O ‘novo’ ensino médio nasceu velho e já pode ser aposentado

Tiago botelho
Foto: Divulgação

Aprovado em 2017, no raquítico governo de Michel Temer e implementado em 2022, no governo sem prioridade para educação de Bolsonaro, o “novo” ensino médio vem trazendo insatisfações e debates, em especial na comunidade escolar da rede pública, em todo o Brasil. Em Mato Grosso do Sul, não é diferente. No último 11 de abril, foi realizada audiência pública, proposta pelo deputado estadual Pedro Kemp, em parceria com a Federação dos Trabalhadores em Educação (Fetems), pedindo a revogação da lei nº 13.415, que estabeleceu o “novo” ensino médio.

Mas qual é o problema do “novo” ensino médio? O problema é que de novo ele não tem nada. Nasce pronto para a aposentadoria. É velho e tão velho que aprofunda ainda mais as desigualdades socioeducacionais. A proposta do “novo” ensino médio reúne as disciplinas em: linguagem, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e sociais e formação técnica. Entretanto, apenas matemática e português são obrigatórias, nos três anos do ciclo. O restante da carga horária se dá por meio do chamado itinerário formativo, projeto de vida e eletivas, que representam roteiros de atividades e conteúdos pré-definidos pela escola que os estudantes, supostamente, poderiam fazer a escolha.

A promessa, que já nasce frustrada, seria tornar o ensino médio mais atrativo e preparar o estudante para determinadas áreas de conhecimento. Disciplinas como história, física e ciências da natureza deixam de ser obrigatórias, disputando espaço de formação com disciplinas como “O que Rola por Aí”, “RPG”, “Brigadeiro Caseiro”, “Mundo PETS SA” e “Mídias Sociais”.

Para se ter uma noção, a disciplina projeto de vida, que supostamente prepararia o aluno para o futuro, tem duas aulas por semana, enquanto geografia, física e química têm apenas uma. As disciplinas eletivas teriam como objetivo complementar disciplinas bases, por exemplo, se o aluno tem quatro aulas de matemática, precisará cursar uma eletiva que aprofunde um determinado tema de matemática, por semestre.

Na teoria, parece bonito, reforçar temas de uma determinada disciplina, mas, na prática, o que se tem é uma sobrecarrega de disciplinas, para alunos e professores sem a menor estrutura. Outro ponto, muito defendido pelo governo, seria que o “novo” ensino médio daria qualificação profissional, saindo com certificação para o mercado de trabalho, mas o que esquecem de contar é que não contrataram novos profissionais para ministrarem a tal qualificação profissional, portanto, mais uma vez, recai aos professores licenciados tal atribuição, que não tiveram formação e sequer ganham para mais esse encargo.

A audiência pública, realizada em Campo Grande, contou com especialistas da área de educação, que deixaram claro que a atual reforma do ensino médio faz parte de um processo de desmonte das políticas educacionais, feito sem ouvir a comunidade escolar. Entre tantas críticas, lançam um documento, registrando seis pontos que demonstram a urgente necessidade de que o presidente Lula o aposente, por meio da revogação, uma vez que o “novo” ensino médio:

1. Segmenta a formação; 2. Desvaloriza o conhecimento crítico humanístico, pois desobriga conteúdos de história, geografia, sociologia, filosofia, artes, língua estrangeira; 3. Não garante a livre escolha dos itinerários formativos, uma vez que a escola pública, por não ter estrutura, acaba ofertando apenas um itinerário; 4. Intensifica a privatização de parte significativa do currículo escolar, desde a migração para escola particular, que possui itinerários não ofertados pela escola pública até a possibilidade de parceria com a rede privada, para ofertar até 20% de conteúdo, por meio de plataformas digitais aos estudantes de escola pública; 5. Induz a evasão escolar entre os jovens e adultos; 6. Precariza o trabalho pedagógico dos professores e funcionários da educação, pois, para além de não criar estrutura para a nova realidade, permite a contratação de profissionais sem habilitação, apenas com “notório saber”, bem como desvaloriza professores licenciados em disciplinas tradicionais para lecionar mais de 200 novos temas, muitas vezes desconexos da formação.

O “novo” ensino médio estabelece um apartheid socioeducacional, rebaixa o currículo das redes públicas, prejudica o ingresso dos estudantes das classes populares em universidade pública e, consequentemente, empurra o filho dos trabalhadores para cargos de baixa complexidade e remuneração. Darcy Ribeiro sustenta que a crise na educação no Brasil não se trata de uma crise, mas de um projeto. Certamente, o “novo” ensino médio faz parte desse projeto que, inclusive, afronta o papel da educação, expresso na Constituição Federal, no Art. 205, pois se prioritariamente a educação deveria preparar para a cidadania e, depois, para a qualificação do trabalho, hoje, com o projeto do velho-novo ensino médio, a educação não prepara para a cidadania e sequer para o mercado de trabalho.

Por Tiago Botelho.

Acesse as redes sociais do O Estado Online no Facebook e Instagram.

1 thought on “O ‘novo’ ensino médio nasceu velho e já pode ser aposentado”

  1. Isso mesmo! Realidade do NEM. Rever urgente essa questão. Estamos falando da Educação em nosso país. O que aconteceu foi tirar as chances de nosso aluno ir para a universidade.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *