Prefeito confirma início da cobrança e descarta novo debate, enquanto empresários, trabalhadores e guias relatam prejuízos, medo de represálias e reação negativa de turistas
Mesmo diante de forte insatisfação do setor turístico, relatos de queda na procura por pacotes e ampla rejeição nas redes sociais, a cobrança da TCA (Taxa de Conservação Ambiental) passa a valer em Bonito a partir do próximo sábado (20). A taxa, no valor de R$ 15 por dia para cada visitante, entra em vigor sem previsão de revisão, suspensão ou novo debate público.
Ao jornal O Estado, o prefeito de Bonito, Josmail Rodrigues, confirmou que não há qualquer impedimento para o início da taxação. Questionado sobre o cenário de críticas e pressão do trade turístico, foi direto. “Sim, tudo certo”, afirmou.
A taxa foi criada pela Lei Municipal nº 162 de 2021, ajustada pela Lei nº 169 de 2022 e regulamentada por decreto do Executivo municipal. Segundo a prefeitura, os recursos arrecadados devem ser destinados a ações ambientais como coleta e destinação de resíduos, manutenção de acessos, monitoramento ambiental e educação ambiental.
Na avaliação do diretor-presidente da Fundtur (Fundação de Turismo de Mato Grosso do Sul), Bruno Wendling, a medida está dentro da legalidade e segue modelos adotados em outros destinos de natureza no país.
“Vejo como legal, dentro da legalidade, algo que já acontece em outros destinos de natureza e que pode contribuir com ações de conservação necessárias. Pelo que vi, houve diálogo dentro do Conselho Municipal de Turismo, que representa o trade e setores do município”, afirmou.
Agências relatam queda imediata na procura
Apesar do respaldo institucional, a percepção no mercado local é de forte resistência. Em exclusividade ao jornal O Estado, uma agência de viagens que prefere não divulgar sua marca relatou que a taxa já começou a impactar negativamente a procura por Bonito, especialmente entre turistas de perfil mais popular.
“Já sentimos diminuição na procura. A taxa está sendo altamente rejeitada, com turistas evitando vir, sobretudo o público que frequenta os balneários. Muitos estão trocando o ecoturismo de Bonito por outros destinos. Um tiro no pé dessa administração”, afirmou o representante.
O temor de retaliações também apareceu nos relatos de trabalhadores do turismo. Um guia turístico, que pediu para não ser identificado, disse que a estrutura de poder local impede críticas públicas à medida.
“Estamos no interior de Mato Grosso do Sul. Aqui ainda existe muito coronelismo, muito cacique, muita gente poderosa. Eu sou vendedor de passeio, agente de viagens, e respondo a donos de atrativos, associações, gente do agro. A gente não pode se expor, não pode botar a cara e sair falando tudo o que pensa, porque senão é boicotado, deixa de trabalhar. Então falar com anonimato é uma forma de proteção”, relatou.
Rejeição nas redes sociais
Nas redes sociais, a reação contra a taxa se intensificou nos últimos dias. Trabalhadores, empresários e moradores formam a maioria das manifestações contrárias à cobrança.
Em um dos comentários, um internauta questiona a coerência da medida. “A população não aceita. Mais uma taxa, mais uma mentira. Há anos ouvimos falar de prêmios ganhos por conservação. Então era tudo mentira? Se já tínhamos antes, pra que cobrar ainda mais? Quem está mentindo? Como foram ganhos tantos prêmios? Gestão de fake news. O comércio local já está sofrendo. Todo dia uma porta se fecha ou alguém se endivida ainda mais”, escreveu.
Outro comentário resume o sentimento de insegurança econômica. “Vocês vão nos quebrar”, afirmou.
Também há críticas direcionadas à justificativa ambiental da taxa. “Essa tentativa de justificar o uso do recurso é fatídica. As nascentes são cuidadas pelos proprietários e fiscalizadas por Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul). O município precisa cuidar das áreas urbanas”, apontou outro morador.
Em tom ainda mais duro, uma publicação responsabiliza a gestão municipal por problemas ambientais e urbanos já existentes. “A gestão que abriu portas para a morte dos rios urbanos, para o plantio em áreas de recarga, não investiu em educação ambiental e deixou buracos nas ruas. Em meio a uma crise de licitações, querem criar taxas. Sem dialogar direito. Na rede social está tudo lindo”, criticou.
Como vai funcionar a taxa
De acordo com o decreto municipal, o visitante deverá emitir e pagar a TCA de forma online, antes da realização dos passeios. O comprovante deverá ser apresentado nas agências de turismo, e a fiscalização ficará a cargo das secretarias municipais de Turismo e Administração.
Estão isentos moradores de Bonito, trabalhadores em serviço no município e crianças menores de 7 anos.
A prefeitura informa ainda que a taxa inclui seguro válido durante os passeios, com cobertura para acidentes, invalidez e auxílio-funeral, além de atendimento pré-hospitalar das 7h às 19h.
Emissão será totalmente online
A emissão da TCA será feita exclusivamente pela internet. O turista deverá acessar o portal turistapornatureza.com.br, realizar o cadastro, registrar os dias de permanência e gerar o voucher digital.
Fim do debate
A resistência também ficou evidente em reunião recente na Câmara Municipal, que ficou lotada com empresários e trabalhadores pedindo a suspensão da cobrança, nova audiência pública e até a revogação da taxa.
Mesmo diante da mobilização, o prefeito descartou qualquer reabertura do debate. Em entrevista ao jornal O Estado, Josmail Rodrigues foi enfático.
“Não, o município não vai fazer audiência pública. Isso já foi discutido. Essa lei foi votada em 2021 e 2022, já foi discutida com o trade do turismo, com as agências, com todos. A taxa vai ser implantada dia 20 de dezembro. Não tem audiência pública, não tem mais nada. Já está tudo certo, pronto e acabou”, declarou.
Por Suelen Morales
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