Pude acompanhar a sub-secretária-geral da ONU e sua comitiva por aldeias indígenas, áreas de retomadas e quilombo, em Dourados e Caarapó. Suas falas já demonstravam, mesmo antes das observações preliminares, preocupações frente às nítidas violações de direitos humanos do Estado de Mato Grosso do Sul contra indígenas e quilombolas, que vimos ao longo do dia.
Em alguns momentos, em especial quando ela me olhava, buscava desviar meu olhar, pois estava envergonhado com tantas atrocidades. Era alguém de fora do nosso país, vendo um Brasil perverso, faminto e que nega água, comida, saúde e tantos outros direitos.
Após 11 dias no Brasil, tendo passado em MS por Campo Grande, Dourados e Caarapó, Alice Nderitu, sub-secretária-geral da ONU, apresentou, na última sexta-feira (12), as observações preliminares que pôde constatar com seus olhos. Para ela, a situação dos Guarani e Kaiowá de MS é próxima a dos Yanomami. Entretanto, destacou um agravante: as terras por aqui não são demarcadas, consequentemente, vêm sendo alvo de disputas por grandes agricultores.
Verificou expulsões violentas, vidas às margens das rodovias, condições degradantes e desumanas, discursos de ódio e discriminação ao acesso de serviços básicos, como água potável, alimentação, saúde e educação. A representante da ONU declarou estar “chocada com a extrema pobreza deles”. Outro ponto negativo destacado foi o uso excessivo da força pelos órgãos de segurança contra indígenas desarmados, levando a assassinatos, prisões arbitrárias e detenções, acarretando graves danos físicos e mentais à população.
Afirmou ter recebido vários relatos e testemunhos do tratamento humilhante e degradante dos Guarani e Kaiowá, o que vem acarretando um intenso aumento de suicídios entre jovens. Um caso que lhe tocou, foi o de um casal de idosos com 104 e 96 anos, em Caarapó.
“Esse casal passou a vida lutando inutilmente pelo direito à terra, no Mato Grosso do Sul. Eles perderam toda a família, filhos, netos e bisnetos nessa luta. Eles imploraram pela demarcação de suas terras, pelo menos antes de morrer”. Ressaltou que a pulverização de pesticidas nocivos por agricultores vem sendo inalada pelos Guarani e Kaiowá, o que acarreta diversos problemas de saúde e morte de crianças. “Recebi relatos de assassinatos, mutilações e detenções de líderes comunitários, sem qualquer responsabilidade”.
Chamou a atenção para a redução de orçamento da Fundação dos Povos Indígenas (Funai), nos últimos anos, inviabilizando, portanto, a prestação de serviço e proteção aos povos indígenas.
Constatou, com preocupação, as graves violações do direito internacional dos direitos humanos contra esses grupos, o uso em excesso da força por agentes de segurança e as tensões intergrupais. Concluiu, preliminarmente, que são necessárias medidas urgentes por parte das autoridades, da sociedade civil, da mídia, das Nações Unidas e de outros atores, para corrigir a trajetória.
Ainda são análises preliminares e já são péssimas. A partir de seus relatos resta claro que o Brasil violenta os direitos humanos. O que Alice Nderitu, representante da ONU, testemunhou com seus olhos é visível para qualquer ser humano que vá a um território, no MS. Ouço muitos políticos falando que o agronegócio quer segurança jurídica, ousaria dizer que não é só ele, os povos indígenas e quilombolas também querem segurança jurídica.
A propriedade privada é um direito protegido pela Constituição Federal, mas a demarcação das terras indígenas e titulação das terras quilombolas também estão expressas no mesmo livro. Se queremos segurança jurídica e respeito à Constituição Federal, os agentes políticos, em especial do poder Executivo, precisam parar de intensificar a crise agrária que vive o MS.
O agronegócio tem direitos, mas os povos indígenas e quilombolas também possuem, na mesma medida. Segurança jurídica se faz com respeito aos proprietários de terra, aos povos indígenas e aos quilombolas. Insistir em defender apenas um lado e criminalizar o outro é discurso de quem quer manter a insegurança. Que o Brasil não espere o relatório final da ONU para começar a agir, pois as observações preliminares já identificam violação de direitos por inércia do poder Executivo federal, estadual e municipal.
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