Lei que dá acesso ao cadastro de pedófilos será regulamentada

Foto: Nilson Figueiredo
Foto: Nilson Figueiredo

Segundo a Sejusp, já são mais de 320 identificados na ferramenta

Foi sancionada, nesta semana, a lei 6.088, que permite à população ter acesso ao Cadastro Estadual de Pedófilos do Mato Grosso do Sul. Entretanto, o acesso ainda não está disponível para a população, isso porque ainda será definido, na próxima semana, se haverá a necessidade de regulamentação, por parte do Poder Executivo. Segundo o autor da lei, deputado Coronel David (PL), a regulamentação será definida entre a PGE (Procuradoria- -Geral do Estado) e o governo. “A procuradora Ana Carolina Ali vai conversar o governador para ver se vão fazer a regulamentação. Ela entende que não há necessidade de haver uma regulamentação, porque a lei é impositiva, ela garante o acesso a todos os cidadãos”, argumentou.

A nova lei traz, ao menos, duas alterações da lei 5.038 de 2017 e também de autoria do Coronel David, que durante os seis anos de vigência esbarrou em diversos obstáculos, como a Lei Geral de Proteção de Dados, que impedia o acesso da população às informações de pedófilos com sentença condenatória transitada em julgado, ou seja, sem direito a recursos. “Nós trocamos porque entendia-se que a redação, da forma como estava, dando acesso a todas as informações do cadastro, infringiria-se a Lei Geral de Proteção de Dados. Por isso, nós alteramos a redação e colocamos de forma impositiva. O cidadão terá acesso a todos os dados do cadastro naquilo que se refere a foto e nome, as demais informações só os órgãos policiais é que terão acesso”, explicou o deputado. Cadastro

A ferramenta do Cadastro Estadual de Pedófilos, disponível somente pelo Sigo (Sistema Integrado de Gestão Operacional) e com acesso restrito, segue sendo atualizada desde a primeira legislação, que entrou em vigor em 2017. Conforme a Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública), cerca de 320 criminosos já foram identificados e inseridos no sistema.

“O Banco Estadual de Pedófilos, criado por meio da lei estadual n.º 5.038, de 31 de julho de 2017, já está no ar, contém mais de 320 cadastrados com sentenças em trânsito e julgado e, em conformidade coma lei federal n.º 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), e conforme parecer da PGE, acessível aos integrantes das forças de segurança pública, Ministério Público e Poder Judiciário. A publicitação do Banco Estadual de Pedófilos depende de regulamentação do Poder Executivo, conforme previsto no Art. 6º da lei n.º 6.088, de 7 de julho de 2023.”, diz a nota da Sejusp.

Sendo assim, a secretaria é a responsável pela atualização e acesso ao banco de dados, que está em fase de adaptação. Além disso, o cadastro disponibiliza às equipes da segurança pública o acesso a dados adicionais, como: parentesco ou relação com a vítima, idade do pedófilo e da vítima, circunstâncias e local do crime, endereço do cadastrado e histórico de seus crimes. Para a presidente da Comissão de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da OAB/MS, a advogada Luciana Azambuja, o cadastro é mais um mecanismo que visa garantir maior proteção a crianças e adolescentes. “Além da questão punitiva da condenação desses abusadores, teremos a questão didática. Eles saberão que vão ser expostos e talvez isso possa ter um efeito positivo na prevenção de novos crimes contra crianças e adolescentes. É importante ressaltar que só vai para o cadastro quem está com a decisão transitada em julgado, ou seja, não tem mais defesa. Vai ter que cumprir a pena e ficará exposto no banco de dados durante este período. Depois que cumprir a pena, o condenado sai desse cadastro. É necessário que exista um trabalho de ressocialização e reinserção do sujeito na sociedade”, pontuou a advogada.

