal lança uma sombra sobre essa importante fase da vida, resultando em consequências psicológicas graves e, em alguns casos, irreversíveis.

O abandono paternal não se resume apenas à ausência de um nome no registro de nascimento; ele deixa marcas profundas na psique da criança. A falta de presença física, emocional e orientação pode desencadear consequências psicológicas graves, como ansiedade, depressão, problemas de autoestima e dificuldades nos relacionamentos interpessoais. Essas cicatrizes, muitas vezes, acompanham os filhos ao longo de suas vidas, influenciando seu bem-estar emocional e sua capacidade de construir relações saudáveis.

Em meio à complexidade das relações familiares, o abandono paternal emerge como um desafio crescente na sociedade brasileira. Os números são impactantes e revelam desigualdades regionais marcantes. As duas maiores metrópoles brasileiras, Rio de Janeiro e São Paulo, lideram o ranking com 677.676 e 663.375 casos, respectivamente. Em contrapartida, Roraima surge como o estado com menos crianças sem o nome do pai no registro de nascimento.

A sociedade brasileira, composta por 67 milhões de mães, testemunha que 31% delas, equivalente a 20 milhões, são mães solo, enfrentando diariamente os desafios de criar filhos sem o suporte emocional e financeiro adequado por parte dos pais ausentes. A problemática do abandono paterno, embora onipresente, muitas vezes permanece à margem das discussões públicas, emergindo apenas em casos processuais ou situações impactantes, como a crise sanitária causada pelo zika vírus em 2016 e as séries de abandonos paternos a ela associadas.

Em 2020, o Brasil testemunhou 1.581.404 nascimentos, porém, 92.092 crianças foram registradas sem a presença do pai. Estes números, longe de serem insignificantes, indicam uma realidade preocupante. Entre janeiro de 2020 e janeiro de 2023, com 7.941.058 nascimentos, a situação persiste, totalizando 483.607 crianças registradas apenas com o nome da mãe (ROTA JURÍDICA, 2022).

Os dados evidenciam que aproximadamente 5,5 milhões de brasileiros não possuem registro paterno na certidão de nascimento, enquanto quase 12 milhões de famílias são lideradas por mães solo. A pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas em 2022 revela que 11 milhões de mulheres criam seus filhos sozinhas no Brasil.

O levantamento da Central Nacional de Informações do Registro Civil (CRC) destaca que, em 2020, 6,31% das 1.280.514 crianças nascidas foram registradas apenas com o nome das mães. Em 2021, esse número foi de 167.285 crianças, sem o nome do pai registrado.

Confira o gráfico a seguir com as estatísticas das regiões do Brasil onde não há registro do nome do pai: 

O levantamento aponta que a região Norte do país lidera em registros de crianças sem o nome do pai, com 10,4% dos casos. O Nordeste segue em segundo lugar, com 7,6%, seguido pelo Centro-Oeste, com 6,5%. Em Mato Grosso do Sul, dados do Portal da Transparência do Registro Civil revelam que, no ano passado, dos 40.844 registros, 2.747 crianças receberam apenas o nome da mãe. Este número permanece praticamente constante em relação a 2021, quando, dos 43.496 nascimentos, 2.720 não receberam o nome paterno.

É crucial destacar que o abandono paternal pode assumir formas tanto materiais quanto afetivas. O abandono afetivo ocorre quando o pai, apesar de registrar e, às vezes, pagar pensão, não demonstra qualquer sentimento pela criança.

Abandono Afetivo

O abandono afetivo não é apenas uma ausência física, mas uma lacuna emocional que pode ter consequências psicológicas graves e, em alguns casos, irreversíveis para as crianças envolvidas. É imperativo que a sociedade e os órgãos competentes se mobilizem para conscientizar sobre a importância da presença e do envolvimento emocional dos pais na vida de seus filhos. A paternidade vai além de meros registros; é um compromisso emocional que molda o futuro da próxima geração.

A missão da paternidade muitas vezes se perde na concepção moderna de família. O papel do pai não se resume apenas a obrigações financeiras, mas envolve amor, presença e cuidado tanto nas questões físicas quanto emocionais. Em um cenário onde mais de 5,5 milhões de brasileiros não possuem o registro paterno na certidão de nascimento e quase 12 milhões de famílias são formadas por mães solo, surge a necessidade de explorar as causas e consequências do abandono paternal.

