Combinação entre ETE, Wetlands e processo oxidativo através de pesquisa, propõe eliminar os chamados ‘poluentes emergentes’
Julisandy Ferreira
Em busca de um saneamento que foge ao padrão convencional e visa se destacar não somente no Brasil ou em Mato Grosso do Sul, mas em todo o mundo, três instituições do Estado se uniram para elevar a qualidade do saneamento. Em conjunto, a Águas Guariroba, a UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e a UCDB (Universidade Católica Dom Bosco) são parceiras no pioneirismo do estudo que visa elevar a qualidade do esgoto e da água potável que chega para a população.
Com a pesquisa “Desempenho de tecnologias avançadas e combinadas com Wetland construído para remoção de contaminantes emergentes em efluente de estação de tratamento de esgoto”, a pós-doutoranda, Priscila Sabioni Cavalheri, foi a primeira no mundo a desbravar os desafios do saneamento a partir da tríade ETE, Wetlands e processo oxidativo. Através da unidade piloto de polimento do efluente tratado, a ecotecnologia conhecida como Wetlands, localizada dentro da ETE (Estação de Tratamento de Esgoto) do bairro Los Angeles, possibilita a coleta de efluentes que recebem em um novo processo de pesquisa um polimento a mais quanto aos resíduos denominados “poluentes emergentes”.
Embora o Wetlands tenha sido instalado em 2017, o trabalho em prol de entender as possibilidades que a ecotecnologia permite só foi estruturado a partir da pesquisa de Cavalheri, que começou o doutorado e consequentemente se debruçou sobre o tema, em 2018. “Em 2017 tinha acompanhamento, mas não tinha nenhum projeto de fato. Agora tem vários novos projetos, tanto de doutorado, quanto de mestrado também. Essa parceria não finalizou com a defesa do meu doutorado, ela continuou. O Wetlands foi implantado pela UCDB, eu fiz o doutorado na UFMS e o tratamento pelo processo oxidativo é um projeto da UFMS, então é uma parceria entre Águas, UFMS e UCDB”, destaca.
Atualmente o abastecimento na cobertura feita pela Águas Guariroba representa 99,9% e a coleta de esgoto ultrapassa 80% na Capital. O esgoto coletado é 100% tratado antes de ser lançado nos córregos. A agência segue padrões internacionais, a fim de garantir confiabilidade frente aos órgãos ambientais.O laboratório de efluentes da concessionária foi o primeiro de MS a receber a CGCRE (Acreditação do INMETRO). Hoje, a Capital comporta duas ETEs, ou seja, duas estações de tratamento de esgoto. Uma delas, está localizada no bairro Los Angeles, e onde é desenvolvido o projeto de Cavalheri, com o potencial de tratar 900 litros por segundo. Já a segunda ETE, é a Imbirussu, que apresenta uma tecnologia inédita e trata em média 120 litros por segundo.
O chamado processo oxidativo avançado é o tratamento do efluente coletado após a passagem pelo Wetlands. Na pesquisa de Cavalheri, esse processo foi realizado através do foto-fenton solar, que utiliza a luz natural para obter o menor consumo de reagentes na degradação dos contaminantes emergentes. Esse processo, embora não esteja previsto em legislação, é essencial para tratar o esgoto e a qualidade da água, ao elevar ainda mais o nível de saneamento obtido em MS. Com esse processo, é feito o tratamento dos poluentes emergentes, que são a classe de resíduos que partem de pesticidas, medicamentos, surfactantes, entre outras categorias altamente nocivas à saúde humana e ao meio ambiente.
A gerente de operações de tratamento de água e esgoto da Águas Guariroba, Marjuli Morishigue, explica que é por meio das universidades que o nível do trabalho executado pela Águas Guariroba se eleva. “ Todas as inovações que a gente procura, a gente também busca eles para nos ajudar. Hoje eles trazem a ciência, então a gente está nessa parceria. Eles já analisaram para trihalometanos – aquela parte que fala sobre remédios que passam pelo sistema e o nosso não tem. Então, é até uma forma de mostrar que a gente está contribuindo para o meio ambiente. Esse teste que eles estão fazendo é para um outro tipo de esgoto, para um esgoto industrial, que aí realmente precisa ter esse polimento maior. É um esgoto com um poluente e uma contaminação maior do que somente o sanitário e doméstico”, esclarece.
