Em 2024, o tráfico de drogas foi a infração mais comum nessa faixa etária na Capital
A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) retoma as atividades em fevereiro discutindo algumas propostas de emenda à constituição que dividem opiniões e suscitam debates. Além de temas como aborto, redução de áreas ambientais e cotas, outra PEC a ser discutida é a redução da maioridade penal. Com sistema carcerário superlotado, tanto no Mato Grosso do Sul como no país afora, especialistas apontam que essa pode ser uma “solução simplista” se não houver uma remodelação nas penitenciárias do país.
A redução da maioridade é um tema controverso que suscita debates e divide opiniões. Quem é a favor da redução acredita que adolescentes entre 16 e 17 anos conseguem discernir sem dificuldades o que é certo e errado. Outro forte argumento é que, devido à impunidade dos adolescentes, infratores utilizam esses jovens para cometer os piores crimes. Além disso, é recorrente a alegação de que os Estados Unidos e alguns países da Europa já praticam a punição para menores, inclusive para crianças que cometem crimes hediondos.
Por outro lado, quem é contra acredita que uma vez inserido no contexto prisional brasileiro, o jovem dificilmente conseguirá se inserir novamente na sociedade. Além disso, é argumentado que a redução da maioridade penal atingirá somente os jovens que vivem em condições mais vulneráveis. Alega-se também que o adolescente está em fase de desenvolvimento psicológico e que conviver com adultos em um sistema carcerário como o do Brasil – frisado por sua superlotação e violência – pode ser nocivo ao seu desenvolvimento.
Redução da maioridade no Estado
Em Campo Grande há nove unidades prisionais, sendo duas delas de regime semiaberto e as demais de regime fechado. Em dias atuais, na Capital há 7.318 custodiados(as). No Mato Grosso do Sul, apesar de haver 40 unidades penais, apresenta-se no estado uma superlotação expressiva. Ao todo, o limite máximo de vagas é 12.458, mas no estado há 21.958 custodiados(as) atualmente, segundo dados da Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário). No Brasil, a população carcerária é de 663.906 presos, enquanto a capacidade das celas físicas é de 488.951 vagas. O país findou 2024 com um déficit de 174.436 vagas no sistema carcerário, conforme o MJSP (Ministério da Justiça e Segurança Pública).
Para o advogado criminalista Josemar Fogassa a proposta de redução impacta diretamente os direitos constitucionais dos adolescentes, presentes na Constituição Federal e no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Segundo Josemar, a redução pode ser nociva no que tange a internação dos mais jovens em um sistema carcerário marcado por superlotação, violência e condições insalubres. Além disso, pela exclusiva convivência com adultos em um período de formação e desenvolvimento da personalidade do adolescente. Para o advogado, a medida apresenta-se como uma “solução simplista” para uma questão complexa.
“Não há evidências que demonstrem que a redução da maioridade penal diminui os índices de criminalidade. Em alguns casos, pode até mesmo ocorrer um efeito contrário, como o aumento da violência dentro dos presídios. É preciso investir em medidas socioeducativas eficazes, que promovam a ressocialização dos adolescentes e a prevenção da violência”, argumenta Josemar, que propõe como possíveis resoluções o investimento em educação, saúde, esporte e trabalho. “Esses são alguns dos pilares que devem ser fortalecidos para construir uma sociedade mais justa e igualitária”, defende.
Em 2024, somente na Capital, 155 menores foram apreendidos, o número revela um leve aumento em relação a 2023, ano em que registrou 138 captações. Os dados disponibilizados pela DEAIJ (Del. Especializada de Atendimento à Infância e Juventude) apresentam apenas o número de menores internados, deixando em aberto a quantidade de crianças e adolescentes que, por alguma infração menor ou outra causa, são levados a delegacias, mas são soltos em seguida. No ano passado, a infração mais recorrente nessa faixa etária na Capital foi tráfico de drogas.
De acordo com Daniella Kades, delegada na DEAIJ desde 2021, em detrimento da redução da maioridade, apreender o menor infrator por mais tempo pode ser uma medida mais eficaz, assim como remodelar o ECA.
“Eu acredito que esse adolescente infrator teria que permanecer, às vezes, mais tempo apreendido, para ele sentir que de fato há medidas punitivas. Até porque quando o adolescente está numa Unei (Unidade Educacional de Internação) internado, ele tem acesso à escola, ele tem acesso a outras medidas, que são diferentes dos presídios, que é mais adequado à faixa etária deles. Eu também acho que tinha que ter uma revisão do ECA, talvez aumentar um pouco o tempo de internação e realizar algumas mudanças, mas não efetivamente a redução da maioridade”, pondera.
Conforme o ECA, caso o adolescente cometa um ato infracional, como tráfico, latrocínio, crimes hediondos, entre outros, se for apreendido, ele é transferido para uma Unei, onde pode ficar internado até os 21 anos. A depender da infração, o menor pode ou ser internado, ficar sob custódia provisória ou responder em semiliberdade. Em Mato Grosso do Sul há 10 Uneis distribuídas em diferentes regiões do estado. Na região central, com sede em Campo Grande, onde consta 4 unidades, as casas de internação atendem a 21 municípios. Já na região do bolsão, com sede em Três Lagoas, o local atende a 12 cidades. Na região alto do Pantanal, com sede em Corumbá, a unidade recebe menores de 7 municípios, enquanto na Grande Dourados, que atende a 21 cidades, são duas unidades em atendimento apenas para o sexo masculino. Por outro lado, na região sul-fronteira, com sede em Ponta Porã, há apenas uma Unei, que atende 18 municípios. Dentre as 10 unidades de internação ativas em Mato Grosso do Sul, apenas uma é para o sexo feminino.
Para o doutor em Direito Penal e especialista em segurança pública, Fernando Lopes, a redução da maioridade mostra-se positiva em países da Europa e dos Estados Unidos. Segundo o especialista, o índice de criminalidade é baixo quando se trata dessa faixa etária em locais onde a medida foi adotada. No entanto, conforme Fernando Lopes, para que o Brasil obtenha a mesma resposta positiva é necessário, em paralelo, uma remodelação no sistema carcerário brasileiro.
“Teríamos que paralelamente a esta redução termos uma melhora significativa nos cárceres para a partir disso aplicarmos a medida! Pois, caso contrário, teríamos mais uma classe de presos (jovens) sendo submetidos a uma prisão cruel que irá trazer não a ressocialização esperada e sim maior violência destas pessoas quando ganharem a liberdade”, analisa.
Entenda a PEC
A PEC (proposta de emenda à constituição) 32/2019, que visa a redução da maioridade de 18 para 16, alterando a idade que uma pessoa pode responder por crimes, começou a ser debatida em 2015 e é de autoria dos ex deputados Rogério Rosso (PSD-DF) e Andre Moura (PSC-SE). Em 2019, entretanto, o texto da emenda foi alterado e retomado pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Segundo ele, a PEC pode contribuir para a redução do aliciamento de menores pelo crime organizado.
A emenda apresentada pelo senador ainda propunha que adolescentes a partir de 14 anos possam ser responsabilizados penalmente em casos de crimes hediondos (crimes considerados extremamente graves, como homicídio e estupro), tortura, tráfico de drogas, terrorismo, e participação em organizações criminosas. No entanto, a previsão para menores de 14 anos foi retirada do relatório por outro parlamentar, o senador Márcio Bittar (União–AC). Ao todo, há 32 senadores envolvidos na proposta de redução da maioridade.
Por Ana Cavalcante
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