Segundo dados do Portal da Transparência do Registro Civil, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, o abandono paternal persiste como uma realidade preocupante. Em 2022, foram registrados 40.844 nascimentos, dos quais 2.747 crianças receberam apenas o nome da mãe. Esses números se mantêm na média em relação a 2021, evidenciando a persistência desse fenômeno.

A conselheira Leticia Ferreira Louveira, integrante do 5° Conselho Tutelar/Lagoa, destaca que a ausência do nome do pai na certidão de nascimento pode ser averiguada junto à Defensoria Pública ou aos cartórios de registro civil. Essa informação é crucial para entender a extensão do problema e direcionar as ações adequadas.

Ao lidar com casos de abandono paternal, o Conselho Tutelar de Campo Grande segue procedimentos claros. A conselheira Leticia explica que, após receber denúncias, o órgão comunica o Ministério Público e encaminha os envolvidos à Defensoria Pública para o reconhecimento de paternidade, regularização de pensão alimentícia e, se necessário, visitas à criança. Em casos extremos, é possível encaminhar o caso à delegacia para o registro de boletim de ocorrência por abandono material.

O Conselho Tutelar atua como um ponto de partida, encaminhando e destinando casos. O acompanhamento é realizado pela Defensoria Pública, em alguns casos pela delegacia, assistência social e saúde. A colaboração entre esses órgãos é essencial para uma abordagem abrangente.

Diante de situações de abandono paternal, medidas imediatas são necessárias para proteger a criança. O registro de boletim de ocorrência é uma delas, visando responsabilizar o autor. Além disso, o acompanhamento sócio familiar, realizado por órgãos públicos ou organizações da sociedade civil, visa fortalecer os vínculos familiares e auxiliar na superação das fragilidades.

O suporte emocional e a orientação de longo prazo são oferecidos pelos órgãos da rede de proteção, SAS (Secretaria Municipal de Assistência Social), SESAU (Secretaria Municipal de Saúde) e organizações civis com programas de apoio psicológico ou acompanhamento sócio familiar. O Conselho Tutelar, ao decidir sobre a necessidade de encaminhar um caso ao sistema judicial, considera cuidadosamente os fatores envolvidos.

Pela Lei

A advogada Dra. Marina de Fátima Paiva destaca que, no Brasil, o abandono paternal é abordado pelo Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. O não cumprimento das obrigações parentais pode resultar na perda do poder familiar, responsabilização penal e indenização por danos morais.

O enfrentamento do abandono paternal exige uma abordagem multidisciplinar, envolvendo órgãos públicos, instituições civis, e a sociedade em geral. Dra. Marina destaca que no Brasil, o abandono paternal é regulamentado pelo Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. O artigo 1638 desse código estabelece que o pai ou a mãe que deixar o filho em abandono material ou moral perderá o poder familiar. O sistema legal brasileiro define o abandono paternal como a falta de cuidado, sustento, educação e assistência moral do pai para com o filho. Esse abandono pode ser material, moral ou ambos. Material refere-se à falta de recursos financeiros para o sustento do filho, enquanto o moral envolve a ausência de afeto, carinho, atenção e orientação.

 As consequências legais para um pai acusado de abandono paternal podem ser severas. Dra. Marina destaca três penalidades comuns no Brasil: perda do poder familiar, responsabilização penal por crime de abandono de incapaz e indenização por danos morais ao filho. As penalidades podem variar dependendo das circunstâncias do abandono, incluindo a idade do filho, a duração do abandono, a gravidade dos danos e outros fatores agravantes. A Dra. Marina enfatiza que a perda do poder familiar é a penalidade mais grave, seguida pela responsabilização penal e indenização por danos morais.

A guarda compartilhada pode ser uma ferramenta preventiva contra o abandono paternal. A participação ativa dos pais na vida dos filhos reduz a propensão ao abandono e facilita a identificação precoce de casos. Além disso, a guarda compartilhada pode promover a reconciliação familiar. Para quem enfrenta uma situação de abandono paternal, Dra. Marina recomenda a coleta de evidências, como comunicações por escrito, fotos, vídeos e testemunhos. A apresentação de ação judicial pode envolver ordens para pagamento de pensão alimentícia, manutenção de contato ou perda do poder familiar.