O professor do Inqui (Instituto de Química) da UFMS, Amilcar Machulek Jr., argumenta que além do desenvolvimento de novos nano fotocatalisadores na geração de radicais altamente reativos, que atacam as moléculas desses poluentes orgânicos, é importante também focar na utilização de reatores solares. “Uma parte do processo de destruição desses poluentes envolve energia para as reações fotoquímicas e se utilizarmos a radiação do sol, isso torna o processo mais barato. Ao conseguir destruir os poluentes orgânicos que as estações de tratamento convencionais não conseguem você estará produzindo uma água livre dos contaminantes emergentes e muitos desses contaminantes são desreguladores endócrinos que podem causar sérios danos à saúde humana”, argumenta.
Os poluentes orgânicos com essas soluções podem levar a formação de subprodutos de degradação menos tóxicos, ou nas melhores condições, conseguem promover a mineralização desses poluentes, transformando-os em CO2 e H2O. Conforme argumenta ainda o especialista, destruir os contaminantes emergentes contribui para acabar com a degradação do meio ambiente. “Aplicamos as novas tecnologias com o objetivo de destruir os contaminantes emergentes e produzir um esgoto livre, pois certamente poderiam contaminar os leitos dos rios no descarte do esgoto tratado”, destaca.
Frutos atemporais
Mesmo com uma pesquisa iniciada em 2018, o trabalho em conjunto continua mais forte do que nunca. Graduado pela UCDB, o doutorando em tecnologias ambientais pela UFMS, Antonio Kaique Canatto, é um dos que dão continuidade ao trabalho de Cavalheri. Com a pesquisa “Degradação de parabenos adicionados ao efluente de Wetlands por processo foto e foto eletro fenton solar”, Canatto desenvolve o tratamento dos efluentes através do parabenos. A partir disso, é configurada, por meio da pesquisa, uma nova forma de desenvolver tecnologias ambientais.
Como pontuou Morishigue em entrevista ao O Estado, o sistema de tratamento busca cada vez mais utilizar menos energia, de forma que o tratamento seja aerado. Com isso, a eficiência energética, por exemplo, entra em jogo. No projeto de Canatto, além do tratamento das efluentes, há ainda a finalização por meio do processo feito no reator solar. “Eu levo para o laboratório o que eu coletei do Wetlands, o efluente com o parabeno. Levo e passo no reator solar, para fazer o processo foto-fenton solar. Para esse processo é utilizado como reagente ferro e peróxido de hidrogênio. A ação desses reagentes e a luz solar geram os radicais que farão a degradação e mineralização do parabeno junto ao efluente. Então, a ideia é aliar as duas tecnologias e integrar, pois as tecnologias já consolidadas não conseguem remover por completo o contaminante”, esclarece o doutorando da UFMS.
Por fim, Morishigue argumenta que a relação próxima com os estudantes é benéfica e traz respaldo científico, inclusive através de artigos publicados. “Todo esse suporte que a gente proporciona, atesta a eficiência dos estudos e contribui para a ciência. A partir do momento que é publicado um artigo, nós compartilhamos com o mundo o nosso resultado, como fizemos, como acertamos e erramos. esse mérito fica totalmente para o aluno, mas quando são bons resultados, essa aproximação nos ajuda a buscar cada vez mais projetos sustentáveis e aplicar dentro da concessionária. Quem ganha com isso é a população”, conclui a gerente de operações de tratamento de água e esgoto.
Para Canatto é interessante e fundamental dar andamento em uma pesquisa com esse viés. Afinal, para o pesquisador, iniciativas como essa reverberam uma melhor qualidade do meio ambiente e principalmente na qualidade de vida das pessoas. “Garante a qualidade ambiental, algo que eu sempre quero levar. Um ambiente saudável, um meio ambiente saudável e que promova qualidade de vida. A gente está vendo isso na pele, como, por exemplo, alterações climáticas que decorrem do efeito estufa e do aquecimento global, que é provocado também pelas ações humanas. A pesquisa vem para melhorar a qualidade para todos e mitigar os impactos ambientais. Pessoalmente, para mim, me faz muito feliz utilizar meu conhecimento para mudar a qualidade ambiental e de vida das pessoas”, finaliza.