Alarme de incêndio no Pantanal e o fim do mundo

Deni Alfaro Rubbo - Foto: arquivo pessoal
Deni Alfaro Rubbo - Foto: arquivo pessoal

Nas últimas semanas o Mato Grosso do Sul tem sido palco das principais notícias no país. Nem havíamos saído da ressaca da catástrofe das chuvas e das enchentes no Rio Grande do Sul, e o avanço inabalável das queimadas do Pantanal é mais uma manifestação da crise ecológica e do esgotamento dos modelos modernizadores.

O período histórico da “globalização neoliberal” recriou um imaginário que as sociedades alcançariam seus êxitos com a ideia de técnica, do desenvolvimento e do individualismo extremo. Assim como a noção de progresso, essas palavras tornaram-se a religião do nosso tempo, inquestionáveis, sob o sistema de crenças de que sempre há uma solução possível seguindo a rota de um projeto modernizador.

O assunto é sério. As queimadas do Pantanal representam o inferno do desenvolvimento. 95% dos focos de incêndio no Pantanal têm origem em propriedades privadas, o que, por sua vez, incide em outro dado alarmante: o principal vetor das queimadas é de origem humana. O impacto na saúde das famílias de cidades vizinhas do Pantanal é incomensurável. O número de queimadas no primeiro semestre de 2024 chegou a uma ocorrência a cada 15 minutos. Também é consequência dos seres humanos e de sua forma de habitar a terra o aquecimento global.

O Brasil sempre esteve na vanguarda (do atraso) de uma cultura extrativista em grande escala. Paul brasil, cana de açúcar, ouro, café, milho, soja. Essa histórica odisseia foi feita às custas de uma violência racial desapiedada, de uma desigualdade social crônica e de uma depredação ambiental ampliada. Nossa integração empre foi paradoxalmente excludente e apoiada na ilusão de que os recursos são ilimitados, na autovalorização de tudo e na competição brutal de todos contra todos em nome de um “país do futuro”.

Os alertas sobre a letalidade da poluição ambiental não são algo novo. Não se trata de uma intervenção divina ou de uma curiosidade estatística, mas de um colapso ambiental em curso, que coloca em questão a sobrevivência do planeta. Na desconcertante frase do pensador estadunidense Fredric Jameson: “É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo” e na viagem diante dos destroços da modernização desenvolvimentista à brasileira restou a imagem de uma crise civilizatória “numa espécie de Auschwitz sem chaminés de crematórios” (como falava o sociólogo Chico de Oliveira) ou, numa versão mais atualizada, um Brasil espelhado numa Auschwitz “empreendedora” e “sustentável”.

Aliás, o mito da sustentabilidade, destrinchado, por exemplo, pela análise recalcitrante de Ailton Krenak em “Ideias para adiar o fim do mundo”, descortina um outro mito dentro do mito: o da humanidade. “Fomos, durante muito tempo, embalados com a história de que somos a humanidade”. Uma humanidade que foi se deslocando paulatinamente e, nas últimas décadas, feroz e perversamente, da terra, das florestas, das montanhas e dos rios. Não é por acaso que os diagnósticos mais realistas sobre a degradação ambiental sejam oriundos de lideranças indígenas, que representam a fratura exposta dessa monstruosidade desfigurada que é o progresso. As comunidades indígenas não são contrárias às tecnologias, mas sua apropriação é de outro modo, a partir de sua existência social, diferentemente da racionalidade ocidental.

A dizimação da biodiversidade sob o guarda-chuva da monocultura fez com que chegássemos a passos largos no auge da modernização, mas esse encontro foi em chave negativa. É fundamental, portanto, fundar o conceito de progresso na ideia de catástrofe, seguindo os ensinamentos do filósofo alemão Walter Benjamin. Sem essa perspectiva, continuaremos sob a nuvem cinzenta de uma “grande aceleração” sem freios e sem escrúpulos. ‘It’s evolution, baby!”, responde sarcasticamente a canção da icônica banda Pearl Jam. De toda forma, o vasto universo das ciências humanas pode, modestamente, desempenhar um papel importante de suscitar um debate público cada vez mais inadiável sobre a crise ecológica.

Este artigo é resultado da parceria entre o Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul e o FEFICH – Fórum Estadual de Filosofia e Ciências Humanas de MS.

 

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