A mediação e os acordos extrajudiciais podem ser valiosos para resolver questões como pensão alimentícia, contato com o filho e perda do poder familiar. Essas abordagens buscam soluções mutuamente aceitáveis, promovendo o diálogo entre as partes.

 A Dra. Marina destaca precedentes que moldaram a jurisprudência brasileira sobre o abandono afetivo, mostrando que as ações legais podem resultar em indenizações por danos morais e até na perda do poder familiar. Para comprovar o abandono paternal, Dra. Marina enfatiza a importância de documentos, depoimentos de testemunhas e laudos periciais. A escolha das evidências dependerá das circunstâncias do caso.

 Os recursos legais disponíveis incluem ações de investigação de paternidade, alimentos, guarda, regulamentação de visitas e perda do poder familiar. A escolha dependerá das circunstâncias específicas do caso.

Prédio de onde criança caiu do 3º andar no Bairro Aero Rancho/Foto: Marcos Maluf.

Caso Bebê de 4 meses

Em Campo Grande o caso do bebê de apenas 4 meses caiu do 3º andar de um prédio tornou grandes proporções nas redes sociais, onde internautas acusaram a mãe da criança de diversas formas. Neste caso, a pergunta que deveria também ser levantada seria; Por onde estava o pai que também não forneceu cuidados a ela?

A mãe da criança, que foi presa em flagrante por abandono de incapaz, o pai do bebê também será investigado por negligência, de acordo com informações fornecidas pela polícia.

No relato à polícia, a mãe alegou ter deixado o bebê sozinho por aproximadamente 30 minutos. Durante esse período, a criança estava sob os cuidados da irmã mais velha, de 7 anos, e do irmãozinho, de 3 anos. A mãe afirmou que saiu para pagar uma conta nas proximidades da residência.

A delegada responsável pelo caso, Nelly Macedo, informou para o portal de notícias G1, que o pai das outras duas crianças, que não tem muito contato com a filha mais velha, também pode ter sua conduta investigada. A criança mais velha revelou durante o depoimento que tem pouco contato com o pai. Em relação ao bebê de 4 meses, a delegada destacou para o G1 que houve a informação de que o pai compareceu ao hospital após o acidente.

“A criança mais velha narrou que não tem muito contato com o pai. O bebê de quatro meses, que foi a menina que se acidentou, nós obtivemos a notícia de que o pai até compareceu ao hospital. Sobre a negligência, vamos apurar a participação, se eles estão pagando a pensão”, explicou a delegada Nelly Macedo para o G1.

A bebê encontra-se internada em estado grave na Santa Casa de Campo Grande. Neste caso, A Dra. Gabriela Alves Cardoso Real também especialista em advocacia familiar ressalta que, se o pai for identificado e ciente do abandono, pode ser responsabilizado por omissão de socorro ou até mesmo por crime de abandono de incapaz, dependendo das circunstâncias.

“Em casos como esse, onde há um incidente envolvendo a segurança e bem-estar de uma criança, as autoridades competentes geralmente realizam investigações para determinar as circunstâncias e responsabilidades. Como o bebê não tinha o registro do pai na certidão de nascimento, isso pode complicar o processo de averiguação, mas não necessariamente isenta o genitor de suas responsabilidades legais. O pai biológico pode ser identificado por meio de testes de DNA, caso seja necessário.

A responsabilidade legal dos pais em casos como esse pode depender de vários fatores, incluindo as leis de proteção à criança, negligência e abandono.”

 

Enfrentar o abandono paternal requer não apenas ações judiciais e políticas, mas também uma mudança cultural e social. É fundamental promover debates conscientes sobre a importância da paternidade responsável e do convívio familiar. Incentivar a participação ativa dos pais na vida de seus filhos não apenas fortalece os laços familiares, mas também contribui para a construção de uma sociedade mais equitativa e saudável.

O desafio do abandono paternal não pode ser ignorado, e sua superação demanda esforços conjuntos da sociedade, instituições governamentais e organizações não governamentais. Reconhecer a necessidade de um ambiente familiar acolhedor e envolvente é o primeiro passo para garantir que todas as crianças tenham a oportunidade de crescer em um ambiente amoroso e equitativo, construindo assim as bases para um futuro mais promissor.

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