Santa Casa denuncia subfinanciamento do SUS e cobra equilíbrio financeiro com o poder público

Diretor Técnico, Dr. William Lemos reforçou a superlotação na ortopedia da unidade  - Foto: Arquivo O Estado e Divulgação
Diretor Técnico, Dr. William Lemos reforçou a superlotação na ortopedia da unidade - Foto: Arquivo O Estado e Divulgação

Setor de ortopedia tem 50 pacientes esperando atendimento e outros são mantidos em ventilação manual

 

 

Em meio a uma grave crise de superlotação, cirurgias eletivas suspensas, escassez de insumos e atrasos nos repasses de recursos, a Santa Casa de Campo Grande reuniu a imprensa nesta segunda-feira (8) para apresentar um diagnóstico detalhado da situação enfrentada pelo maior hospital filantrópico de Mato Grosso do Sul. Durante o encontro, gestores e diretores da instituição apontaram o subfinanciamento do SUS (Sistema Único de Saúde) como principal fator por trás do desequilíbrio orçamentário e reforçaram o apelo por maior participação dos entes públicos nas negociações por novos contratos.

Segundo a presidente da Santa Casa, Alir Terra, o déficit financeiro da instituição é crescente e precisa de soluções estruturantes. “A questão do déficit orçamentário que nós enxergamos é que precisamos ter mais recursos. Esses recursos, por nossa parte, estão sendo viabilizados por meio de outros braços de negócio, como a escola de saúde, o plano de saúde, o atendimento particular e por planos não regulados. Essa é uma forma que nós temos de ajudar a área SUS a ser mais atendida com qualidade”, afirmou.

Ela destaca que, atualmente, a Santa Casa recebe apenas 2,6 vezes o valor da tabela SUS por contrato, enquanto os cálculos da instituição apontam que seriam necessárias ao menos 4 vezes. “O SUS é subfinanciado. Isso significa que, quando nós fazemos um procedimento via SUS, ele não cobre toda a despesa daquele procedimento. Isso já foi detectado inclusive pelo Poder Judiciário Federal”, afirmou Alir, mencionando uma ação de 2018 na qual foi comprovado um déficit de R$256 milhões — processo que ainda tramita em segunda instância, com parecer favorável do Ministério Público Federal.

Outro ponto ressaltado pela presidente é o montante de R$46 milhões enviados pelo Governo Federal durante a pandemia, dos quais apenas R$23 milhões foram repassados à Santa Casa. “O restante tivemos que acionar judicialmente, e já temos decisão favorável até no STJ. Esse dinheiro é garantido e precisamos recebê-lo”, reforçou.

Superlotação crítica e suspensão de serviços

O diretor técnico da Santa Casa, Dr. Willian Lemos deu um panorama dramático da atual ocupação hospitalar. Segundo ele, neste final de semana, a área vermelha, projetada para seis pacientes críticos, chegou a abrigar 25. “No domingo, tivemos 8 pacientes precisando de ventilação. Dois deles foram mantidos com ventilação manual, com profissionais se revezando para garantir a respiração”, relatou.

A superlotação tem comprometido o funcionamento de diversos setores. “Estamos com 50 pacientes na ortopedia aguardando o primeiro procedimento cirúrgico. Na área verde, temos 45 pacientes para apenas sete leitos”, detalhou Dr. Willian. Ele explicou que o acúmulo de pacientes decorre da falta de retaguarda. “Eu tenho um senhor com tumor cerebral que está internado há mais de 150 dias. Precisamos de uma rota de saída para esses pacientes.”

Com isso, a Santa Casa suspendeu cirurgias eletivas nas especialidades de ortopedia, urologia, cirurgia cardíaca e transplante renal. A área de urgência e emergência segue funcionando, mas com altos índices de lotação.

Aumento nos custos e falta de insumos

O desabastecimento também foi um tema central. Segundo Alir Terra, nenhum insumo retornou ao preço pré-pandemia. “A inflação médica é muito maior do que a inflação comum. O dólar subiu, e muitos insumos são importados. O aumento da demanda também pesa. Quando você tem mais pacientes, você gasta mais insumos”, explicou.

Além disso, salários atrasados de 350 médicos PJ (pessoa jurídica) e de fornecedores agravam o cenário. “O pagamento do pessoal CLT está em dia. O problema são os médicos PJ e as empresas fornecedoras”, esclareceu Alir.

Recursos privados: alívio limitado

O diretor de Expansão e Inovação, Fabiano Cançado, destacou que a linha privada da Santa Casa tem sido fundamental para minimizar o impacto da crise. “Atendemos 90% via SUS e 10% na linha privada. Em 2024, a linha privada gerou R$ 36,7 milhões em receita”, disse.

Segundo ele, esse montante ajuda a subsidiar a estrutura geral da instituição, mas há limites legais claros: “Os recursos do SUS são exclusivos para o atendimento SUS, e os recursos privados permanecem no setor privado. A linha privada não sofre com a crise e segue funcionando normalmente.”

A legislação permite que até 40% da capacidade do hospital seja dedicada ao setor privado — atualmente, esse número ainda está abaixo. A expansão dessa frente, segundo a diretoria, é uma das estratégias de longo prazo para equilíbrio financeiro.

Relação com o poder público e regulação

Sobre a regulação de vagas, Alir Terra afirmou que a Santa Casa não recusa pacientes graves. “A vaga zero obriga a Santa Casa a receber o paciente, e nós lutamos aqui para salvar vidas. Todos os pacientes estão sendo atendidos com humanidade e carinho”, disse.

A gestora ressaltou ainda que, apesar de a maior parte dos pacientes ser da Capital (69%), a instituição não pode opinar sobre a alocação de recursos municipais. “Campo Grande não tem hospital municipal, mas o município tem contratos com outros hospitais. A gestão decide onde aplicar os recursos”, afirmou.

O diretor de Estratégia e Negócios, João Carlos Marchezan, reforçou que os dados da Santa Casa estão abertos e que todas as informações solicitadas pela Câmara Municipal estão sendo prestadas. “Estamos colaborando com total transparência. O processo médico é complexo, os custos variam muito entre os pacientes”, disse.

Caminhos para o futuro

Diante do quadro, Dr. Willian Lemos afirmou que o pedido mais urgente da Santa Casa ao poder público é claro: mais financiamento e estrutura de retaguarda. “A crise é muito maior do que a Santa Casa pode resolver. Temos um déficit real de leitos na cidade, o que aprofunda o problema. Precisamos de investimento e de uma estratégia de curto, médio e longo prazo.”

A direção da Santa Casa acredita que a auditoria prometida pelo Governo do Estado pode ser um passo importante. “Isso para nós vai ser extremamente benéfico. Vão conseguir verificar realmente todo o déficit que a Santa Casa tem. Aí, sim, pode haver um equilíbrio econômico-financeiro do contrato, de acordo com o que a população precisa”, finalizou Alir Terra.

 

Por Suelen Morales

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