Quanto à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, a advogada explica que o acesso ao cadastro, por parte dos cidadãos, não infringe as regras e que a proteção de crianças e adolescentes é um valor muito caro para a OAB e para as comissões da OAB. “A população em geral não vai ter acesso, por exemplo, ao endereço e ao telefone deste condenado, terá acesso ao nome e à foto dos criminosos que realmente são considerados culpados e condenados. Pelo ECA, o interesse em proteção dos direitos da criança e do adolescente é superior e considerado prioridade absoluta no sistema de Direito. Então, até que ponto temos que proteger mais o abusador do que as crianças e adolescentes?”, ponderou.

Balanço

Segundo balanço da PF (Polícia Federal), as prisões por pedofilia triplicaram no Brasil, no primeiro semestre deste ano. De janeiro a abril, 94 pessoas foram detidas, acusadas de crimes cibernéticos de abuso sexual infantojuvenil, uma alta de 194% em comparação com o primeiro quadrimestre de 2021, quando ocorreram 32 prisões no país. Por sua vez, dados da Sejusp revelam que, de janeiro até o dia 14 de julho de 2023, Mato Grosso do Sul registrou 1.310 ocorrências de estupro. Deste número, 618 eram crianças e 437 adolescentes. Cabe destacar que 84% das vítimas são do sexo feminino.

Especialistas analisam efetividade do sistema

Preocupados com a exposição das vítimas e a utilidade do Cadastro Estadual de Pedófilos, psicólogos e representantes da OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil) analisaram a nova lei 6.088/2023 e explicaram, ao jornal O Estado, que é preciso chegar na raiz do problema, que é a pedofilia. A presidente da Comissão de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da OAB/MS, a advogada Luciana Azambuja, apontou que a maioria dos crimes de estupro são cometidos contra crianças e adolescentes do sexo feminino. “Temos uma questão de gênero, de mulheres e meninas que são vítimas de diversas formas de violência. A lei do cadastro de pedófilos já existia desde 2017 mas não estava tendo a eficácia esperada, que é coibir e prevenir esses crimes. A população, em geral, pode, sim, ter acesso a esse cadastro. Nós precisamos proteger nossas crianças e adolescentes de crimes contra a dignidade sexual”, enfatizou a advogada. Para a psicóloga Carlota Philippsen, a problemática gira em torno da cultura do estupro, em que, infelizmente, as vítimas acabam sendo mais expostas do que seus abusadores. Segundo ela, os produtos culturais que trazem o cerne deste comportamento precisam ser discutidos.

“Qualquer simplificação sobre este assunto é bem perigosa e não resolve a raiz da questão. Primeiro, temos uma ideia de que pedofilia é uma doença e não é. Existe toda uma questão crítica, inclusive dentro da psiquiatria e da psicologia, de que, na verdade, nós vivemos numa cultura que traz a sexualidade voltada para crianças. Por exemplo, no caso da pedofilia para os homens, um diagnóstico mostra que existe uma estrutura de repetição, não é una. Precisamos, na verdade, tratar da cultura do estupro para que a pedofilia deixe de acontecer”, afirmou a psicóloga.

Tendo em vista os dados da NCPI (Núcleo Ciência pela Infância), no Brasil, 84% dos casos de violência contra crianças de até 6 anos são cometidos por familiares, como: pais, padrastos, madrastas, avós e tios. Segundo Carlota, é preciso falar mais sobre quem é que pratica esses crimes. “Vemos vários casos, em que a vítima é quem geralmente é exposta ou a mãe. Temos um recorte de gênero muito forte na forma como lida-se com esses casos, em que, a priori, as mulheres sempre são culpabilizadas primeiro. Aonde é que estava a mãe dessa criança? e até coisas absurdas, do tipo: a criança procurou ou provocou! Está na hora de, realmente, começar a responsabilizar os agressores por isso. Tirar a imagem de que o estuprador ou pedófilo é aquele cara esquisito. Quando, na verdade, eles estão dentro do seio da família e inseridos na sociedade”, analisou a psicóloga.

 

[Suelen Morales– O ESTADO DE MS]
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