Vidas interrompidas: “Enquanto as entregas são anunciadas, mais mulheres morrem. Não dá mais pra aceitar políticas de papel”

Foto: reprodução
Foto: reprodução

Agosto Lilás foi marcado pela violência e pela apresentação de projetos em MS

 

Mato Grosso do Sul enfrenta uma escalada alarmante de feminicídios em 2025. Com a morte de Érica Regina Moreira Motta, de 46 anos, registrada na noite desta quarta-feira (27), o Estado chega à 24ª vítima só neste ano. O crime, ocorrido em Bataguassu, soma-se à lista de assassinatos de mulheres e à recente comoção provocada pela morte da menina Emanuelly Victoria Souza Moura, de apenas seis anos, violentada e assassinada por um homem que já tinha histórico de estupros contra crianças.

Outro caso que chocou a população de Mato Grosso do Sul é o da adolescente de 14 anos que teve o corpo incendiado e sofreu graves queimaduras. O principal suspeito do crime é o namorado da vítima e por isso, o caso é investigado como tentativa de feminicídio. A família acredita que ele tenha jogado álcool pelo corpo da jovem e ateado fogo. Ela precisou ser transferida para a Capital, diante da gravidade dos ferimentos. Até o fechamento desta matéria, o seu caso era considerado grave.

Apesar da gravidade dos númerose dos novos casos, ativistas e defensoras dos direitos das mulheres criticam a lentidão do poder público e a ausência de políticas efetivas de prevenção à violência de gênero. Para elas, o cenário atual representa um Estado que falha sistematicamente em proteger mulheres e meninas.

“Estado de faz de conta”

Para a advogada Janice Andrade, que atua em defesa dos direitos das mulheres e crianças, a sensação é de desesperança.

“Vimos o encerramento da campanha Agosto Lilás: autoridades, governo, Judiciário… tudo muito bonito para foto. Mas, na prática, nada muda. Entendo quando as colegas de luta dizem que estão em depressão, porque eu também estou. Não tem como seguir normal diante de tantas mortes”, desabafa.

Ela cita como símbolo do fracasso do sistema os dois crimes brutais ocorridos na mesma semana:

“Enquanto o Estado comemorava o sucesso do Agosto Lilás, uma criança foi estuprada e assassinada e, em Bataguassu, uma mulher passou dois dias em cárcere privado, pediu ajuda, mas acabou morta. Que sucesso é esse? O assassino da menina já tinha antecedentes por estupro de bebês e estava em liberdade, convivendo com crianças. Isso mostra como a impunidade continua gerando tragédias. É a coisificação da mulher e da criança, principalmente das meninas. Estamos cansadas desse faz de conta que trata vidas como se não valessem nada.”

A defensora de direitos humanos Neyla Mendes também critica a ineficiência das instituições:
“O governo e suas instituições vivem um verdadeiro ‘faz de conta’. Na primeira reunião do Conselho da Mulher, aprovamos a criação de uma comissão temporária para realizar um diagnóstico da rede de combate à violência no Estado. A proposta foi aprovada, as pessoas foram escolhidas, mas até hoje, quatro meses depois, não houve a publicação da formalização necessária para que a comissão possa iniciar os trabalhos. Nada sai do papel. É como se estivéssemos gritando sozinhas”, denuncia.

Violência em números

Os casos de feminicídio continuam crescendo em Mato Grosso do Sul. Dados do governo estadual mostram que:
2022: 44 feminicídios registrados

2023: 30 casos

2024: 35 casos

2025 (até agora): 24 vítimas

Entregas anunciadas pelo governo

No encerramento da campanha Agosto Lilás, o governo estadual lançou 13 entregas estratégicas voltadas para a proteção das mulheres e anunciou a municipalização do CEAMCA (Centro Especializado de Atendimento à Mulher, à Criança e ao Adolescente em Situação de Violência), que será descentralizado para 11 cidades.

Também foi apresentada a ferramenta Vitória, um sistema de inteligência artificial para orientar mulheres vítimas de violência sobre onde buscar ajuda, serviços disponíveis e canais de denúncia.

Apesar das iniciativas, ativistas afirmam que o Estado precisa de mais do que projetos: é necessário garantir execução, fiscalização e orçamento para enfrentar a violência estrutural que afeta mulheres e crianças.

“Enquanto as entregas são anunciadas, mais mulheres morrem. Não dá mais pra aceitar políticas de papel. A violência está matando e mutilando famílias inteiras”, resume o MCria (Movimento Permanente pela vida de Crianças e Mulheres em Mato Grosso do Sul).

 

Por Suelen Morales

Confira as redes sociais do Estado Online no Facebook Instagram

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *